sábado, 21 de março de 2020
OS QUE FAZEM FALTA e OS QUE SOBRARAM (135)
ALÉM DO VÍRUS, ALGO MAIS NA ESPREITA, A FOME Do vírus, ouço, leio e vejo tudo sendo comentado e as precauções são tomadas a cada instante. Estou muito bem enfronhado de como devo agir daqui por diante e assim procedo, com o máximo cuidado, pois crendo somente nessa vida, das duas uma, ou a preservo ou a jogo na lata do lixo (como Bolsonaro faz com a dele) e já vou dizendo bye bye. Trancado onde me encontro, leio, vejo e ouço muito, de tudo um pouco, descarto as maluquices (e como surgem malucos nesse momento) e tento juntar os pauzinhos de algo, que para mim, será o grande tormendo junto do vírus, ambos caminhando passo a passo nos próximos dias: a fome.
A história que tenho para lhes contar é a de uma jovem moradora de Bauru, há pouco mais de um ano aqui se instalando. Sem formação profissional, com segundo grau incompleto, se sujeita a empregos de baixa renda, em bares, restaurantes, comércio e afins, o que consegue sem qualificação. O que pintar pega e assim toca sua vida. Mora junto da irmã e essa também na mesma condição. Hoje, neste exato momento, vivem o grande dilema do trabalhador sem registro em carteira e desamparado, sem saber mais onde pisar. Cada uma num emprego diferente, um mês e pouco em cada, continuam indo ao trabalho e o fizeram até ontem, sexta, quando seriam comunicadas se o local continuaria aberto ou fecharia temporariamente. Os patrões não haviam decidido e fechando, certamente o salário não mais seria mantido. Ir pra casa, o que lhes resta fazer, mas como ir com uma mão na frente e outra atrás? Estão perdidas e sem orientação, cabeças ao leu. As ouço e isso me corrói, pois além de tentar aconselhá-las, nada mais posso fazer. Todos estamos encurralados e com poucas possibilidades de ação. O mundo não pode ser isso, o cada um se fechando em copas e esquecendo de tudo o mais. Muitos livrando a sua cara e fazendo vista grossa para tudo o mais à sua volta. O problema delas é sobre o futuro, mas não o lá na frente, o do amanhã, o do que terão para comer nos próximos dias. Pensam nisso e não dormem. Eu penso junto e também perco o sono. Evidente que todos temos que estar em casa nos próximos dias, isolados e quietos, fácil quando com comida na dispensa. Sem comida, como permanecer em casa?
O resumo dessa história é o que vejo estampado na fisionomia da imensa maioria do povo brasileiro, o da classe trabalhadora. Ficar em casa, no meu caso e no de muitos que que me lêem neste momento é salutar, possível, a solução, mas e para os que estão indo sem terem o que comer daqui por diante? Os até então patrões não sustentarão esses até então trabalhadores, a cadeia está se rompendo e sendo estabelecido o cada um por si, ou seja, se tudo estava ruim com trabalho e pequena renda, contas sendo pagas aos trancos e barrancos, agora o caos estabelecido. Daqui de minha janela, olho para a Bauru amanhecendo e vejo um caminhar, gente ainda indo em busca de sua sustentação, pois é o que fazem neste momento ao pegar os transportes coletivos, caminhar de um lado a outro. Incertezas de um mundo completamente diferente até ontem. Não tão diferente, pois as injustiças sempre estiveram na ordem do dia na relação entre patrão e empregado neste país, mas agora, momento de aguda crise, tudo ampliado. Quando uma pessoa traz para dentro de sua casa pacotes e pacotes de papel higiênico, ele estará também pensando em dividi-lo com alguém numa condição muito mais precária que a sua? Mesmo cá do meu canto, isolado e com pouco poder de ação, não penso em abandonar a ação que moveu minha vida até este momento. Vou até correr riscos, mas ver gente ao meu lado passando fome não vai ser o mote, o passaporte para ganhar uma sobrevida. As pessoas se diferenciam uma das outras nessas atitudes. Eis o momento onde muita coisa aflorará de cada um.
Ontem à noite o patrão das duas iria decidir se seus negócios continuariam abertos ou fechariam as portas. O que aconteceu com elas é idêntico ao que está acontecendo em milhares de outros lugares, todos ao mesmo tempo e momento. Esses já estão acordando neste momento dentro de uma nova realidade e as perspectivas não são nada boas. Vírus e fome, eis o dilema dos próximos dias.
SOLUÇÃO DE ISOLAMENTO COLETIVO - EIS COMO ALGUNS RESOLVEM ENTRE SI ESSAS QUESTÕES Eu dizia em texto anterior da preocupação de duas moças, quase sózinhas na cidade e acabo de ouvir mais uma história delas. Maravilhado, compartilho. As dificuldades são muitas, incertezas quanto à continuidade não só do trabalho, como dos proventos. Diante de todas as dificuldades juntas, misturadas e acrescidas de outras tantas, ao invés de se fecharem num casulo, estãro em casa, porém, resolveram o problema do isolamento com um toque bem popular, só possível por eles mesmos, os a vivenciar o problema no seu cerne.
As duas irmãs estão recebendo em sua casa um terceira pessoa, amiga e também morando só. Diante do que irão passar e das dificuldades, quase intransponíveis isoladas, residirão sob o mesmo teto. Onde moravam duas, agora serão três. Os gastos, que agora terão que ser muito mais controlados, deverá sofrer diminuição. A solidão, que seria passada em família, agora terá o acréscimo de mais uma pessoa, ou seja, alguém a mais para conversar, dividir despesas e ir tocando a vida até tudo se resolver lá na frente. Na casa ao lado, o vizinho mora só, veio estudar, com pequena reserva financeira, se desdobra para tocar o barco adiante, quando até os bicos escassearam. Ele estará integrado ao grupo de outra forma. A comida será feita por elas, ele ajudará com alguns mantimentos e tudo lhe será repassado pela janela, desde o café da manhã às refeições. Se antes, ele saia para se alimentar, talvez o deixe de fazer e assim, circulará menos e terá desgaste menor, também menor exposição com as ruas. Conversam muito pelo Whattshap, detalhes sendo costurados. A circulação será restrita entre o pequeno grupo, cada um delimitando como as compras deverão ocorrer, em rodízio, turnos bem definidos.
Um outro já tomou conhecimento e diante de sua situação, também isolado, de outra cidade e aqui residindo, poucos amigos, cada vez menos gente no seu entorno, previa tempos com transtornos instransponíveis pela frente e diante do que lhe foi mostrado, pensa em tentar algo no mesmo formato entre mais dois amigos ou mesmo se juntar ao grupo já constituido. Elas sabem, a coisa não pode ser demais ampliada, pois não se trata de festa, mas de união de interesses, tudo visando a melhor forma de enfrentamento ao que virá pela frente. Deixaram isso claro para esse amigo e ele, entendendo, me disse, ter aprendido com o que ouviu, passando a gostar mais delas, pois não fazem como a maioria, espalhando boatos, difundindo muita coisa com procedimento sem noção e sim, botando a mão na massa e propondo uma solução. Ouço essas histórias e me encanto com as possibilidades buscadas por essa gente, ciente da saída residir exatamente na união de seus próprios interesses. Torço para que tudo dê certo. As bolhas estão criadas e só perdurarão com afinco, perseverança, lealdade e seriedade de propósitos. Vejo isso nas pessoas envolvidas e já as vejo buscando saídas ao seus modos e jeitos, algo mais do que salutar nesse momento de mar revolto. Faço questão de divulgar, passar adiante. São os tais encantos dessa vida.
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