terça-feira, 1 de janeiro de 2019

FRASES DE UM LIVRO LIDO (136)


LER “FELIZ ANO NOVO” É BEM DIFERENTE DE DESEJAR UM “FELIZ ANO NOVO”, AINDA MAIS DIANTE DE TUDO O QUE VEJO OCORRENDO DO LADO DE FORA DA JANELA DO MAFUÁ

Termino a leitura do primeiro livro no ano, “Feliz Ano Novo”, do Rubem Fonseca (Edit. Artenova RJ, 1975, 148 págs), no exato momento em que Jair Bolsonaro sobe a rampa do Planalto. Fico sabendo, pois saio do quarto, onde me encontrava recluso e com intuito de terminar leitura e vou para sala, onde alguns corajosos permanecem com a TV ligada. O que satisfaz do pouco que ouço é da espécie de confinamento reservada para tudo, todas e todos, jornalistas, autoridades, principalmente populares. Até as maçãs foram confiscadas das mãos dos aguardando em cercadinhos e sob alhares atentos de seguranças. Tinham receio de que algo fosse arremessado na direção do presidente. E estão certos, pois diante de tudo o que já fizeram com o povo, só podem ter mesmo receio de que, em algum instante, alguma reação ocorrerá. Rubem Fonseca saberia trabalhar muito bem com uma situação dessas e escreveria um texto como poucos, muito mais agudo do que o dos contos que terminei de ler neste momento.

Encontrei este livro no meio de outros tantos que tento dar um destino, lá pelos lados do mafuá. Coisa mais que detestável é se desfazer de livros. Vieram caixas e caixas do Rio, terra de origem de minha esposa Ana Bia, seu pai Zé Pereira, sua mãe Darcy Soliva, avós e bisavós. São livros e livros, muita coisa com dedicatória. Me corrói por dentro ter que buscar uma solução para o destino de muita coisa de muitas décadas atrás. Quando me deparei com esse quase desintegrado exemplar, primeira edição, com recortes de jornais da época, tudo selecionado por meu sogro, um devorador de livros e colecionador dessa maravilha, o peguei nas mãos e dele não mais se separei. As páginas estavam se soltando e permaneci com ele alguns dias, sem querer colar um adesivo transparente para juntar tudo. Reli o que já havia lido há uns trinta anos atrás, com a emoção devida, algo a mim anunciado por um dileto amigo, o também devorador de livros, Bruno Sanches: “Feliz ano novo do Rubem Fonseca é pesadíssimo, mas ótimo”. Sim, ele pode ser considerado pesado, até o ministro da Justiça na época do lançamento, Armando Falcão, o achou, tanto que mantinha um exemplar sob sua mesa e mostrando a todos dizia de como podia ousar liberar algo assim para leitura dos brasileiros.

Isso ajudou em muito no sucesso do livro. Tudo o que é proibido é mais gostoso, daí irreversível, a gente quer tomar conhecimento de tudo quanto é jeito e maneira. Meu sogro deu um jeito e conseguiu um exemplar da primeira edição e nele leio agora, os recortes com algo sobre o que o jornal mais importante na época, o Jornal do Brasil, produziu de resenhas, textos. Uma charge do Ziraldo é ótima, pois faz alusão ao ano novo chegando e pode ser maravilhosamente utilizada para este momento em que o país vive. Pode mesmo, pois nesse exato momento em que escrevo isso, rojões pipocam no céu de Bauru e sei, deve ser a bestial reação de algum bolsonarista feliz da vida pelo momento vivido. Não volto para sala, pois quero distância da TV, quero logo escrever esse texto, publicar e ir dar comida para meu cão que, me espera com fome para comer todo final de dia. Olho para a proibição ocorrida no final dos anos 70, auge da ditadura militar e prevejo que, algo assim pode voltar muito bem a acontecer hoje, nesses tempos nada sadios. Aquilo tudo a espantar o ministro da época, com toda certeza, espanta até muito mais os bolsomínios, pois esses nada leem e se perguntarem para eles o que representa Rubem Fonseca, ficariam segurando a brocha na mãos, sem saber o que responder.

O primeiro livro que li do Rubem foi “Lúcia McCartney”, editado pela Codecri, a do rato que ruge, do Pasquim. Primeiro me encantou a ilustração da capa, bem colorida, acho que do Mariano, uma guerrilheira com as pernas de fora e incitando a gente a resistir. Devorei e o tenho até hoje, como todos os livros da Codecri, numa estante só para eles. Os guardo mais pelo amor que tive (e tenho) pelo Pasquim. Depois fui ler O Caso Morel, Agosto e outros. Seus contos são por demais de saborosos. Inesquecível o dia em que um repórter da TV Globo, cobrindo a queda do muro de Berlim foi entrevistar um brasileiro lá presente, lhe faz umas perguntas, esses responde, mas não reconhece ali o escritor. Saboreei os contos com o devido glamour que essa época merece. Aquela pitada de contar o presente como de fato ocorria, com a crueldade dos que de cima para com os debaixo, são ótimos. Ontem comentava na mesa da ceia sobre o conto do cara rico que buscou uma mulher para saciar seus desejos, deu de cara com uma travesti, foi por ela riscado e por fim, gastando um pouco, se safa, como sempre o fizeram de todas as situações de risco a que se expuseram, sempre se utilizando da força do dinheiro. É isso que deve ter incomodado o ministro na época, mais do que a realidade mostrada.

