sexta-feira, 7 de maio de 2021

BAURU POR AÍ (189)

DAS TROMBADAS DESTA VIDA E DAS CONVERSAS FLUINDO DE REENCONTROS

Tempos de reclusão e os encontros possíveis acontecem cada vez mais difíceis, inesperados e quando ocorrem, uma alegria incontida, primeiro por saber que, após tanto tempo – mais de ano e alguns meses de pandemia – a pessoa continua bem, disposta, firme e rígida. Das trombadas da vida, das inevitáveis escapulidas, escapadelas, fugas e saídas obrigatórias e inadiáveis, hoje fui levar a mana Helena Aquino no Posto de Saúde da vila Cardia, 9h40, horário que ela tinha marcado para tomar sua vacina. Chegamos no horário e um aglomerado estava ali do lado de fora, algumas cadeiras no local e os agendados pelo sistema virtual, seus nomes já nas listas. Bastava chegar e se mostrar presente, daí aguardar.

Queria espera-la no carro, lendo um livro, mas ela insiste com um forte argumento: “E quem vai me tirar a foto com o cartaz do SUS?”. Desci com ela e logo de cara encontro o ex-vereador Ávila, morador ali das redondezas, aposentado como diretor do IPA – Instituto Penal Agrícola, memorialista das histórias da vila Cardia. José Eduardo Ávila sempre foi um bom papo e mesmo sempre tendo militado em partidos considerados por mim conservador, nunca fugiu do com diálogo e da boa conversa. Ele é desses que, vez ou outra, quando a conversa acumula, aparece no portão do Mafuá e ali entramos, sentamos e proseamos. A conversa rende, pois Ávila sabe ouvir e com ele sempre travei ótimas conversações. Ele, evangélico, saca tudo o que está em curso e não se deixa levar, se mostrando muito descontente com o rumo dos acontecimentos. Só de vê-lo ali, uma só certeza, o papo ia rolar e pelo que me conta, estando ali pelo mesmo motivo da mana, a vacina, há quase uma hora ali, a conversa podia ser longa.

“Não esquente. Estamos em plena pandemia, mas já que estamos aqui e teremos que esperar vamos pra conversa”, sua proposta. Inevitável a prosa versar sobre os desmandos deste país e da cidade onde moramos e ele um dia já foi vereador. Tanta gente assumindo funções lá em Brasília sem qualificação para os postos onde estão atuando e por aqui, citamos alguns que aceitaram trabalhar na atual e na administração anterior, mas nada sacam daquilo que estão a fazer. Estávamos dando os primeiros pitacos quando surge um mascarado conhecido e se junta ao grupo, José Alves, também velho conhecido. Este foi soldado da Polícia Militar e agente penitenciário, quando veio a se aposentar. Desde então, trabalhou como moto-taxista pelas ruas de Bauru. Conta das dificuldades de continuar trabalhando com a moto, pois um joelho já apresentou problemas e quando estava achando que a recuperação ia acontecer, eis que o outro também apresenta a repetição da artrose. Parou de vez e agora está só dentro de casa, passando ao filho as antigas funções e rotas.

Quando estávamos a discutir sobre a questão do ocorrido ontem na favela do Jacareriznho, no Rio de Janeiro eis que surge outro conhecido e se junta ao grupo, o professor da Unesp Bauru, Juarez Xavier. Quatro em busca da primeira da dose e eu que tomei ontem. Juarez chega a tempo de ouvir o que penso sobre o ocorrido: “Para mim, a chacina foi para eliminar os traficantes, liberando tudo para outro grupo criminoso, a milícia”. Juarez concorda: “É a impressão que estamos tendo”. José Alves diz que, para ontem ouviu a reportagem de uma TV e depois teve o cuidado de ouvir de outra, onde o posicionamento era diferente. Eu comento: “Um é contra e outra é a favor do Bolsonaro”. Ávila ri e diz que está difícil raciocinar diante desse fogo cruzado. A conversa a partir daí, gira em torno de outros temas, algo natural diante de quatro pessoas diversas e se encontrando casualmente no quintal de um Posto de Saúde e após longos meses sem se verem.

