quarta-feira, 25 de novembro de 2020

OS QUE FAZEM FALTA e OS QUE SOBRARAM (143)

DUAS HISTÓRIAS QUE VALEM MUITO A PENA - RECOLHENDO E REPASSANDO*

* As histórias que, verdadeiramente me arrebatam, me fazem parar tudo o que faço para escrevê-las.

01.) FUNILEIRO ADELINO CONSEGUINDO DAR A VOLTA POR CIMA*
Gosto demais da conta de seu Adelino Silvestre, funileiro de considerada estima por todos que o conhecem, com oficina bem ali atrás de onde estava a Baurucar, hoje sede da Polícia Civil, bairro da vila Cardia. Desde o primeiro momento quando o conheci, além de se tornar seu fã, só levo carros lá. Ouço de muita gente algo assim: “o gostoso de levar carros lá na oficina do seu Adelino não é nem ter o carro reparado por ele, mas desfrutar de suas conversas”. A cada retorno algo novo, arrebatador, envolvente. Já contei algumas delas aqui, como a de quando chegou a ter 16 funcionários na oficina, mas estava enlouquecendo e preferiu levar vida mais tranquila, com poucos e assim tocar a vida. “O que vale a pena mesmo não é a correria, é a qualidade de vida”, repete. Eu o tenho como um dos sábios destas plagas. 

Estive por lá hoje resolvendo uns problemas na porta do carro e ele me conta a última de sua vida. Adelino, como eu, somos diabéticos e tomamos alguns cuidados especiais, até para não irmos antes da hora. Com a pandemia, mais apreensão e cuidados. No caso dele, tudo agravado por ter descoberto algo novo, quase derrubando-o, um câncer de próstata. Desde quando foi avisado, já no consultório o “baita negão”, hoje beirando os 76 anos, baqueou e foi preciso ser amparado. Desde então padeceu de um novo mal, a depressão. Cada vez mais isolado e sem pegar serviços, ia se fechando em copas. Clientes se avolumavam na porta de sua oficina e eram recusados. Alguns não aceitavam e faziam contato, ele se esquivava de tudo quanto é jeito e seguia as novas recomendações médicas, mas nada que recomendasse o isolamento completo. 

Semanas atrás algo ocorreu e tudo mudou. Seu funcionário liga da oficina e diz ter lá um cliente o aguardando e este já avisa, não iria embora enquanto ele não ali estivesse. Disse que não iria e pela insistência, o cara não se identificando e nem querendo atender telefone, acaba cedendo e foi ver, mesmo contrariado, de quem se tratava. Estava pronto para negar o serviço, pois para ele estava tudo acabado, sem vontade de prosseguir. Chegou lá e o funcionário disse que o tal cliente o esperava no escritório. Estranhou, pois as portas estavam fechadas. Abriu e deu de cara com a cena mais inesquecível de sua vida. Lá dentro, doze pessoas, todos amigos, ali reunidos para demovê-lo da ideia de se entregar. Cada um estava ali motivado e decidido a devolver Adelino para a vida normal de trabalho e atividades. Ele me diz nunca ter chorado tanto em sua vida como ali diante de todos. Ouviu apoio de todos os lados. Um deles lhe disse que não levaria seu carro amassado para outra oficina e perguntando quanto tempo demoraria, quando ouviu que em tempos normais faria em uma semana, mas nas condições atuais, a perder de vista. O amigo lhe entregou as chaves e disse: “Pois tem um mês, até dois, mas quero que você resolva isso para mim”. Outro lhe perguntou se estava com problemas financeiros e lhe entregou um cheque em branco: “Gaste, resolva seu problema e nem me diga quanto e se não gastar, rasgue e estamos conversados”. Ele rasgou.

Seu problema era outro. A doença, a simples notícia de que tinha um câncer o demoliu, estava prostrado, mas aquilo tudo ali na sua frente o fez ver que deveria resistir, persistir e insistir. Buscou forças lá no fundo e voltou ao trabalho. As notícias médicas são alvissareiras e ele está medicado, se tratando e com grandes possibilidades de reverter o mal que lhe acomete. Da depressão, me disse hoje: “Com o trabalho aqui resolvi meu problema da tristeza. A alegria está aqui e todo dia me aparece um, hoje foi você. Ontem sonhei contigo, sabia que ia aparecer por aqui. Quando vi teu carro chegando fiquei muito alegre”. Eu só não abracei e beijei seu Adelino, por causa das precauções todas, mas ele sentiu-se beijado, abraçado e amado. Eu prometi fazer o mesmo que todos os seus amigos fazem regularmente com ele, passar lá, mesmo que não tenha nada para fazer nos seus carros, mas só para bater papo, colocar as conversas em dia e ouvir a boa prosa, a do rei dos funileiros bauruenses, seu Adelino, imperador da lanternagem. Suas histórias renderiam mais que um livro e algo já lhe prometi, ele não vai escapar, será um dos próximos entrevistados semanais no meu projeto Lado B. Para quem ainda não o conhece, tenham certeza, ele vai te arrebatar...

