domingo, 28 de novembro de 2021

MÚSICA (205)


O MENDIGO E O CACHORRO DA MADAME
Já estou em Sampa. Algo entre o Sumaré e Pompéia, talvez imediações da Vila Madalena. Enfim, por aí, ou melhor, por aqui. O dia amanhece, todos aqui dormem pela casa onde consigo pouso, pernoite e aquele necessário encostar de ossos. Saio para buscar pão e guloseimas - vinho, principalmente -, para depois acordar os nubentes. Na entrada do supermercado algo merecedor de relato. Conto.

Uma cãozinho de madame amarrado na entrada e ali ao lado um morador de rua comendo o que havia conseguido. Cada qual no seu canto, a madame entra no mercado e ele, ao olhar para seu momentâneo parceiro de calçada, resolve estabelecer uma aproximação. Ela se dá e se entendem ao modo e jeito de cada um. A caixa do mercado observa tudo, mas nada faz. O morador de rua vendo o cão ali triste na entrada, amarrado por um cordãozinho abre um dos seus saquinhos com comida, justamente o de carne e coloca alguns pedaços na boca do cão. Ele prontamente aceita.

A caixa do mercado não sabe o que fazer. Faz quando a madame se aproxima e conta o ocorrido. Essa entra em total desespero e vai até seu cão, o encontrando todo lambuzado de comida. Tira seu cão do lugar, mas como não terminou suas compras, não podendo adentrar o mercado com ele, busca outro lugar, mantendo distância do morador de rua. A este diz somente: "Não faça mais isso". O morador responde dentro da sua simplicidade: "Ele estava com fome e comeu tudo. A senhora não pode manter seu cão sem alimentação". Ela: "Saiba que ele come e muito bem. Não dê mais nada a ele". Ele insiste: "Mas a carinha dele não mente, estava com fome, tanto que comeu rapidamente o que lhe dei".

A mulher desiste de conversar e termina rapidamente suas compras, com um olho nelas e outro no morador de rua. Este pragueja em voz alta, pela descompostura que levou. Na saída, a senhora, com duas sacolinhas debaixo de um braço e no outro o cordão do cão, quase arrastado, pois pelo visto este tinha alguma intenção de ficar. O mendigo, não sei se por pura ironia ou pela simplicidade destes que moram na rua, vivenciam de tudo um pouco, solta a última, fazendo com que a senhora aperte o passo: "Olha, a senhora tem sorte, pois vejo que seu cão foi com a minha cara. Eu gostei dele e ele de mim".

Assisti tudo de camarote e em nenhum momento intervi com alguma observação. Só depois do cenário já desmontado, ao passar pela mesma caixa, comento com ela do ocorrido e sua resposta: "Eu queria ajudá-la, mas não posso tomar partido. Ele está sempre aqui na porta e iria me perturbar depois". E desta forma o cãozinho da madame saiu do local, tendo provado acepipes diferentes dos que costumeiramente come no seu dia a dia. Com certeza, hora dessas deve estar passando por lavagem intestinal e o mendigo lá comendo as sobras que alguém lhe deu, as mesmas servidas ao cão.

COM RISO E SEM FÉ
No ′′ O Nome da Rosa ′′ de Umberto Eco...
Quando o abade cego pergunta ao investigador William de Baskerville: ′′ Que almejam verdadeiramente?"

Baskerville responde: ′′ Eu quero o livro grego, aquele que, segundo vocês, nunca foi escrito. Um livro que só trata de comédia, que odeiam tanto quanto risos. Provavelmente é o único exemplar conservado de um livro de poesia de Aristóteles. Existem muitos livros que tratam de comédia. Por que esse livro é precisamente tão perigoso?"
O abade responde: ′′ Porque é de Aristóteles e vai fazer rir ".

Baskerville replica: ′′ O que há de perturbador no fato de os homens poderem rir?"

O abade: ′′O riso mata o medo, e sem medo não pode haver fé. Aquele que não teme o demônio não precisa mais de Deus".

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