FRASES DE UM LIVRO LIDO (67)
‘TIRANDO O CAPUZ’, ALGO DA COMISSÃO DA VERDADE E AUTOCRITICA DOS ENTÃO REVOLUCIONÁRIOS
O Brasil é um país sui generis, pois não consegue enterrar seus cadáveres, ou seja, por ir adiando em não expor de uma vez por todos as mazelas de um nefasto período, o sob o tacão militar, fica dando voltas, igual barata tonta. Diante de uma Comissão da verdade, que deveria fazer esse serviço de forma exemplar, mas prefere permanecer pisando em ovos, tudo continua mal esclarecido e mal informado. Uma das coisas que guardo aqui no meu mafuá é uma coleção de livros, todos editados nos anos 70 e 80, a da editora Codecri, a do “rato que ri”, mas conhecido com Editora do Pasquim. Colecionava o jornal e depois os livros. Dos jornais, guardo uns poucos, consumidos pelo tempo, falta de espaços, cupins e afins. Os livros da Codecri permanecem incólumes à ação do tempo e ocupam todo o espaço de uma velha estante de aço. Deles não quero me desfazer, sendo objeto de minha eterna adoração, período fértil de minha existência, onde fui descobrindo as mazelas desse mundo. Para resgatar o que foi o período, quero ir escrevendo de alguns desses livros, devorados à época com tanta sofreguidão.
Começo com um clássico dentre os relatos dos que participaram da luta armada no país e tiveram seus livros editados pelo Pasquim. ‘TIRANDO O CAPUZ’, do Álvaro Caldas, foi o volume 96 da Coleção Edições do Pasquim, lançado em 1982, quando tinha exatos 22 anos. Li quase todos os relatos de igual teor ao do Álvaro, todos muito inquietatantes, quando alguns deles já estavam fazendo sua autocrítica. “O sonho acabou?/ Outros virão”, resume o autor na dedicatória aos que ficaram pelo caminho. Ainda na capa lá estava o recado do seu conteúdo: “A trajetória política de uma geração, do golpe de 64 à opção pela luta armada, narrada com vigor, talento e emoção. Tempos de um Brasil de capuz, que ao ser levantado revela a dura e solitária realidade enfrentada na militância, nas salas de tortura e nos cárceres”. Esse livro fez história, sendo considerado hoje um dos mais importantes dentre todos os que foram publicados na época. Foi o primeiro a narrar com clareza de detalhes as constantes sevícias que padeceu.
Resenhas são facilmente encontradas na internet, mas algo que marquei quando de minha primeira leitura, permanece grifada com um enorme “X” em sua página 194. Esse o trecho que reproduzo para relembrar o clima reinante no período: “No Calabouço, encontro um dia um bancário goiano e passamos o almoço discutindo, sem que um conseguisse dobrar o outro. Ao se despedir ele me diz: ‘Você vai mudar de posição. Você é inteligente’. A previsão de meu amigo bancário já estava se consumando, por mais que eu ainda resistisse em expressar as novas ideias que estavam chegando, a nova visão do mundo que se estava formando. Nesse meio tempo as ideias saiam baralhadas, estava em gestação na cabeça uma espécie de socialismo cristão, como havia deixado registrado no final daquele ano, num conto intitulado Natal na Casa Branca, premiado num concurso de contos pré-vestibular. Naquele conto eu fantasiei para 1980 (estávamos no final de 1962) um mundo convertido ao socialismo cristão e reuni num hipotético Natal na Casa Branca os principais líderes mundiais da época para comemorar a implantação do socialismo. Recepcionados por Kennedy e Jacqueline, lá estavam Kruschev, Mao Tsé-tung, Nasser, Frondizi, Fidel Castro, Goulart, Ben Bella. É evidente que quebrei a cara: kennedy foi assassinado; Kruschev cai em desgraça depois de iniciar a desestanilização e morreu; Ben Bella foi golpeado e preso; Mao e Nasser morreram; Jango foi derrubado logo depois, com o golpe de 64; a Argentina do Frondizi também entrou numa ditadura militar e o único que continua aí todo poderoso é o Fidel Castro. Até a Jacqueline, de primeira dama do socialismo cristão, passou a ostentar o título de viúva do ricaço grego Onassis. Só acertei mesmo no fim das ditaduras franquista e salazarista. Tempos de inquietação e criatividade aqueles, em confronto com a militância de
Resenhas são facilmente encontradas na internet, mas algo que marquei quando de minha primeira leitura, permanece grifada com um enorme “X” em sua página 194. Esse o trecho que reproduzo para relembrar o clima reinante no período: “No Calabouço, encontro um dia um bancário goiano e passamos o almoço discutindo, sem que um conseguisse dobrar o outro. Ao se despedir ele me diz: ‘Você vai mudar de posição. Você é inteligente’. A previsão de meu amigo bancário já estava se consumando, por mais que eu ainda resistisse em expressar as novas ideias que estavam chegando, a nova visão do mundo que se estava formando. Nesse meio tempo as ideias saiam baralhadas, estava em gestação na cabeça uma espécie de socialismo cristão, como havia deixado registrado no final daquele ano, num conto intitulado Natal na Casa Branca, premiado num concurso de contos pré-vestibular. Naquele conto eu fantasiei para 1980 (estávamos no final de 1962) um mundo convertido ao socialismo cristão e reuni num hipotético Natal na Casa Branca os principais líderes mundiais da época para comemorar a implantação do socialismo. Recepcionados por Kennedy e Jacqueline, lá estavam Kruschev, Mao Tsé-tung, Nasser, Frondizi, Fidel Castro, Goulart, Ben Bella. É evidente que quebrei a cara: kennedy foi assassinado; Kruschev cai em desgraça depois de iniciar a desestanilização e morreu; Ben Bella foi golpeado e preso; Mao e Nasser morreram; Jango foi derrubado logo depois, com o golpe de 64; a Argentina do Frondizi também entrou numa ditadura militar e o único que continua aí todo poderoso é o Fidel Castro. Até a Jacqueline, de primeira dama do socialismo cristão, passou a ostentar o título de viúva do ricaço grego Onassis. Só acertei mesmo no fim das ditaduras franquista e salazarista. Tempos de inquietação e criatividade aqueles, em confronto com a militância de
67 em diante, que se vestiu com a pesada armadura do pólo dinâmico, com a cinzenta cor do realismo socialista. (...) Acabei por me aproximar de dois mundos que me pareciam irreconciliáveis, o da militância política e o da atividade profissional”.
