domingo, 15 de agosto de 2021

RETRATOS DE BAURU (255)


AMANHÃ ,SEGUNDA, 10H, ATO CONTRA A PARADEIRA DA CULTURA, DEFRONTE O TEATRO MUNICIPAL
Amanhã pela manhã os artistas bauruenses vão promover um ato grandioso contra a paradeira generalizada da Cultura bauruense. Recebo de um dileto amigo uma sugestão, arte dele, mas sem coragem para colocá-la em prática: "Eu estava planejando colar essa imagem ao lado do escrito lá no teatro, para segunda feira. Mas não vou conseguir, além do perigo de ser pego pelas câmeras e pelo posto policial que tem ali perto. Fiz essa montagem, se quiser usar, compartilhar por aí, fique a vontade. Não precisa me dar crédito, tudo bem? Acho arriscado. Podem dizer que os próprios artistas estão destruindo o patrimônio e daí fico só na ideia e se quiser pode publicar". Publico e a lanço como a cara do ATO de amanhã, citando frase da secretária Tatiana Sá, quando disse de forma non sense que a Cultura não dorme. É o mesmo que afirmar não permanecer de braços cruzados, quando todos assim a enxergam e a foto não mente.

A FALA INDÍGENA NO ATO "SILÊNCIO, A CULTURA DORME!"
No microfone do ato de ontem lá na Esquina da Resistência foram se alternando falas de diferentes representantes de Cultura local, dentre eles, aqui mais um deles, nas vozes de Irineu Nje'a Terena e Silvio Durante, que leram texto criado especialmente para o evento:
Bauru Terra Indígena
Bauru seu nome é indígena
Bauru, Bauru, Bauru!!!
Que apaga da historia os donos dessa terra;
Historia de sofrimento, violência apagada por seus heróis;
Seus heróis?
Que heróis???
Seus nomes escritos nas placas de ruas que oculta à dor Kaingang
Kaingang filhos da terra, donos dessa
Guardiões da floresta
Bauru, Bauru, Bauru!!!
Seus pés pisaram em nós
Suas serras contaram nossos pés
Progresso traz a tortura
Mãos manchadas de sangue
Esmagou os Kaingang com toneladas dos trilhos da ferrovia
Bauru terra manchada de sangue e dor
Bauru, Bauru!!!!
125 anos
Governos omissos
Reproduzem a dor nas entre linhas
Não despertam nos anais essa historia adormecida
Bauru!!!
Bauru! Reparação Histórica
Bauru! Reparação do patrimônio cultural
Bauru! Reparação do patrimônio imaterial
Bauru! Acorda! Desperta Cultura!

ALGO DA CANTORIA DE ONTEM NO ATO "SILÊNCIO, A CULTURA DORME"
A cantoria foi o ponto forte ontem no ato realizado contra a paradeira e falta de incentivo da SMC - Secretaria Municipal de Cultura para com os artistas bauruenses. Muitos deles abrilhantaram o palco montado rente ao chão, ali no Calçadão e munidos de potente som, reverberaram pelo centro todo o grito até então contido na garganta de todos. De tudo, impossível não compartilhar a letra da música que Tatiana Calmon cantou, acompanhada de grupo musical que ia sendo renovado a cada instante. A composição é dela e do Alemão - Anderson de Paula - e foi um dos momentos mais emocionantes da tarde, pois na letra algo de tudo o que exatamente ocorre com a classe artística neste momento de pandemia. A sensibilidade dos artistas está refletida na bela letra aqui compartilhada em forma de foto.

ALGO MAIS DO ATO "SILÊNCIO, A CULTURA DORME!", AGORA UM CORDEL
Pedro Popoff era até ontem um menino e aparece agora no ato, com outra fisionomia. Se antes era chamado de Pedrinho, agora não mais, pois é um baita Pedro, diria mesmo, Pedrão. Um cordelista como poucos e aqui pegando um texto de surpresa e o interpretando magistralmente no Calçadão da Batista:

Deus e o Diabo contra o Mal Maior
(autoria: Amanda Helena e Cátia Machado)
Essa história que lhe conto/ De um diabo atrapaiado/ Conseguiu expulsão do céu/ Do inferno foi enxotado/ Margoso num tinha amigo/ Fez Deus perder paciência/ Do Tinhoso era inimigo

Criatura desdenhada/ Na Terra fez moradia/ Bom era em fazer ruindade/ E o fez com galhardia/ Deu pra si uma missão/ Dar fim na alegria humana/ Da mais alegre nação

Proseando com um sujeito/ Ouviu falar de um lugar/ De belezas sem igual/ Que tinha um povo sofrido/ Cordel, baião, carnaval/ Onde a figura margosa/ Espalharia seu mal

Sendo só ressentimento/ Resolveu firmar-se rei/ Ser Mito era seu alento/ Garrou na beira da estrada/ Cavalo solto que viu/ No lombo do pangaré/ Rumou destino ao Brasil

Era cabra muito tosco/ De tudo fazia chacota/ Pra gente triste, era Mito
Pros felizes, um idiota/ E arranjou seguidores/ Que pras suas intempéries/ Eram fiés batedores

