sábado, 18 de dezembro de 2021

RETRATOS DE BAURU (259)

HOJE SÓ ÁGUAS, LAMA E A DEGRADAÇÃO DE UMA CIDADE ABANDONADA À PRÓPRIA SORTE

1.) POPULAÇÃO RIBEIRINHA E AS ENCHENTES*
* Meu 44º texto inédito para o semanário DEBATE de Santa Cruz do Rio Pardo, edição nas bancas por $ 3 reais desde hoje pela manhã:
Alguém de vocês já morou alguma vez na vida junto da população ribeirinha? Eu vivi boa parte de minha vida e tento descrever algo do vivenciado ao longo de décadas vendo as águas barrentas e bostentas do rio Bauru, cortando a cidade e vez ou outro, mediante fortes chuvas, transbordando e invadindo o lar que meus pais viveram até o final dos seus dias. Aprendi ao longo do tempo que, morar em beira de rio é dormir com um olho aberto e outro fechado, pois mesmo que o lugar fique sem ter uma enchente, ela um dia volta, inclemente e toda cheia de pompa: “Pensou que estava morta, né! Ói eu aqui traveiz”.
Quando meus pais compraram a casa, começo dos anos 70 (lembro de ter assistido a Copa de 1970 ali, dez anos de idade), o preço foi convidativo e só descobriram dos motivos, meses depois com a primeira enchente. Ninguém esquece da primeira enchente. Eu lembro da minha, onde eu e meus irmãos, todos pequenos fomos colocados sentadinhos em cima de um móvel e impedidos de brincar naquele mar diante de nós. Muita coisa foi perdida ali naquele lugar e a cada novo ano – sim, elas ocorriam, ao menos uma vez por ano -, tudo reconquistado, para logo mais ser perdido novamente. Essa saga é do tipo infindável.

Mais de uma dezena de prefeitos se alteraram no cargo, todos cheios de promessas para o lugar, mas nenhum deles conseguiu aplacar a força das águas, pois a danada quando decide vir além da conta, não vai ser um mero alcaide que vai impedir dela fazer sua penetração sem consentimento em tudo o que estiver pela frente. Alguns até tentaram fazer alguma coisa, com alargamento da margem, outro afundando-o mais, depois veio o que concretou o fundo do rio. Teve outro que ergueu a ponte e teve quem tentou fazer piscinões espalhados em outros locais, mas nenhum combinou com a mãe natureza e sem esse acordo tácito, o inexorável ia e voltava. Hoje, não tentam mais nada, desistiram e a alegação é a falta de dinheiro em caixa para algo definitivo e com solucionática garantida.

Aqui na região próximo da Baixada do Silvino, onde a cidade começou, todos sabem muito bem, cada um por si e deus por todos. Cada um fez ou tentou algo, como diques, comportas, muros de contenção ou como eu, depois que meus pais se foram, deixei por conta do Abreu – se nem ele, muito menos eu. Sei que mais dia menos dia a chuva vem, como neste final de sexta, 17/12, numa chuva nem tão forte, denotando que daqui pra frente, por qualquer coisa, estaremos recebendo a benção das águas. Enfim, quem mandou querer morar na beirada de um rio. Com tanto lugar distante, foi querer se meter logo ali, agora que pague o preço.

Eu não reclamo mais e a única providência que tomo foi a de levantar tudo dentro de casa. Minhas estantes de livros e discos estão todas com no mínimo metro e meio de altura. Hoje ela voltou, invadiu tudo numa data inesperada, pois das últimas vezes, vinha sempre entre fevereiro e março, não me pegou assim tão de surpresa. Gato escaldado olha pro céu e já ergue tudo. O bom desses acontecimentos – se é que tem coisa boa – é a solidariedade. Hoje, quem chegou tão logo a água baixou foram dois antigos inquilinos, morando duas quadras distante e cientes do apuro com minhas coisas, nem bem a água baixou, estiveram junto comigo no rescaldo e limpeza. Trabalhamos pra dedéu, mas rimos muito e por fim, tomamos algumas geladas, pois desta feita ela não chegou a derrubar a geladeira.

Quem não apareceu foi a prefeita, que aqui em Bauru aprendemos em menos de um ano de administração a denomina-la de incomPrefeita. Suéllen Rosim, chegou agora, não tem tanta culpa assim no cartório, mas não é dada a colocar o pé na lama ou entrar em dividida. Ela prefere orar – diz que o faz para tudo e todos -, mas até agora, tem conseguido mesmo é meter os pés pelas mãos, pois de gerência pública tem-se mostrado uma negação. Negacionista e fundamentalista, pensa só em seu futuro político e nem é louca de colocar suas madeixas com laquê debaixo d’água. Vê tudo de longe e nada faz. Como todo especialista nas artes do fingimento, é capaz de dizer que se assim se sucedeu, isso se deve aos desígnios divinos. Estava louco para vê-la nas barrancas do rio, para ser o primeirão a manchá-la com barro nas vestes. Esperta, nem deu as caras.

