sábado, 26 de setembro de 2020

MEMÓRIA ORAL (259)


FRITZ UTZERI E AS TAIS OPORTUNIDADES QUE TEMOS DE ADENTRAR A BANDALHEIRA DE ENRICAR PASSANDO POR CIMA DE TUDO O MAIS - TOM & JERRY, ZÉ ARIGÓ E DR FREUD, TUDO NO MESMO BALAIO
Quero contar aqui a história que tive com o médico e jornalista FRITZ UTZERI, muitos anos atrás, já falecido e que me fez escrevinhar esse texto. Fritz é alemão, da safra de 1945, tendo vindo para a América do Sul ainda menino junto de sua família, passou a infância no Paraguai e depois Brasil, Rio de Janeiro. Cursou medicina, mas foi escrevinhando que o conheci. Publicava crônicas divinais, primeiro no Jornal do Brasil, depois na revista Bundas e por fim no Pasquim 21. Devorei muitas delas e dele me lembro que no fim da vida, tentou fazer algo para continuar ganhando algum. Criou pela internet e por e-mail uma espécie de cooperativa jornalística, quando mantinha um periódico seu, com um nome que não me lembro, com muita informação e textos periodicamente atualizados. Mantinha um controle sobre quem o lia e cobrava destes uma paga mensal, depositada em sua conta, que era o seu sustento em tempos difíceis, quando já não conseguia maias espaço na imprensa massiva. Tentou até quando pode. Esbravejava algumas vezes, quando percebia que as pessoas o liam, mas não eram muito sérias e inventavam desculpas na hora de lhe remunerar. Eu depositei em alguns meses certo valor, mas depois não o fiz mais.

Na época, trocamos vários e-mails e por umas duas vezes nos falamos ao telefone. Era um sujeito com baita experiência nisso da prática jornalística, mas no fim da vida, estava depauperado, triste e anos depois veio a falecer. Numa das conversas me dizia de suas crônicas também publicadas n’O Globo. Meses atrás, já na pandemia, vasculhando a Estante Virtual me deparo com seu livro, o “Dancing Brasil - As melhores crônicas de Fritz Utzeri”, editora Record, 2001, 338 páginas e o compro pela bagatela de uns meros R$ 10 reais. Ele me chega de um sebo do interior do Rio, Petrópolis, cheirando a mofo e o deixo ao sol, quarando por uns dias. Quando o cheiro forte se dissipa o abro e vou saboreando aos drops, crônica por crônica e me lembrando dele e das brigas que comprou com o pessoal da Bundas e do Pasquim 21 por causa de grana. Devia já estar mais que necessitado e o pessoal quebrando não podia lhe pagar o devido e merecido valor. Acompanhava à distância, ora dando crédito para um, ora para outro. Ambos tinham dentro de si algo pelo qual também era o motivo de minha existência, o desprendimento de se posicionar contra o sistema, falar e fazer o que tinha que ser feito, mas precisando sobreviver e dentro do sistema. Ou seja, ninguém consegue viver sem grana aqui neste inferno, nem que queira, ele nos move e até nos faz fazer besteiras ao longo da vida.

Pois bem, ao reler o livro com as crônicas do Fritz me deparo com uma e dela me lembro de um curto diálogo tido com ele, creio deve ter sido na época em que escreveu a que leio neste momento, “Freud, Tom & Jerry e o Dr. Fritz” (JB, 05/12/1999). Ele estava desdizendo das oportunidades que teve ao longo da vida, poucas como todos, para enricar fácil e as perdeu por causa disto que temos dentro da gente, essas tal de integridade moral nos levando a querer mudar o mundo, transformar as pessoas e possibilitar igualdade de condições para todos. Um sonho nunca realizado, muito buscado e que dana os que não se aboletam e fazem acordo com a parte contrária, ou seja, são aliciados, comprados e começam a fazer parte do jogo, o grande esquema de que, para enricar se faz necessário sempre e sempre fazer muitas coisas de errado, fechar os olhos e ir em frente, danando tudo à sua volta se necessário. Fritz optou por não fazer e conta algo na crônica. Quando terminei de ler, foi como um soco no estomago, pois tudo o que havia praticamente deletado de minha cabeça veio à tona e em segundos me lembrei dele e de suas tentativas, todas muito honestas de conseguir sobreviver do jornalismo quando este não mais lhe empregava e das oportunidades que teve para fazer parte do grande esquema capitalista.