Por anos, pra lá e pra cá/ Foi parar no interior/ Do estado que era mai rico/ Do adormecido Brasil/ Foi onde ele encontrou/ Mais que fiel escudeira/ Rosinha, o seu amor

Rosinha era bonitinha/ Mas como dizia a vó/ Por fora bela viola/ Rosinha era de dar dó/ Por dentro, pão bolorento/ Que se encantou com Margoso/ Montada no seu jumento

Diabo foi tê com Deus/ Reclamar o seu papel/ Que se era pra sê ruim/ O que seria do pobre/ Vendo junto os dois tinhoso/ Cabrita Rosinha Suína/ E o Diabo Margoso

Era Morte das sofrida/ Era guerra da vacina/ Era tanta inguinorânça/ Vestindo Sabedoria/ Que já nem o sábio ria/ Com tanta desgraça junta

E o povo não entendia/ Deus, sem graça, remendou/ Nas fala do Capiroto/ Precisô se desculpá/ Assumiu a distração/ E propondo solução/ Pra cabá com esses dois/ Mió é nóis si juntá

O golpe tava tramado/ Si juntaro dos dois lado/ Deus e o Diabo de cá/ Margoso e Rosinha lá/ Si enfrentaro em votação/ Queria a de papel/ Mas isso deixaro não

Resgataro dos rincão/ Onde o sol nasce quadrado/ Um homi qui vem do povo/ Se dizia injustiçado/ Que dará o veredito/ Confirmado em eleição/ Se vem de Deus ou do Cão

Rosinha garra Margoso/ Que era diabo dos Bão/ A luta foi coisa feia/ Com Deus não se brinca não/ Mintira atrás de mintira/ Tentando se acreditar/ Inté se desmascará

Caíro, os dois, sem sustento/ Tombando do pangaré/ E do pobre do jumento./ Perdero até o seu rumo/ Com as perna dando nó/ Nas terras do outro um/ Onde quadrado é o Sol

O povo voltou sorrir/ Alegria sem igual/ Festejando pelas ruas/ Cordel, baião, carnaval/ O povo cuida do povo/ Que ninguém vá duvidá/ Dessa desgraça de novo

E assim, voltou o normal/ Mas tanto que consertá/ E o Diabo, já festeiro/ Voltou a atrapaiá/ Mas nosso povo, com fé/ E sendo Deus brasileiro/ Tinha pra quem rezá e aonde se agarrá
OBS.: As fotos são minha e de Eric Schmitt.

"MANIFESTO DOS ESCRITORES BAURUENSES", ENCERRA O ATO "SILÊNCIO, A CULTURA DORME!", ONTEM CALÇADÃO DA BATISTA

Não podia ser melhor. A Literatura fechou o ato contra a paradeira da Cultura Municipal e com chave de ouro. Um texto comprido quando lido em praça pública pode se tornar algo modorrento, arrastado, mas quando interpretado de forma sentida e pulsante, ele empolga a plateia. Foi o que ocorreu ontem quando anunciaram a leitura, foi pedido silêncio e todos prestaram a atenção. A fala começa devagar e ganha tons de muita emoção. Na verdade um textão, concebido pela melhor poetisa hoje de Bauru, AMANDA HELENA GIMENO e duas colaboradoras, Angela Elys Kiatake Bianchini e Etyene Mendes Durand. É destes escritos para ser emoldurarado e será. Explico. Amanda o imprimiu em uma só via, tamanho A3, grandão e quando o ato se finda, o recebo para ser fixado no Mafuá. Baita orgulho. Receberá uma moldura, demarcando a data exata de sua leitura em praça pública, quando a classe artística se lavanta contra uma injustificada paradeira nas hostes municipais da Cultura.