2.) SEM ASSISTÊNCIA, CIDADE NO DESAMPARO
Sem cobrança fica tudo sujo? Eita prefeita sem compromisso com a cidade!
A enchente foi ontem. O barro já está endurecendo. Eis situação das ruas Inconfidência, Gustavo Maciel e Aparecida após e ecatombe de ontem. O tempo passa, o tempo urge e se não enviar recado pra incomPrefeita atuar, ela esquece e fica só nas suas lives. Na pressão...

Publiquei fotos da lama depois da enchente nas quadras 1 das ruas Inconfidência, Gustavo Maciel e Aparecida, algo que antes, administrações anteriores, ruins ou não, imediatamente os caminhões pipas surgiam para limpar, ao menos as ruas e devolver aquele ar apresentável na paisagem local e hoje, com a incomPrefeita Suéllen Rosim no comando, já quase 24h, o barro secando e a cidade naquele tom horroroso de abandono. Em foto de Adriano Francisco - me enviou várias do aspecto marrom da cidade, lama tomando conta de tudo -, algo na rua Alfredo Maia, entrada das antigas oficinas da NOB. A mesma cena se repete sem que providências despontem no horizonte, ou seja, não basta oração se não vier acompanhado de ação, concreta, rápida e eficiente, algo em falta desde a chegada da atual alcaide.
HPA e moradores, população ribeirinha, margens rio Bauru, hoje 12h.

3.) A GRAVAÇÃO DA QUADRA UM DA GUSTAVO CHEIA D'ÁGUA E OS SEUS CACHORROS, NARRADO PELO GUARDIÃO DO LUGAR Luciano Santos gravou ontem a rua Gustavo Maciel, quadra 1 cheia de água e foi ver como estavam os cachorros, o Negão, do seu Luiz Maffei e o Charles, que ele sempre chama de Charles Brown. Luciano é gente aqui do pedaço, morou na quadra alagada, conseguiu se desvencilhar da água, mas toda vez que vê os que ainda ficaram por lá em situação de aflição, aparece, oferece ajuda e fica até o fim no rescaldo. Estes são os valorosos aqui das barrancas do rio Bauru e com o vídeo aqui postado, uma reverência desmedida, dessas imensas, pelo que ele e sua esposa, Amadja, fizeram por mim, me ajudando a limpar o Mafuá do começo ao fim, sem esmorecer. Quando a gente está cercado de gente assim, não dá para se sentir sózinho neste mundo. Ele e Amadja são nordestinos, lá das bandas do Recife, gente da melhor qualidade e envergadura. Foram meus inquilinos, cuidaram de meus pais, seu Heleno e dona Eni, me conhecem de longa data e é destes que, nas festas do bloco do Tomate, não tem como não convidá-lo para ser o assador, também conhecido como churrasqueiro dos eventos. Ele, torcedor do Naútico Capibaripe e aqui em São Paulo, torcedor do Palmeiras, desses que, em dias do desfile do bloco, desce a Batista fazendo o maior sucesso, pois compra uma camiseta só para vestir seu cão. Ele, ontem, bem antes de minha chegada no Mafuá, por lá já estava, dentro d'água e como bom vigilante da rua e das redondezas, foi o primeiro a me receber, ainda na esquina, antes de me enfiar na água e ir ver o que havia sobrado. Por sorte, ontem a enchente chegou, entrou no quintal, não chegou na altura da casinha do Charles, pois elevei ela em cima de palets, quatro deles e lá meu cão permaneceu, como se vê no vídeo. Dentro de casa entrou uns dez centímetros de água, barrenta, antes também bostenta, hoje creio que não mais, porém mal cheirosa. o danado é um touro, guardião de todos nós ali naquele pedaço. Gente como ele e Amadja são a fina flor desta cidade. Prefiro muito mais manter conversação com estes do que os chamados "forças vivas" destas plagas, que dão ponto sem nó até em pingo d'água. Com estes é tudo preto no branco. rendo minhas homenagens mais do que sinceras por ter tido o prazer de anos atrás ter cruzados com eles e estabelecido algo duradouro, que avi muito além da simples amizade. Eis o link do vídeo publicado pelo Luciano: https://www.facebook.com/100057336046299/videos/256636129870926 

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