domingo, 8 de dezembro de 2019
PRECONCEITO AO SAPO BARBUDO (148)
EU FUI AO SHOW DO RENATO TEIXEIRA – MAS ELE NÃO É DIREITISTA? Sim, ele é, apoiou o indefectível Aécio Neves, mas não dos piores. Passa ao largo com o bolsonarismo (ufa!) e no show fez uma referência à arrependimentos, quando cantou uma canção de sua lavra, sobre pedir perdão por atos falhos. Ele sabe muito bem e mesmo tendo um pensamento liberal conservador, é ciente de que, o projeto neoliberal de destruição do Estado e de direitos sociais não cabe na democracia. Todos os ainda sensatos, ao menos refletem junto aos seus travesseiros da barbaridade do capitalismo predatório, esse privilegiando uma ínfima minoria e danando a sua imensa maioria. Como um artista como ele, tendo parceiros como Almir Sater e com letras tão sensíveis pode querer continuar na vibe que tomou conta do país tempos atrás? Renato tenta se desligar da onda conservadora e isso é alentador, muitos outros caíram na tentação e escapam pela tangente no momento onde artistas começam a ser perseguidos, atacados e injuriados. Fui ao show com isso tudo na cabeça, mas além disso, o motivo maior, além até do próprio show foi o centenário desse distrito singular na vida bauruense, o de Tibiriçá, aproximadamente 2 mil habitantes e muitos desses com suas vidas relacionadas a quilombos.
O ser liberal merece um arrazoado a mais dentro do conservadorismo brasileiro. Histórico o liberal defender uma coisa no país, mas praticar outra. Com a escravidão e o fim dela isso ficou bem claro, mais que evidente. O liberal da boca pra fora propunha o fim da escravidão, mas continuava donos de escravos e mesmo, lutava pela liberdade dos negros, com a condição de mantê-los subjugados. Tudo a partir daí se sucedeu e não existe como tapar o sol com a peneira: o liberalismo tupiniquim não prima pela liberdade, mas pelo cinismo. Ou seja, fica cada vez mais difícil para esses dentro dessa linha de pensamento e ação ficar ao lado dessa acumulação de riqueza por parte de uma minoria e ela não respeitando nenhum tipo de princípio democrático. A maioria dos liberais disfarçam, escondem o jogo, escamoteiam de fato suas intenções, pois o horror à democracia, à cidadania e à justiça social fazem parte do DNA do liberalismo no Brasil. Levo em consideração, isso não é privilégio do Brasil, pois em boa parte do mundo isso se repete. Com certeza, Renato se posicionou ao lado de liberais, os ditos com os pés em duas canoas, mas nunca ousou atravessar o Rubicão e defender algo próximo do bolsonarismo. Escrevo isso e não me esqueço: os liberais brasileiros, todos eles, podem não ter aprovado o bolsonarismo, mas votaram nele, pois estavam fazendo de tudo e mais um pouco para tirar a “esquerda” (PT é de esquerda?) do poder.
E no mais, em referência ao posicionamento de artistas na mesma linha do Renato Teixeira, penso cá com meus botões: Sim, estamos vivenciando um cruel e insano golpe, mas se abdicar de tudo e todos que penderam em certo momento para o outro lado, serei obrigado a radicalizar. Cito exemplo bauruense: a poesia de Luiz Victor Martinello é boa, mas ele sempre se mostrou um liberal, tucano de carteirinha. Consumo e curto sua obra ou a rejeito? O mesmo se dá com Renato, Ivan Lins, Fagner, Zé Ramalho, Nana Caymmi e tantos outros. Tento separar a obra do posicionamento do artista e toco meu barco, com atuação bem flamejante contra o golpe e o conluio em curso no comando do país. Tantos se deixaram levar pela onda e, envergonhados capitulam. Rejeito esses? Alguns sim, outros não, depende do envolvimento. Por exemplo, um Lobão, mesmo com sinais de arrependimento, continua cruel e abominável. Renato nunca foi desses. Enfim, mesmo que a cepa desse liberalismo, em nome dos interesses do mercado, suje suas mãos de sangue todos os dias, alguns se mostram favoráveis, mas não no todo. Não deixam de ser pérfidos e os considero recuperáveis.
Renato foi o convidado para o show do centenário do distrito bauruense, numa parceria do Governo do Estado de SP (outro cruel e insano) e a Prefeitura Municipal de Bauru. Devo continuar consumindo Cultura oriunda de quem crava a estaca nos costados do povo? Cito outro exemplo, não deixo de assistir ao Roda Vida, cria da TV Cultura quando esse traz gente como Flávio Dino, Boulos, Freixo, Haddad... Publiquei um Convite há uma semana atrás sobre o show e os comentários foram divididos entre críticas, irredutíveis quanto ao comparecimento e os querendo comparecer. Fui rever o Renato, muito mais pelo conjunto de sua obra e confesso, o show foi um dos melhores que vi nos últimos tempos, tipo voz e violão, com dois acompanhamentos de peso, excelente contador de histórias e falando sobre parcerias inolvidáveis com Dominguinhos, Sater e reverenciando a cultura sertaneja de raiz caipira paulista com muita sapiência. Não tocou em nenhum momento em política, mas deu sinais de não estar ligado ao conservadorismo, desdiz da ditadura militar e fala do arrependimento: “devemos todos acordar e pedir perdão para nós mesmos, pelos erros e pisadas de bola já cometidas”.
A verdade é uma só, o culto ao conservadorismo intelectual foi alto demais. Está sendo, pois está em vigência algo além do conservadorismo. Quem tem a massa encefálica no devido lugar (ou ao menos tenta mantê-la num lugar acessível) sabe muito bem ser essa desenfreada acumulação de riqueza monetária, mais que um mecanismo despótico. Impossível defender isso. Acabo de ler uma entrevista com o escritor Milton Hatoum e lá ele deixa claro: “Os verdadeiros liberais jamais admitiriam uma figura sinistra, fascistoide como Bolsonaro. Foi um acovardamento das elites. De uma parte delas, porque a maioria da elite convive bem com Guedes. (...) O Brasil é carente do liberalismo nos moldes europeus, da filosofia inglesa” (in Carta Capital, edição 1083, 04/12). E por falar na Carta Capital, encerro reverenciando a capa da última edição, a nas bancas com a manchete “Calem-se. O Governo Bolsonaro amplia Guerra Cultural contra os artistas”. Enfim, como pode algum artista atuando como ser pensante e pulsante se posicionar favorável à essa merda em curso no Palácio Planalto? Renato é bom demais, sua obra fala por si só, até agora disse pouco sobre o tema, eu o fui ver sem arrependimentos, deixa transparecer algo sobre arrependimento e nós, os propondo outro país, precisando de mais e mais novos combatentes nessa luta contra o autoritarismo reinante. O mesmo Hatoum na mesma entrevista disse algo mais sobre os artistas: “Quem viveu os anos 1960 e 1970 sabe que não foi a classe operária que derrubou a ditadura. Foram, sobretudo, os movimentos dos estudantes e dos artistas. Eles fizeram muito barulho. Como estão fazendo hoje. (...) Quem faz as grandes manifestações hoje? Os estudantes, os professores, a classe média progressista. Quem está à frente hoje? Os artistas”. Manter-se indiferente não é sempre bom referencial, pois o momento exige posicionamentos claros, límpidos, transparentes e atuantes.
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