Não encontro a tal crônica disponível na internet e pouca coisa dele, desta forma me reservo a um breve resumo para encerrar este exercício de minha ainda conservada Memória Oral e Reservativa, dentro do que me resta de sapiência dentro no meu cérebro, hoje já um tanto depauperado com tanto desgaste, após 60 anos de ininterrupta utilização. O Tom & Jerry foi lembrado, pois Tom estava sempre dividido entre as opiniões dos dois lados, do bem e do mal. Isso atormentava suas ações, algo freudiano segundo Fritz. Daí entra em sua história propriamente dita. Ele Fritz, diz que na época em que morreu o Zé Arigó, o que recebia o espírito do dr Fritz, lá em Congonhas MG, baixou nele um anjo em um demônio, ambos lhe propondo rumos diferentes para sua vida. Um queria que, se aproveitando da situação se mudasse imediatamente para Congonhas, pendurasse na parede o diploma de medicina com o nome Fritz, verdadeiro, junto da certidão com brasão alemão e lá novamente o nome Fritz, começando a clinicar e incorporar. Outro queria que ele fizesse o que fez, medicina de roça: partos, atendimentos aos sem grana, vacinas, curativos em lugares distantes, etc. Deu no que deu, não venceu na vida, apesar de todo esforço e dedicação. Abandonou a medicina, optou pelo jornalismo, conheceu o mundo, mas terminou seu dias sem nenhuma bufunfa na conta bancária. E diz nem poder se lamentar, pois ao fazê-lo, algo no seu interior o avisava: “Foi o que escolheu, dane-se”. Encerra o texto, com um Acho que só o dr Freud pode explicar este dilema...”.

Fritz toca nestes dilemas todos e das atais oportunidades para adentrarmos a grande sacanagem financista e emancipativa neste país, a de se lambuzar em vantagens nos costados dos mais fracos, ditos também como oprimidos. Isso me faz lembrar das oportunidades que também tive na vida e que qualquer dia conto por aqui. Hoje fico com as lembranças do jornalista falecido, cujo livro terminarei por estes dias e neste momento tento recuperar algo de e-mails e papéis de vinte anos atrás, ao menos o nome do jornalismo que tentou implantar e manter com depósitos em sua conta. O máximo que consigo ao pesquisar no google foi saber ter virado nome de rua e dos tantos imóveis disponíveis na mesma, todos anunciados pela aí e divulgando seu nome: “Imóvel disponível na rua Fritz Utzeri nº...”. Ele merece muito mais e aqui o reverencio com o devido louvor.

NÃO QUEIMAREI MEUS LIVROS...
Como faço todos os dias, leio virtualmente o melhor jornal do nosso mundo, o argentino Página 12 e nele, algo pelo qual adoro, as tiras diárias de Miguel Rep. A cada dia, ele e seu traço são algo pra lá de fazer pensar. Adoro gente do traço com esse toque de nos fazer ir além, divagar em elocubrações diversas e variadas. Na de hoje algo instigante, sobre o sujeito que se antecipando aos tempos ruins, tempestade pela frente, inicia uma queima total e destruição de seus livros e todos os documentos comprometedores aos mandatários dos novos tempos. Com o sensor ligado e plugado em 220, acaba com tudo o que tem de bom em suas prateleiras, pois diante da insanidade em curso e já agindo do lado de fora de sua janela, o perigo é mais do que eminente. Antes que cheguem nele se antecipa e destrói tudo. Eu sei que, se a coisa continuar nos rumos atuais neste país chamado Brasil e nada for feito hoje, temos grandes chances de se transformar num perigoso país de caça à gente com livros "perigosos" em suas estantes, mas nada farei, pois não sei viver sem esse acervo conseguido ao longo das décadas em que nele estive inserido. Cá continuarão e se chegarem, eles que queimem tudo e junto dos papéis todos, a mim também. Seguirei até onde puder e conseguir, por enquanto só uns babacas já querendo algo como uma nova inquisição, mas nada ainda além disto. Se querem que vire bicho indomável, toquem nos meus livros. Posso me transformar num monstro perigoso e incontrolável.