02.) TUNISIANO MAHER RECEBE CLIENTES NA RUA NO HABIB'S

Adoro escrever sobre pessoas, mais ainda descobrir histórias por onde circule. Saio pouco nestes tempos exigindo reclusão e assim mesmo, com o freio de mão puxado, das poucas escapulidas, sempre consigo captar algo. Por causa disto, sempre ando com caneta e algum papel nos bolsos. Desta feita o que me salvou foi um santinho eleitoral, ainda guardado na carteira - nem sei como - e usado para anotar algo do personagem aqui registrado. Era o único papel à mão no momento. Sem ele não me lembraria de alguns detalhes ali ouvidos e que, certamente esqueceria até o momento de escrevinhar este texto. Foi tudo tão rápido, um sotaque, uma fila e o interesse, conversa de minutos e um registro fotográfico.

MAHER tem 29 anos, tunisiano de nascimento, pais do norte africano, beirando e beijando o mar Mediterrâneo e quase todo dominado pela religião muçulmana. Inquieto, deu sempre o seu jeito e saiu pela aí. Trabalhou em seis diferentes países, como o Egito e uma mais longa experiência em Dubai, sempre trabalhando no que encontra pela frente. Chega, tenta se adaptar e quando não o consegue ou mesmo sente faltar aquele algo mais, reúne seus pertences e parte para outro lugar. Com o Brasil não foi diferente. Veio pela primeira vez, não deu muito certo, escapuliu para outras paragens, porém voltou e desta feita, já por aqui há mais de cinco anos, acabou descobrindo Bauru. Hoje é o recepcionista dos clientes que chegam de carro e se postam numa fila na beira da calçada no Habib's da Nações. Ele se aproxima do carro na fila e antecipa o pedido, falando um português quase sem sotaque. Poucos o percebem estrangeiro, assim como poucos puxam conversa. Destes, ele muito receptivo, fala o que pode, diante da fila, por ali sempre grande. Maher se esforça e ao final agradece por ter com ele conversado, fazendo questão de também reverenciar seu deus antes da despedida. Queria saber mais, ouvir mais, enfim, conhecê-lo de fato, mas o momento era pouco propício e se quiser saber algo mais de sua peregrinação mundial terei que lá voltar, entrar na fila e recolher novas informações. Enfim, sua história é contagiante, pois é um dos tantos cidadãos do mundo e por essas coincidências malucas da vida acabou aportando em Bauru.

ASSUNTO DESAGRADÁVEL - O SEGUNDO TURNO DA ELEIÇÃO BAURUENSE

LEIAM A REFLEXÃO DO SILVIO DURANTE SOBRE OS DESTINOS DE BAURU PÓS VOTO NO PRÓXIMO DOMINGO - Assisti ontem o horário eleitoral e as duas entrevistas para a TV Tem, lá algo bem nítido, ela não nada, mas nada a ver com Bauru e ele, mesmo tendo, representa tudo aquilo que combato e continuarei combatendo vida afora. Ontem circulei em dois bairros bauruenses e lá percebi que, mesmo sem tomar conhecimento de nada sobre os antecedentes dos dois, o que representam, onde se situam e o baú de maldades embutido em cada proposta, o povo parece já ter decidido e quando isso ocorre, nem sempre o que vem pela frente é o mais recomendável, vide o padecimento que o país foi submetido com a escolha deste que hoje nos governa, o miliciano presidente. De algumas escolhas, muito padecimento depois, mas neste caso, em ambas vamos padecer e muito. Estejamos preparados, Bauru segue seu caminho, sua sina e o que prescreve algo criado para nos guiar, "cidade sem limites":

𝐏𝐨𝐫𝐪𝐮𝐞 𝐒𝐮𝐞𝐥𝐥𝐞𝐧 𝐑𝐨𝐬𝐢𝐧 𝐯𝐞𝐧𝐜𝐞𝐫á 𝐚𝐬 𝐞𝐥𝐞𝐢çõ𝐞𝐬 𝐞𝐦 𝐁𝐚𝐮𝐫𝐮 𝐝𝐢𝐚 𝟐𝟗 𝐝𝐞 𝐧𝐨𝐯𝐞𝐦𝐛𝐫𝐨 - Qual sua decisão quando se depara em uma prateleira de mercearia com dois produtos iguais em embalagens diferentes. Alguns se orientam por preço, outros podem se orientar pela marca mais conhecida e outros ainda vão preferir pegar qualquer um que estiver mais fácil ao alcance das mãos. É essa a escolha que Bauru terá de fazer dia 29 de novembro. São dois projetos políticos iguais no conteúdo, mas muito diferentes na forma. Ambos se colocam de forma servil aos interesses daqueles que realmente comandam a cidade: os oligopólios empresariais, aliados ao truste do setor imobiliário. Para este segmento minoritário da população (estamos falando de umas poucas centenas de pessoas) qualquer um dos candidatos, seja o 25 ou o 51, terá apenas de desempenhar o papel de administrador temporário de seus negócios que se referem ao uso da máquina e poder público para continuar o ciclo secular de dominação e garantia de seus privilégios. Mas por que, afinal se são iguais, Suellen Rosin vencerá dia 29 de novembro?