Oh, Flor do Lácio, de carpelos teimosos
Esquecida das tetas da loba,
Maria dos desdenhados, trabalhadores, escravos
Mulher vulgarizada, como tantas que resistem.
Geni de crias diplomadas sem louvor do anauê moderno.
:
que modernidade há nesses homens amargos?
Quando tudo parecia impedimento
do açúcar e água se fez leite
dos teus ramos brotou uma dor lusa afro tupi,
um lamento com feição de sal dos mares
saudade, nosso originário sentimento.
Quisera darmos descanso em tuas batalhas com uma Ode à Musa Mãe
Nós, escritores, agricultores das palavras, temos poemas, prosas
sementes para garatuja e amor para florações, mas os tempos são brutos.
Precisamos de espadas afiadas à Lima!
Não aceitamos Outlets com casacos de tua pele!
Botemos fora os outs, lets, makes, air bags.
É Guerra no Sambódromo Lusamérica
É Guerra da Casa do Sol à Casa de Eny
É Guerra nas casas da Ignorância e nas Casas que dormem dizendo se de ti.
Quaresmeiras de lá e Quaresmeiras daqui.
Sim, não temos Yes, temos sim, pois não, contudo, entretanto
e Tu não terás triste fim.
Os cães do fascismo latem desprezo e inércia,
São frios, Frias, tristes rosinhas plásticas pintadas de carmim
Guardaremos te no grande sertão de concreto e por meio desse Manifesto
gritaremos do Planalto ao Coreto, do Museu em Chamas à Batista de nossa Terra.
Carolinas, Foices, Clarices, Machados, Terezas prontos para guerra. Basta! Bastilha! Bastardos vira-latas! Not Haiti!
BASTA!
NÃO queremos o reacender das chamas que queimaram os livros censurados do Terceiro Reich e que arderam toneladas de produtos culturais no AI-5 - Repudiamos o pensamento bolsonarista que transforma idosos em youtubers asseclas antisaber, Neros Tupiniquins!
Através de falácias propagadas por fakenews e mídias tendenciosas os livros são vistos ora como lixo ora como produtos da elite, quando não, e quase sempre, como fonte de ensino ‘comunista’(aqueles ‘comedores de criancinha’ temidos pela TFP), educadores voltam a ser suspeitos conspiratórios na prática didática.
Que nos salve Paulo Freire
da opressão na pedagogia moderna (pedagogia? Moderna?),
da pirotecnia oferecida aos nababos facistóides
das senhoras alucinadas por ‘kit gays’ que nunca existiram
Não a todo sigma, suástica, censura disfarçadas de ‘boa intenção governamental’ nos livros didáticos!
Que a seriedade perante o saber seja território de liberdade, crítica e aprendizado.
Afaste de nós esse Fahrenheit, de vinho tinto e berrante!
BASTA!
Ao descaso com as bibliotecas de nosso país e de nossa cidade que respiram por aparelhos, contando com esforços hercúleos diante de déficit de profissionais, da falta de investimentos financeiros, de ações fomentadoras na difusão da literatura.
Há muito pó na lombada de nossos livros, perdoe nos Steinbeck! Que nos perdoem também nossos filhos!
Há muitos elementos a emudecer prateleiras!
Biblioteca Quinto Elemento, não cale! Não cálice!
Bauru, outrora entrada do Brasil Novo de Rodrigues de Abreu, quem dera tivesse em nosso tempo ‘atordoante presente’ sonhado pelo poeta. Um espanto de belezas. Somos nesse hoje entrada para tudo que é retrógrado e deveria ser esquecido em termos políticos, levados por contações de estórias de mil e um engodos. Sanduíche de procrastinações, fogo amigo!
Bauru! Tuas letras e canções ainda resistem na Marginália. Uma Vitória-Régia concreta de úlceras sem limites!
Bauru nada mais és do que filha do grande bordel Brasil!
Um bordel que pega fogo!
Fogo no Museu Nacional, Fogo no Museu da Língua Portuguesa, Fogo na Cinemateca!
Inferno de Dante, mero estágio, e daí?
E daí Luzia? E daí Glauber?
O imposto das armas baixou, taca fogo nessa transa, taca fogo nesse crânio, nesses diabos em terra de sol.
BASTA!
Das artimanhas para taxação de livros, com a finalidade astuta do empobrecimento e alienação intelectual, ensaio de cegueira.
Da desvalorização de toda forma de arte e da pecha de vagabundagem destilada sobre artistas, que na produção de obras gastam horas e horas sem plateias (enquanto o estômago trabalha, enquanto editais dormem em berço esplêndido, ouvindo doces histórias, barbaridade amarga!)
Não fosse a arte a salvar a alma cheia de estranhamentos e medos no confinamento pandêmico...
Não fosse a arte a salvar do absurdo e da indiferença dos dos distópicos negacionistas no último calendário, a solidão teria cara de cem anos...
Vá trabalhar Gregor! Você está atrasado! A economia não pode parar! Para de Live!
Não fosse os cantos das varandas e os livros aparando lágrimas, os livros nos cantos dos leitos.
A voz humana, tão essencial como respiradores. A poesia, respirando dores.
Acalmando anjos e demônios nos peitos.
BASTA!
Da escassez de Feiras Literárias enaltecendo produção e divulgação da obra de escritores locais.
Do escritor sem nome de pompa, sem tradição no costado, do escritor nu com sua arte, que não é figura de esplendor nos assentos das colunas sociais.
Se Barreto vivo estivesse estaria sem patrocínio, sendo digno apenas das cadeiras dos bares.
Bauru precisa de poesia nas escolas, nos bosques, nas praças, nos viadutos.
Bauru precisa ouvir estrelas, não perder o senso com homens que pisam no espaço e na gente sofrida daqui e de pindorama á fora.
O artista das letras quer ser ouvido pelos governantes
(quiçá incomodemos bastante, pois a pena sem consciência social é morta
é fé sem obras)
O artista das letras quer ser ouvido por outros artistas.
Quão miserável é o homem, que conversa durante a leitura de um poema, que se gasta em selfie em um Sarau.
O artista das letras rejeita essa praga estadunidense falando por nós em cada vitrine.
Há muitas maneiras de matar um artista e nossa língua também Brech.
:
“Cravando um punhal, postergando editais, não ouvindo sua voz,
acariciando o elitismo cultural, teocratizando obras sobre crivo da religião,
demonizando a cultura, sendo street dog. Só a primeira é proibida pelo nosso Estado.”

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