Desço agora para o mafuá, com os andrajos do livro junto de mim. Ele permanecerá até não se sabe quanto tempo, junto tantos outros na mesma situação, aguardando minha decisão e deliberação. Sou um inquisidor de livros. Não me peçam para doar alguns desses para bibliotecas bauruenses, pois sei bem o que fariam com edições dos anos 30,40,50,60 e mesmo 70,80,90. Tenho que pensar em outra solução e rápida, pois olho para cima e além dos rojões, vejo nuvens escuras no céu e isso para mim é um horror. O mafuá está localizado na beira do rio Bauru, esse transborda vez ou outra. Já perdi muita coisa lá e não quero perder mais, nem sei como aplacar a ira dos céus caindo em forma de chuva forte sob a baixada bauruense. Roque e Tatiana passaram por lá antes do Natal, buscavam um isopor para colocar bebidas da ceia deles e lhes mostrei os livros, coleções com coisas tão ou mais interessantes que o Feliz Ano Novo. Passo pelo menos umas duas horas por dia no meio deles e os mantenho até quando conseguir. Hoje mesmo, devolvo esse e vou ficar remexendo tudo até encontrar outro que possa trazer e ficar paparicando junto de mim por alguns dias. Viverei lendo até o último dia de minha vida e ainda bem, tenho, creio eu, quantidade suficiente para já permanecer lendo enquanto resistir vivo. Isso para mim é um alento, pois mesmo resistindo a tudo o que virá pela frente, quando mergulho nesse meu paraíso, esqueço de tudo o mais. Fico fragilizado quando no meio deles, costados descobertos, ouvidos praticamente surdos, absorto e contrito, envolvido por uma névoa de luz diferente. Nem o telefone ouço, Ana se irrita com isso, pois liga e não atendo. Pensa estar na rua, pois sabe meu gosto pela rua, mas não, quero agora, mais e mais livrar.

Viva o FELIZ ANO NOVO e não esse dito que ouço pela aí, o de um FELIZ ANO NOVO. Bem diferente cada um deles.
Obs.: Vocês não imaginam a belezura que ter nas mãos os livros que um dia foram do meu sogro, um que dava a eles todos um carinho elevado à sua máxima potência.

DUAS CURTAS HISTÓRIAS DE ONTEM, O ÚLTIMO DO ANO QUE SE FOI

HISTÓRIA 1 - A festa armada, faltava um convidado, ligam para ele e efetivam o convite. Esse fica assim, decide expor o motivo: "Vocês convidaram também o João?". Quando lhe dizem não, que João viajou, está longe, nenhuma possibilidade de estar presente, ele explica: "Discuti com o João antes da eleição. Ele ficava todo dia me enviando besteiras querendo me convencer das virtudes de votar no Bolsonaro. Enchi o saco e lhe disse que, se quisesse manter ainda o mínimo de respeito de consideração que tinha por ele, que parasse por ali. Ele veio cheio de pompa a me dizer intolerante e fui obrigado a dar a estocada fatal em suas pretensões quando lhe questionei dele vir me pedir tolerância, mas na verdade, vende intolerância. Me deletou das redes sociais e não teria problemas em reencontrá-lo, algo inevitável qualquer dia desses, mas preferiria não fosse justo agora, na passagem do ano.

HISTÓRIA 2 - Ana me pede no meio da tarde para buscar cubos de gelo, mas com uma exigência, quer de água filtrada. Conhecedor das entranhas do envazamento deste país, digo que todos devem sair do mesmo cano. Ela insiste e ao comprar e dizer da exigência para a atendente de uma dessas lojas de posto de combustível, ouço dela: "Tinha um conhecido que envazava água, revendia em seu negócio. Recebia lotes fechados, mas para aumentar os lucros, o fazia muitas vezes do filtro de sua casa, água do rio Batalha mesmo e tantas vezes o vi ir ali em Duartina, onde dizia existir uma mina, com uma água com gosto dos mais aprazíveis. Certa feita passou uma tarde inteira lá. Ele tinha caixas de lacres e me dizia descaradamente que agindo assim seu lucro era de 100%". Comprei assim mesmo o gelo revendido por ela, nada contei para Ana. Creio ela irá ler esse relato no dia de hoje, o que em nada mudará o rumo das águas.

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