Viva os livros e os que lêem, pois ainda ontem um amigo porteiro, evangélico neopentescostal me aborda e ao me ver cada dia com um livro diferente nas mãos pergunta: "O sr já leu a bíblia?". Minha resposta: "Sim, li, bom livro de história, algumas mais do que aproveitáveis, muitas nem lembro mais. Gosto é da diversidade, cada hora com um tema e autor diferente. Não sei como conseguem os que, seguem lendo só ela e sem conhecer nada além, pois tem muito mais por aí para ser desvendado e descoberto". Enfim, como na tira do Rep, imagina os que quimam tudo e depois os caras não aparecem e se aparecem o faz por outro motivo. Não suportaria continuar vivendo tendo praticado o fim dos meus livros. Seria insuportável.

KYN JUNIOR ME ENVIA VÍDEO INÉDITO DE ALEMÃO DA KANANGA CANTANDO E TOCANDO
Telefone toca aqui pela manhã e do outro lado KYN JUNIOR, amigo de longa data e muito acabrunhado nos últimos tempos, pelos percalços da vida. Começa me dizendo estar completando dois anos da perda da filha, algo irreparável e incontornável em sua vida, mas mesmo assim não desiste e morando agora lá nos altos do Jardim Bela Vista, perto do Panelão da Santa Edwirges, diz ter conseguido se adaptar e tenta levar sua vida como pode, numa boa, sem entrar em muitas divididas. Lhe digo: “Kyn, você é um sábio no que faz, sabe muito bem como ir se safando em todas as situações e diferenças de classe. Sabe de infiltrar e usufruir de benesses dos mais abastados, assim como onde se encontra, junto a quem não tem muito, mas tem calor humano e assim, nessa mescla toca sua vida, sem grana e se safando, tocando-a para frente com maestria”. Kyn esteve junto a vizinhos, muitos deles já amigos e me conta da noite de ontem, quando bebeu e comeu, conversou e teve acesso a mais e mais histórias de vida, muitas cheias de dor e alegria. Cada dia, no raiar de um novo dia, ao abrir os olhos, tenta ver como fará para driblar as adversidades e seguir de cabeça erguida. Ele tem sido mestre sapiente neste quesito, o de contornar adversidades e seguir altaneiro. Mas o motivo de sua ligação para comigo foi outro e isso muito me envaidece. Conseguiu um vídeo, que me diz ser inédito de nada menos que o Alemão da Kananga e ao assistir chora, lembra de mim, me liga e me passa o vídeo pela whatts. Ao desligar assisto e ao rever o amigo que se foi, sua voz, aquele jeito boêmio e fanfarrão, a saudade me invade. Kyn volta a ligar e conversamos sobre o amigo em comum, muitas histórias de ambos com o músico. Kyn batalha como pode, com as armas que tem em mãos e se safa, ou seja, segue em frente e isso me faz ver o quanto muitos conseguem maravilhas neste mundão desesperançoso. Fico revendo o vídeo do Alemão e assim passo boa parte deste sábado, envolvido em histórias que não voltam mais.
Eis o vídeo enviado pelo Kyn Junior:
https://www.facebook.com/henrique.perazzideaquino/posts/3867170849979562

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