Relendo com os olhos de hoje, um pouco distantes dos que havia lido o livro pela primeira vez em 82, chego na mesma conclusão do autor, a de que “a esquerda brasileira aprendeu em dez anos o que não havia aprendido em quarenta”. Desse combate todo, cujos algozes até hoje permanecem em sua maioria no anonimato, pergunta-se sempre: Mas valeu a pena? Na orelha do livro, Marcos de Castro” finaliza uma análise com a resposta que considero a melhor: “Ora, se foi coisa séria, se foi o bom combate, é claro que valeu. Pois a vida humana é um choque permanente do qual se salva apenas a dignidade. E dignidade foi o que não faltou”. Falta justamente agora no momento de rever aquilo tudo de forma definitiva, para que não mais se repitam.
Quero fazer um parêntesis aqui. Na revista Brasileiros de março, nº 68, na bela reportagem de capa, “Subversivos – Acredite. Estas crianças foram presas e banidas do Brasil. Mais de 40 anos depois, elas contam como sobreviveram. Há quem não tenha conseguido”, a citação de um bauruense, personagem daqueles tempos, DARCY RODRIGUES, que conviveu com as quatro crianças da foto no Vale do Ribeira e saíram juntas do país na troca por um embaixador sequestrado. No Brasil de hoje, Darcy já deve ter feito várias autocriticas e se tivesse que agir novamente como o fez no passado, com a cabeça de hoje, acredito não mais o faria. Muita coisa se altera ao longo dos anos na cabeça das pessoas. Mas vale sempre muito resgatar a história no vivenciado por esses.
Henricão
ResponderExcluirTem revolucionários e revolucionários. Uns envergonham o que fizeram no passado e outros dignificam ainda mais.Questão de atuação. Nem sempre rever o passado é ir para o outro lado. Os que fizeram isso se desmoralizaram. Ainda bem não temos exemplos desse tripo em Bauru.
Rosana
ResponderExcluirHENRIQUE
Eu tinha que te enviar o texto que o prof Bergamo publicou no JC, na tribuna hoje. É isso que tem que ser feito, a esquerda começar a reagir e se manifestar. Vc já tinha visto?
ALVAREGNGA
Obscurantismo
Aumentam diariamente os sinais que mostram o crescimento das forças do obscurantismo no Brasil. Na cerimônia de lançamento da versão para a internet de parte do arquivo do DOPS, o governador de São Paulo, numa clara iniciativa de afrontar o significado do ato que presidia, leva, em posição de destaque, seu secretário particular, notório defensor das arbitrariedades cometidas pela quartelada de 64. Num mesmo ato, a principal figura política do Estado sinaliza que é porto seguro para as viúvas da ditadura e afronta um dos sentidos fundantes da Constituição de 88: a redemocratização do País.
Na Comissão de Direitos Humanos da Câmara, as barganhas políticas do PT levam para sua presidência um deputado que defende a perpetuação de formas de opressão às minorias. Suas declarações mostram que ele pretende que a Comissão atue de forma oposta aos fins para os quais foi instituída. O primeiro ato formal de sua gestão foi o de proibir a entrada de público nas sessões. Uma Comissão de Direitos Humanos que proíbe a manifestação pública é o que mesmo? Dado o histrionismo de seu presidente, poder-se-ia dizer que ela transformou-se num palco do absurdo. Mas ali não se trata de teatro, e sim um lugar que a bancada evangélica escolheu para por em prática política, portanto de poder, suas concepções obscurantistas.
O desserviço político que o PT (e seus aliados de “esquerda”) tem prestado ao Brasil é incalculável. Desmobilizaram uma série de organizações populares, em especial o movimento sindical combativo, barganham politicamente com finórios representantes da ditadura e da corrupção e subvertem o ideário que lhe deu origem, transformando-se no seu oposto. Isso tem gerado confusão e despolitização em amplos setores dos trabalhadores.
É chegada a hora em que as forças progressistas, cujo núcleo é a classe trabalhadora, deva aglutinar-se para voltar às ruas. Em combate ao obscurantismo, várias manifestações populares têm acontecido, porém em torno de interesses (legítimos) particularizados. A tendência é sua aglutinação em um movimento de combate político mais geral, mas para isso é preciso que suas organizações e lideranças dêem um passo à frente.
Geraldo A. Bergamo, professor aposentado