As tais trombadas da vida são isso. A diversidade possível em conversas que ocorrem assim do nada, quando pessoas se reencontram por acaso. Estava envolvido nelas, quando Helena, a irmã, que até então tinha se mantido à distância, tentando ouvir quando a chamava, pede para ir tirar uma foto do Ávila tomando a vacina. Entro no reservado e me pedem para não fotografar a profissional de Saúde, o restante é possível. Diante do mesmo cartaz que leve ontem quando tomei a minha, Ávila toma a sua e depois de mais uns quinze minutos de espera, ela também. Brinco com as enfermeiras que, diante das dificuldades do momento, emprego cada dia mais difícil vou, a partir de hoje, manter plantão na entrada do posto e oferecer meus serviços para fotografar interessados por módicos preços. Saímos para fora e um grupo de mulheres pede para deixar o cartaz do “Viva o SUS” com elas. Juarez e José Alves confabulam, cada qual com uma visão de mundo, bem diferentes um do outro, mas ali uma tentativa de juntar os cacos e ver o que ainda pode ser feito para nos salvarmos da desgraça de um desgoverno negacionista.

Me despeço, eu e Helena, a levo em sua casa e volto para a minha pensando nesse mundo de conversas só possíveis desta forma, nada marcado antecipadamente. Quando esperava reencontrar esses três? Gosto disso e torço para, diante de todas as diferenças, possamos todos continuar dialogando e buscar resolver as diferenças, buscar nas aproximações algo salutar que nos faça retomar este país, saindo deste fundo do poço onde Bolsonaro nos meteu. Qualquer nova possibilidade é uma nova chance de irmos afunilando as ideias e tentando limar as diferenças. Desunidos, mesmo bem diferentes, tudo será muito mais complicado e difícil.

ATUAÇÃO EFETIVA
Bauru descalabro total, desgoverno absoluto, com mortes por Covid fora da estabilidade, hospitais lotados e comércio abrindo até às 20h, hoje, sexta e amanhã, sábado. Maravilha, a pandemia escolheu Bauru para encerrar as atividades. No descaminho, a Câmara dos Vereadores, numa atitude ainda incompreensível, os nobres edis aprovam que a Prefeitura efetue "estudos" (sic) viabilizando e oficializando a compra de medicamentos comprovadamente sem nenhum utilidade para o tratamento. Ou seja, uma forçação de barra com segundas e terceiras intenções. Se nada está explícito, no quesito implícito está límpido, claro, transparente ter gato nessa tuba. Escrevo isso de forma repetitiva, cansando quem me lê, pois acabo de tomar conhecimento de outros procedimentos em cidades outras e aqui compartilho até para que os bauruenses tomem conhecimento de que, existem procedimentos outros. Ah, Bauru tivesse políticos e a coragem para agir de forma diferente, poderíamos estar vivenciando bem outro momento, mas, tendo o que temos, decrepitude generalizada. Bauru anda de mal a pior...

JACAREZINHO
Ontem após observar o que aconteceu no complexo do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, posto aqui algo da lavra de Marcelo Freixo: "A milícia é mais do que um artigo do Código Penal, ela é um modelo de sociedade que subordina instituições de Estado aos interesses do crime. Um projeto de poder que nasceu no Rio de Janeiro e está sendo nacionalizado. (...) É desse submundo que nascem as políticas da família Bolsonaro. (...) A eleição de Bolsonaro está transformando o Brasil nesse imenso Rio de Janeiro da institucionalização do crime organizado, de Queiroz e de Adriano e da violência política que resultou nas execuções da juíza Patrícia Acioli e da vereadora Marielle Franco. (...) O Rio é o berço desse Brasil profundo, desigual, violento e autoritário". 

Está mais do que evidente que, na chacina de ontem, algo para favorecer ainda mais a milícia, milicianos e fortalecer este desGoverno em curso. Ou o Brasil dá um cabo isso o quanto antes ou amanhã já será tarde demais.

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