𝑰 – 𝑺𝒖𝒆𝒍𝒍𝒆𝒏 𝒓𝒆𝒕𝒊𝒓𝒂 𝒐 𝒄𝒂𝒓á𝒕𝒆𝒓 𝒄𝒐𝒎𝒃𝒂𝒕𝒊𝒗𝒐 𝒆 𝒂𝒏𝒕𝒊 𝒓𝒂𝒄𝒊𝒔𝒕𝒂 𝒅𝒂𝒔 𝒎𝒐𝒃𝒊𝒍𝒊𝒛𝒂çõ𝒆𝒔 𝒆 𝒍𝒖𝒕𝒂𝒔 𝒏𝒆𝒈𝒓𝒂𝒔.
Primeiramente, Suellen carrega em si os traços biológicos de um dos setores mais oprimidos da sociedade de classes: é mulher negra. Isso a coloca em uma posição de destaque que a direita retrógrada quer confiscar para si, retirando o caráter combativo que tal condição natural inflige ao indivíduo. Para a direita retrógrada, Suellen representa aquilo que a mulher deve continuar sendo: um ser dócil, não contestador da ordem, conivente com as instituições estabelecidas, silenciosa diante de temas polêmicos, não questionadora do patriarcado e muito menos da sociedade de classes que sustenta o machismo e o racismo. Suellen não é o perfil de jovem negra militante anti racista, que está participando de protestos contra violência policial, que está nas ruas em marchas contra discriminação e nas redes sociais alertando pessoas e grupos sobre a necessidade de garantir direitos de cidadania para pretos, pardos e índios. Ao contrário, Suellen passa longe desse tipo de mulher negra combativa e isso é ótimo para construir uma contra narrativa que desconecte a mulher negra de sua tarefa política emancipatória.

𝑰𝑰 – 𝑺𝒖𝒆𝒍𝒍𝒆𝒏 𝒇𝒖𝒏𝒄𝒊𝒐𝒏𝒂𝒓á 𝒏ã𝒐 𝒄𝒐𝒎𝒐 𝒐 𝒄𝒆𝒏𝒕𝒓𝒐, 𝒎𝒂𝒔 𝒄𝒐𝒎𝒐 𝒖𝒎 𝒅𝒆𝒔𝒗𝒊𝒂𝒅𝒐𝒓 𝒅𝒆 𝒂𝒕𝒆𝒏çõ𝒆𝒔
Os donos do poder querem que o ideal de mulher encarnado por Suellen seja o ideal a ser seguido pela maioria das pessoas do sexo feminino que uma hora ou outra podem se deparar com o discurso do feminismo libertário e passar questionar a lógica social de dominação sobre a mulher. Se Suellen não representaria um “freio” na primavera feminista (se é que se pode deter isso...) ela seria ao menos uma estrela guia a ser mirada no céu pelas demais mulheres, para que olhando para cima, não vejam as flores da primavera florescendo a seus pés, ao menos durante um bom período. Em nenhum momento de sua campanha ou de sua trajetória política vimos Suellen fazer coro com as pautas de libertação da mulher. Ao contrário, seu partido está posicionado no espectro político que mais se opõe a políticas de promoção da igualdade de gênero.

