terça-feira, 7 de janeiro de 2020

RELATOS PORTENHOS / LATINOS (75)


O PAÍS ONDE ME ENCONTRO E SUA RELAÇÃO COM O DINHEIRO
1.) "AQUI AS CAMAREIRAS SÃO TODAS LATINAS", NOS DIZ UMA DELAS

Isso até as pedras do reino mineral sempre souberam: nos serviços mais pesados, nos com remuneração mais degradante ou mesmo, onde a legislação não alcance o dono do negócio, estão os imigrantes, muitos ilegais. Aqui no hotel onde nos encontramos em New Orleans USA, trabalhando como camareiras, na limpeza dos quartos, todas as mulheres são latinas e isso quem nos conta foi uma delas, hondurenha, por sinal. Elas fazem de tudo e mais um pouco para passar desapercebidas, pois sabem muito bem, quanto menos a exposição melhor para elas continuarem tendo a tal oportunidade de trabalho. Nesse caso específico, o casal aqui é quem fez de tudo para ter contato com elas, procurando por isso e até pedindo para elas entrarem em nosso quarto quando nele estivéssemos, pois assim, podemos estreitar relações, ou seja, conversar. Elas o fazem com receio, mas tem dado certo. No caso da hondurenha, lhe falei o que sabia sobre a deposição através de um golpe ao Zelaya, ela abriu uns olhões, abaixou a cabeça e me disse "a gente não pode dar opinião assim abertamente no meu país, pois podem usar contra a gente". Fico sabendo de algo mais do seu país, assim como de outra, guatemalteca e uma nicaraguense, ou seja, todas da América Central. Elas se juntaram aqui, cada qual chegando por uma via, se conhecendo no emprego do hotel e suas histórias são até conhecidas no atacado, mas não no varejo, uma a uma, os detalhes da chegada, de como vivem, como se dá a integração, isso de estarem aqui e enviarem parte do recebido para seus países, sempre de uma forma não muito segura. Além de fazer turismo, de passear, de estar aqui por outros motivos, esse contato me seduz, me instiga a sempre buscar mais, enfim, somos todos latinos, eu hoje numa posição melhor, do lado de cá, usufruindo das benesses de uma boa viagem e os imigrantes todos que vejo espalhados nas mais diferentes atividades, suando literalmente suas camisas em busca de algo melhor para si e os seus. Ao menos me interessar por eles e os tratar com extrema dignidade e respeito, algo natural em mim, mas não me contento, suas histórias me arrebatam e assim, se pudesse, ficaria os ouvindo horas, mas nem eles, nem eu temos essa disponibilidade na situação em que nos encontramos. São encontros esporádicos e neles extraio o néctar para meus escritos.

2.) NAS ENTRANHAS DO SISTEMA QUASE TODOS NA INFORMALIDADE, SEM CARTEIRA ASSINADA
O emprego formal como o conhecemos se encaixa por uma filigrana com os trabalhadores nas atividades nas rebarbas do sistema, isso bem nítido por aqui, nos EUA, onde me encontro. No bar onde mais estivemos em New Orleans, o pessoal do staff da casa é uma equipe unida em todos os sentidos, pois não param um só segundo, não falham e tentam se mostrar simpáticos o tempo todo, como deve mesmo ser essas relações, mas o esforço deles é desmedido, pois no sistema onde vivem não existe a possibilidade do erro, da pisada da bola, essa demarcada com a perda do emprego. Tudo aqui nesses lugares tem que girar como uma máquina e gira, pois por detrás sempre o sistema vigiando, fiscalizando e punindo. Conto uma historinha dessas rebarbas, só para ilustrar o que escrevo. Nesse bar, sempre lotado, ótimo ambiente, assim como todos os outros, os músicos vivem de passar o chapéu nas apresentações. São todos ótimos, um mais talentoso que o outro, mas a paga pelo serviço executado é auferida pelos clientes e não pelo dono do estabelecimento. Virou praxe, padrão e isso deteriora as relações entre as partes. Estão acostumados, integrados e assim gira a máquina, mas sempre acharei que o outro lado, o dono do estabelecimento precisa entrar com o seu quinhão, pois os locais estão sempre cheios e artista tem conta pra pagar. No banheiro masculino do local, um negro de certa idade permanece o tempo sentado num banquinho e lhe estende a toalhinha para secar a mão, os cremes pós lavagem de mão e quetais, além de manter impecável o lugar. A remuneração desse se faz através de uma caixinha exposta em lugar bem visível, onde após a mijada o frequentador coloca a mão na carteira e deixa a ele o valor pelo serviço prestado. Juntam tudo no final do dia e assim tocam suas vidas. O bar oferece essa oportunidade, o sujeito abarca e essa é a relação trabalhista, sem outro vínculo, o empregatício. Fiz as contas, o sujeito ganha bem, mas não é só esse o "X" da questão. Na feminino, Ana me diz ter também uma senhora, só que ela padece mais, pois a maioria das mulheres entram sem bolsas, deixando nas mesas aos cuidados de parceiros e assim, sem grana, deixam de colocar algo na caixinha. Poucas voltam para fazê-lo, assim, a mulher do banheiro ganha menos. Observo a casa noturna por aqui, cada qual com sua atividade e uma funcionária específica só para ir buscar as panelas sujas com o cozinheiro, indo lavá-las nos fundos do estabelecimento. Uma latina na casa, faz de tudo nos bastidores, sua a camisa o tempo todo, mas não atende mesas, pois com certeza ainda não domina suficientemente o idioma e assim segue o jogo. O que não encaixa com o sistema que sempre aprendi a nele estar me beneficiando é pelo fato desses todos trabalharem muito, mas não contribuírem para sua aposentadoria. Pelo visto, sem essa possibilidade e sem poder pensar nisso no momento, o máximo que podem fazer é agradecer por estarem empregados e ganhando o suficiente para tocarem suas vidas. Para mim, o sistema não encaixa no trato para com o semelhante também nesse quesito. Futuro sombrio quando envelhecerem.
Em tempo: Isso passa muito ao largo de ser comunista, essas coisas, diz muito da sensibilidade do atual sistema implantado no mundo do capital, onde as garantias mínimas não mais existem. As ilustrações são para sugerir algo sobre algo a mais por detrás dos sugestivos letreiros, propor uma salutar reflexão.

