domingo, 26 de julho de 2020

FRASES DE LIVRO LIDO (155)


LEMBRANÇAS DA EDITORA “JOSÉ OLYMPIO” – E O BRASIL SE PERDENDO AO LONGO DOS ANOS
Eu acordei muito cedo neste domingo. Pudera! Ontem, sábado, deitei cedo demais, o corpo pedia, não resisti, me aconcheguei aos lençóis pouco depois das 21h. Ouvi isso de Lázaro Carneiro, meu poeta sempre de plantão: “Eu deito muito cedo e também acordo cedo demais, tipo no meio da madrugada já estou de pé, faço café, como um bolo, vou para o computador, leio, escrevo, enfim, não durmo mais”. Eu levanto todo dias às 6h da manhã, mas hoje o fiz antes e queria escrever sobre um livro que logo ao acordar, acabei de ler suas últimas páginas, o “José Olympio – O descobridor de escritores”, do Antonio Carlos Villaça

Claro, eu conhecia a famosa editora carioca José Olympio, a J.O., mas quem me despertou a ler este livro, lá no alto da estante de Ana Bia, numa fileira só com livros sobre estes, editores e livreiros, biografias de grande importância para quem, como eu sou amante e devorador de livros, foi um bate papo assistido pela internet entre dois livreiros cariocas, o Rodrigo Ferrari, da livraria Folha Seca e o Chico Neiva, da já fechada livraria Dazibao, sob os auspícios de Monica Rabelo, que promove bate-papos memoráveis pela internet com temas cariocas – imperdíveis. 


Na conversa entre os três, alguém, acho que o Chico, lembra da importância da J.O. para a cultura brasileira, chamando-a de “a mais importante editora que este país já teve”. Olhei para o alto da estante e no mesmo momento saquei o livro e o trouxe para baixo. Fui conferir nas demais estantes e muitos são da editora, uma com todos os grandes nomes da literatura brasileira. Abri a edição da Thex Editora, ano de 2001 e lá duas dedicatórias. A primeira do próprio autor para meu sogro, “A José Pereira de Andrade, em Drummond, o seu admirador Villaça, 2001” (Em tempo: meu sogro era livresco por osmose, dono de uma invejável biblioteca em seu apartamento junto ao Largo do Machado, casa com livros dos pés à cabeça, até nos banheiros e conhecido de todos livreiros cariocas, inclusive donos de sebos e leiloeiros) e no segundo “Dr Pereira que também é Andrade, amigo em admiração por Drummond, espero reforçar a nossa amizade com outro Pereira que é o biografado deste livro”, Sebastião Macieira, secretário de toda uma vida. O editor José Olympio é também Pereira. Meu sogro conheceu a todos, enfim, os livros os aproximaram.

Comecei a folhear o livro e ele não saiu da minha escrivaninha durante toda a semana. Fui lendo aos drops e em cada passagem buscava os livros dos então citados, todos os grandões da literatura brasileira. A importância deste J.O. foi a mim revelada da forma mais simples, sútil possível, pois ao conseguir abarcar em sua casa de livros todos esses nomes, fez mais, dignificou de fato e de direito o livro e quem dele vive neste país. Sua editora, também chamada de Casa José Olympio era isso, uma espécie de Arca de Noé, onde todos estavam reunidos, unidos e coesos em torno de seu dono, anfitrião que sabia valorizar a todos. Ele editou o país inteiro e daí sua importância. Cria de um tempo onde a relação entre escritor e editor não era tão generosa, ele soube cativar isso para si, construiu um império – que, infelizmente ruiu nos anos 80 – e por décadas, fez nascer algo novo no país, um lugar onde todos, indistintamente, da direita à esquerda, todas as matizes e frentes, ali estiveram juntos. J.O. era grandalhão, sabia se impor, veio de Batatais, um tanto autoritário, sabia se impor, mas coração de ouro para com quem estava junto dele. E todos estiveram, em algo inimaginável nos dias de hoje, com a fragmentação editorial e enfraquecimento do mercado editorial.

Juntei frases perdidas ao longo da leitura, anotadas numa folha ao lado, pois neste livro não me atrevi a marca-lo com minha inseparável caneta marca texto. Eis o que recolhi:
- “Morou ali 45 anos. Sozinho. Apartamento de boêmio. Mais parecia uma república de estudantes. Mobília desconexa. A maior simplicidade. E livros, livros, que ele gostava de distribuir aos amigos”.
- “José Olympio confunde-se com a própria atividade cultural do Brasil. Foi por excelência o editor da literatura brasileira. (...) O Brasil estava no centro das preocupações dele. Toda sua vida foi o Brasil. Toda sua conversa, todo seu dia a dia era Brasil. Um conversador fascinante, informadíssimo. Lia todos os jornais, todos os editoriais, todos os artigos, tudo. Recebia pessoas as mais diversas. A sala cheia de livros era um ponto de encontro da intelectualidade brasileira”.
- “Cinquenta anos intenso de atividade cultural a serviço de um povo. A livraria foi a sua vida, a sua razão de ser, o seu rumo exclusivo. (...) Lia sofregamente os comentaristas políticos – de Carlos Castelo Branco a Paulo Francis, de newton Rodrigues a Hélio Fernandes ou Jânio de Freitas. Acompanhava a vida política insaciavelmente. Sabia de tudo”.
- “A Casa de José Olympio não teve igual neste país. Foi uma encruzilhada. Foi um ponto de encontro. Foi o refúgio concreto da inteligência do Brasil. Sem dúvida, ele é o maior editor que o Brasil já teve. (...) Foi uma síntese do Brasil. Daria um romance, observou Graciliano Ramos. Foi o editor da coragem, da audácia criadora. Havia um caráter inovador nele, que foi assim rigorosamente um construtor do Brasil novo, do Brasil moderno, que vinha nascendo com a Revolução de 30”.