𝑰𝑰𝑰 – 𝑨 𝒗𝒊𝒕ó𝒓𝒊𝒂 𝒅𝒆 𝑺𝒖𝒆𝒍𝒍𝒆𝒏 𝒊𝒏𝒕𝒆𝒓𝒆𝒔𝒔𝒂 𝒎𝒖𝒊𝒕𝒐 𝒎𝒂𝒊𝒔 𝒂𝒐 𝒎𝒂𝒄𝒉𝒊𝒔𝒎𝒐 𝒅𝒐 𝒒𝒖𝒆 𝒂𝒐 𝒇𝒆𝒎𝒊𝒏𝒊𝒔𝒎𝒐.
Suellen será vitima de um machismo político que irá cair pesadamente nas próximas candidatas que se dispuserem a disputar a prefeitura. Será o mote ideal para erguer um discurso anti mulheres na política. Ela irá enfrentar um período de orçamento municipal baixo, de pandemia em retomada, um cenário nacional em recessão e desemprego por conta do desastre que está sendo o governo Bolsonaro (do qual seu partido é base de apoio) e mesmo com esse cenário de calamidade social, ela não irá enfrentar os grandes problemas da cidade, mantendo o status quo e aumentando os níveis de pauperização do povo. A culpa será jogada em suas costas e não só: todo gênero feminino será imputado como naturalmente não apto à vida política. Mas por aqueles que a atacarão, não será dito uma única palavra sobre a conjuntura nacional e estadual que engendrarão seu fracasso administrativo, ao contrário, a direita retrógrada não hesitará em colocar em sua responsabilidade individual os desastres de sua administração ruim e isso virá acompanhado de uma avalanche de comparações e menções jocosas acentuando sua falta de experiência e juventude (e aqui entra em cena o preconceito geracional contra jovens na política).

𝑰𝑽 – 𝑨 𝒃𝒖𝒓𝒈𝒖𝒆𝒔𝒊𝒂 𝒍𝒆𝒈𝒊𝒕𝒊𝒎𝒂𝒓á 𝒔𝒆𝒖 𝒅𝒊𝒔𝒄𝒖𝒓𝒔𝒐 𝒅𝒐𝒎𝒊𝒏𝒂𝒅𝒐𝒓 𝒄𝒐𝒎 𝒂 𝒗𝒊𝒕ó𝒓𝒊𝒂 𝒅𝒆 𝑺𝒖𝒆𝒍𝒍𝒆𝒏.
É o candidato Raul quem tem o fenótipo mais parecido com a burguesia brasileira: homem, branco de meia idade, hétero, cristão e com discurso empreendedor. Seria um desperdício queimar essa ficha e a burguesia não vê problemas nenhum em momentaneamente promover uma ruptura na sequência de homens brancos que sucederam a cadeira do prefeito de Bauru. Preservar a imagem do ideal de político é uma forma de dizer subliminarmente as pessoas que uma grande desgraça poderá ocorrer se este padrão de escolhas for interrompido. A narrativa será usada, de modo semiótico, para engrandecer a figura branca, masculina envelhecida diante da figura feminina, negra inexperiente, puxando pela memória do povo um falso passado de glória da cidade com prefeitos que fizeram muito pelo município dos quais todos eram homens, brancos e seniores. Neste caso, preservar a imagem que é a cara da burguesia seria por si só um ataque ao elemento estranho à este padrão.

𝑽 - 𝑺𝒖𝒆𝒍𝒍𝒆𝒏 é 𝒖𝒎𝒂 𝒄𝒂𝒏𝒅𝒊𝒅𝒂𝒕𝒂 𝒅𝒆 𝒅𝒊𝒓𝒆𝒊𝒕𝒂 𝒂𝒐 𝒑𝒂𝒔𝒔𝒐 𝒒𝒖𝒆 𝑹𝒂𝒖𝒍 é 𝒐 𝒄𝒂𝒏𝒅𝒊𝒅𝒂𝒕𝒐 𝒅𝒂 𝑫𝒊𝒓𝒆𝒊𝒕𝒂.
Leia de novo este título e entenderá como o uso do artigo define o sentido da frase e o compromisso político com cada candidato. Embora ambos estejam servindo ao mesmo senhor (e este não é o povo), a diferença substancial entre um e outro está justamente no nível de envolvimento que cada um tem com as estruturas de poder existentes na cidade. Suellen é um nome novo que conhece a cidade na maior parte devido a exigência do trabalho remunerado que exercia como jornalista. As experiências com voos solos na política brasileira demonstram que uma queda abrupta de alguém com perfil de uma pequena aeronave monomotor causa menos prejuízos que a queda de um airbus. Raul tem negócios milionários na cidade, que envolvem ramos da iniciativa privada e poder público, além de laços quase pessoais com representantes de setores economicamente produtivos, logo, seu conhecimento da cidade se dá por outros meios do que aqueles que Suellen estabeleceu. Para a direita retrógrada, uma crise política só lhe é tolerável se não refletir em uma crise econômica e isso seria muito pior para seus negócios se ocorrer com um governo de Raul do que com Suellen.
...
Por estas e outras acredito que Suellen vencerá dia 29 de novembro (não consideramos aqui o envolvimento de Suellen com o setor religioso neopentecostal da cidade, cuja força política é incontestável nas eleições). Suellen irá vencer, Raul não irá ganhar e o povo de Bauru irá perder!
Acatando correções, sugestões e reflexões para construir um mundo melhor. Não importa em quem você vai votar: o que importa é como você vai se organizar para enfrentar quem for eleito!
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