3.) AQUI TUDO É CONVERTIDO EM LUCRO, ALGO DA POLÍCIA E DOS BOMBEIROS
Os EUA todo é algo sendo convertido em lucro. Fomos dias atrás ao palco da tragédia do World Trade Center e por lá tudo sendo revertido em lucro, até lascas do ocorrido sendo revendidas. Ou seja, aqui nos Estados Unidos até das tragédias se tiram lucros. Dito isso, volto para as ruas e as andanças promovidas por mim e Ana Bia Andrade em New Orleans, estado de Lousiana. Nos olhamos um para o outro ontem pela manhã ao passarmos diante de Delegacia de Polícia e lá uma placa sobre a venda de camisetas e adereços lembrando o que ali era feito. A estranheza foi por ali ocorrer atividade pública e a venda sendo consumada sem maiores problemas. O espanto foi maior ao ver cadeiras espalhadas no jardim, debaixo de frondosas arvores do recinto policial e ao lado uma pomposa lanchonete, unida umbilicalmente ao distrito policial. Na chegada ao hotel, perambulando a pé pelas ruas, próximo ao mesmo um quartel da corporação dos bombeiros e lá no vidro do carro o aviso da venda de produtos, reforçada na faixa exposta na beirada da calçada.

Aqui isso tudo é liberado, sem maiores delongas. Creio eu, não fui conferir, o montante seja distribuído entre as partes ou mesmo reverta para associação profissional dos envolvidos. Fica o registro.

4.) A CAMISETA DE 120 DÓLARES
Entramos numa casa chic, moda de griffe, pois me interesso pela camiseta exposta na vitrine com os dizeres muito simples, porém significativos: "ANTI SOCIAL SOCIAL CLUB". Para nosso espanto o preço girava entre 120 e 130 dólares. Respiramos fundo, demos marcha a ré e saímos em desabalada carreira, pois na esquina, camisetas aos borbotões, vendidas aos turistas de todas matizes são vendidas por aqui em Nova Orleans USA pela bagatela de 4 por 20 dólares, o que, para nós brasileiros, sai em torno de R$ 20 reais cada. Essa da foto, abri mão rapidamente e fomos gastar nossos suados dólares no bar da esquina (hic).

MEU PAÍS
O DESQUALIFICADO NOS ENVERGONHA MUNDO AFORA

Eu tenho muita vergonha do presidente do meu país, primeiro por tudo o que ele representa, tão diferente do que deveria pensar e agir qualquer ser humano sensato. Depois, por ser mesmo um ser detestável em todos os sentidos e meios, alguém pelo qual qualquer ser com um pouco de raciocínio lógico deveria manter distância, pois diante do que se apresenta, alguém não só desprezível, mas perigoso, intratável, doente e perverso. Quando abordado por onde me encontro e me perguntam dele, abaixo até a cabeça de vergonha, mas digo tudo o que penso, pois esse ser não pode querer representar o país, esse mesmo que um dia foi soberano, respeitado mundo afora e hoje, totalmente subserviente e sem qualquer crédito. Para ele, toda sua equipe e os que o apoiam serem ao menos ruins precisariam se esforçar muito. Nunca o país esteve tão na lona como nesse momento. A volta por cima vai depender da gente e de como resolveremos esse problema criado por nós mesmos. 

Encerro com algo que nunca pensei poderia compartilhar de um Presidente da República, mas deste não guardo um mínimo de respeito e consideração: "Esse é o mito desqualificado que ocupa o Palácio do Planalto. Não lê, não estuda, não conhece música, não entende de arte, é desonesto, não tem curiosidade, não tem conhecimento, não tem empatia, não tem modos, não tem educação, não tem respeito, não tem honra, não tem lealdade, não tem história, não tem caráter. Nem um cachorro ele tem! Um bosta", Rui Lima.

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