- “Fez apenas o curso primário, como Machado de Assis. E, como Machado de Assis, nunca foi à Europa. Também Carlos Drummond e Mário de Andrade nunca foram à Europa. (...) Altino Arantes aconselhou-o a ler Machado. Leia, releia. Releia aos trinta anos. J.O. estava com vinte e cinco. Releia aos trinta e cinco. Releia aos quarenta. E só depois dos quarenta é que irá sentí-lo, compreendê-lo”.
- “Podemos dizer que foi editor desde o início do seu negócio. De 1931 a 1984, lançou 4850 edições. Obras nacionais 1743. Obras estrangeiras 543. Autores Brasileiros 905. Autores estrangeiros 446. (...) A 3 de julho de 1934, inaugurou-se a Livraria José Olympio na rua do Ouvidor 110, quase esquina da avenida Rio Branco. Lá ficou até 1955. (...) Em 1933 publicou só oito livros. Em 1934 já publicou trinta e dois. Em 1935, cinquenta e nove. E em 1936 sessenta e seis títulos. Era já o maior editor do Brasil. (...) Quando se fizer o estudo do que já se publicou e do que se publica no Brasil, o historiador naturalmente dividirá sua obra em duas partes: antes e depois de José Olympio”.
- “Havia uma ânsia de introspecção social na inteligência brasileira. Um desejo de compreensão e interpretação do Brasil. (...) Editor por excelência da literatura brasileira, da cultura brasileira, J.O. foi pouco a pouco adquirindo, ganhando para si as dimensões de um verdadeiro ministro ou superministro da Cultura. (...) Será sempre um editor isento, objetivo, não-partidário, universal. Publicará Getútio e Graciliano, Plinio Salgado e Jorge Amado, Gilberto Freyre e Nelson Werneck Sodré, Raquel de Queiroz e o padre Álvaro Negromonte. (...) Foi pioneiro quanto aos romances em torno da vida proletária urbana. (...) Representava não apenas a consagração, mas a amizade”
- “Há ali crentes e descrentes, homens de todos os partidos, em carne e osso ou impressos nos volumes que se arrumam nas mesas, muitos à esquerda, vários à direita, alguns no centro. (...) O editor é liberal. Se tem simpatia por qualquer extremidade, oculta-a. Aparentemente está no meio: aceita livros de um lado e de outro, acolhe com amizade pessoas de cores diferentes ou mesma sem cor”, Graciliano Ramos.
- “Mas foi você quem fez a revolução, mudou os dados do problema, acreditou na literatura nacional, em nossos escritores. Éramos uns meninos rebeldes e agressivos e o moço paulista nos deu o apoio necessário. (...) Sua virtude fundamental era o poder de ser amigo e solidário. Eram tempos de briga e andávamos, com as colorações mais diversas, sendo presos, perseguidos, não havia dinheiro. Você procurava tirar gente da cadeia, arranjava dinheiro, editava mesmo os mais subversivos inimigos do Estado Novo, generoso e intrépido. (...) No fundo das províncias os jovens literatos sonhavam ter seu livro ali editado. Tanto quanto qualquer mulher fatal, você perturbou o sono dos jovens com talento. Uma beleza de vida, José Olympio”, Jorge Amado.
- “Esta foi a grande novidade da Casa – descobrir o autor brasileiro. Mas a Casa poderia ter publicado todos os livros que publicou, ser forte, próspera, prestigiosa, e não ser amada. É (Ele viu tudo – a Casa era amada). O amor à tarefa de ser feita, a consciência do caráter social da empresa animam a equipe familiar”, Carlos Drummond de Andrade.
- “Os dois traços de José Olympio – amor ao livro e amizade aos escritores. Foi – e continua sendo – o lançador de todos os grandes nomes da cultura brasileira nesse meio quartel de século. Sua empresa tem um caráter mais cultural do que industrial ou comercial”.

Enfim, eu posso estar até exaltado e ter passado dos limites, mas quando aqui, já contalizando mais de 130 dias de quarentena, olho para o que restou do mercado editorial brasileiro, do que já fomos, a quantidade de editoras que tivemos - vejo o mesmo para com as livrarias - e hoje, reservada em poucos nomes, se todos se segurando não se sabe como, observar a história de J.O. é para reverenciá-lo com muito louvor. O homem de Batatais foi longe demais. Seu legado é minha biblioteca. Olho para ela e o reverencio, pois ele faz parte dela e nela estará para todo o sempre, pelo menos enquanto eu viver. Mesmo em tempos tão difíceis como o que atravessamos, tem momentos em que, se faz necessário parar tudo e escrever algo sobre isso, um passado reluzente, cheio de pompa, para até criarmos força e irmos novamente em busca de algo com a mesma coragem e pujança. É o que faço nessa manhã de domingo, céu muito azul despontando lá fora e nós todos com uma missão pela frente, a de ter de volta esse país continente. Em alguns momentos, paro tudo e me ponho a divagar, como neste momento. Creio ser mais que necessário, até para continuar lúcido.

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