segunda-feira, 9 de março de 2020

BEIRA DE ESTRADA (120)


DAS TROMBADAS DESTA VIDA, EIS FERNANDO E MARIA CECÍLIA, EX-ALUNO E PROFESSORA NUM REENCONTRO NA FEIRA
Quando escrevo aqui do maravilhamento provocado pelas trombadas da vida, quero dizer exatamente algo vislumbrado por mim na manhã de ontem na feira dominical da Gustavo Maciel. Eram mais ou menos 11h, um intrépido pessoal havia acabado de descer a feira batucando e lembrando a todos da passagem do Dia Internacional das Mulheres. Marcha encerrada todos se concentraram nas imediações do Bar do Barba, boca de entrada da Feira do Rolo. Foi quando vejo a professora Maria Cecilia Campos abraçando um feirante logo ali na esquina, ele revendendo meias e afins, quase ao lado da banca de peixes. Incherido que sou fui assuntar do que se tratava, pois gosto muito de ir desvendando histórias ali nascidas, procriadas e mantidas ao longo do tempo. Dou de cara com algo inebriante, desses momentos pra encher ops olhos d'água.

Ela, a professora, mestra em Sociologia, já tendo ministrado aulas em tantos lugares, havia reconhecido ali detrás da banca um ex-aluno, o Fernando, dos tempos do curso de Design, na IESB. Ela, repetiu a mim, que no tumulto, marcha encerrada olha para os laldos e percebe conhecer o moço da banca. Colocou a memória para funcionar e viu estar diante do Fernando. Abraços mais que cordiais ali diante de tudo e todos, histórias revividas e algo pescado por mim, pouca coisa, tento compartilhar neste arremedo de texto. Essas trombadas da vida são mais que instigantes, provocantes e reluzentes. Ele atualiza sua vida para a professora, dizendo também ter cursado Direito e, no momento, aguarda ansioso o momento de fazer o exame da OAB. Da feira, diz sem receios ou qualquer resquício de vergonha, foi o que encontrou para tocar a vida e pagar suas contas. Mais não fiquei sabendo e para mim foi o suficiente para registrar o reencontro em algumas fotos e ficar matutando sobre a beleza do momento.

Aquilo, para mim, foi um alento diante de tantos fatos ocorrendo à nossa volta. Mundo perdido, cabeças em desalinho, descarrilhadas ao sabor deste cruel e insano momento, muitos tocam suas vidas com o que lhe sobra de oportunidade, ou mesmo, o que lhe é possível fazer dentro desse mar de portas fechadas. Não entrei em detalhes, mas com o abraço cordial presenciado ali na feira, aquilo me encheu de esperança, de gás para copntinuar tocando o barco, nesse momento pervertido. Fernando é com toda certeza mais que um lutador, pois segue seu caminho, luta contra os tantos moinhos pelo seu caminho, mas continua sonhando, buscando o algo novo, a realização dos seus sonhos, mesmo com a péssima perspectiva desse desGoverno miliciano bolsomínion nos costados do trabalhador e de gente como ele, os chegando agora e querendo um lugar ao sol.

Não preciso de mais nada para compor uma bela história, eis dois personagens deste mundo, cada qual lutando ao seu modo e jeito neste mundão perdido, tendo permanecido juntos por um tempo dentro de uma sala de aula, cada um segue sua vida e hoje, bem lá na frente, voltam a se cruzar, olham um para o outro e se atualizam um ao outro. Ela, feliz da vida, por tê-lo reencontrado bem, saudável, na lida, sem desistir e ele, vendo ela ali, descendo a feira numa marcha pelo dias das mulheres, fazendo o que sempre fez na vida, não sair da luta. Com certeza, um deve ter encorajado o outro a continuar tocando o barco, pois mesmo com esses ventos nada favoráveis, algo de bom deve um dia vir, pois quem luta, um dia vence. E que a vitória venha coletiva, abarcando os sonhos desses todos. Fui arrebatado pela emoção do reencontro e ainda cheio dessa emoção, tento transmitir algo para quem aqui me lê. Amo as histórias da rua.

ELA PEGOU O MICROFONE E NÃO QUERIA MAIS SOLTAR - CANTOU MUITO NA MANHÃ DE ONTEM
O som foi ligado ontem na praça por volta das 10h. O grupo ia descer a feira ressaltando a importância do Dia Internacional da Mulher, uma caixa de som foi ligada, com MPB saindo por todos os poros. Música brasileira, samba e afins rolando no pedaço, eis que surgem assim do nada os personagens do lugar, moradores de rua, pessoas sem eira nem beira, vivendo por ali, passando horas do dia e da noite nos bancos. Eles rodeiam o grupo e curtem o que está em curso. Se interessam, perguntam, querem participar. Essa da foto foi além, quando viu termos também um microfone, pediu para cantar e o fez. Ou melhor, acompanhou, não soltou a voz, mas acompanhou com gestos de boca ao estilo karaokê. Permaneceu algumas músicas ali envolvida, absorta, entregue aos prazeres da música. Dançou sózinha e ao final, todos reconhecendo seu maravilhamento, esforço e entrega, a aplaudiram. Foi o máximo para ela, que se curvou diante de todos, agradecida e enaltecida. Ela representa um dos tantos que têm suas vidas entrelaçadas com a praça mais central, mais popular e mais agitada desta cidade, a Rui Barbosa. Entender essa população carente, deixar eles fluirem algo dentro de si, o botar pra fora é algo só possível para os que saem para as ruas constantemente, como o grupo ontem ali reunido. Ela nos encantou, assim como foi encantada por nós. Entrelaçados, produzimos algo único na manhã de ontem. Algo inesquecível para ela e para todos os que, prestaram de fato atenção no gesto, no ocorrido e nas necessidades deste povo simples, afastado de tudo, invisível para a maioria da população, mas ainda em busca de reconhecimento, valorização e algo que os mova, que os traga de volta, ou ao menos, não os despreze, nem os ignore. É lindo essa reação das ruas para quem nela resolve propor algo diferente.

Um comentário:

  1. Vejo muitas vezes essa senhora do seu segundo texto nas ruas do centro da cidade, algumas vezes alcoolizada, outras vezes em seu estado sã, mas o que posso ver é mais a carência e busca de carinho e atenção... assim como muitos que tomam as ruas como a sua casa, muitos idosos e pessoas esquecida pela sociedade conservadora... é triste, é o comum do mundo de hoje...
    Vitor Bonfim

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