DROPS - HISTÓRIAS REALMENTE ACONTECIDAS (109)

ACABO DE VOLTAR DA RUA E QUEM REVEJO...

Esse é meu velho conhecido, o CORIFEU, que também já foi um dos meus Personagens sem Carimbo - O Lado B de Bauru tempos atrás. O conheço já bem um ano e meio atrás, quando bem mais asseado, barba não tão encardida, engruvinhada, havia recém chegado lá dos lados de São José do Rio Preto e tentei algo para fazê-lo sair das ruas. Juntei alguns dados sobre ele, ele me permitiu que tirasse fotos suas e envie via e-mail para gente lá de Rio Preto. Algumas respostas surgiram, mas nem ele, nem do lado de lá nada definitivo para convencê-lo a sair das ruas. Era uma espécie de opção feita, algo pelo qual ela se escondia de si mesmo. Preferia a rua do que voltar atrás e reviver seu passado. Toda vez que o reencontro brinco com o seu nome: "Mas como pode alguém com esse nome, CORIFEU, viver nas ruas?". Ele ri, desconversa, sempre me convence a desembolsar algum e some na curva da esquina. Quando não está muito afetado, até para e conversa, fala de si e diz que não devia ter tomado o rumo que tomou na vida, mas que agora já é tarde. Das últimas vezes CORIFEU está cada vez mais irreconhecível. Hoje o reencontro na esquina da Ezequiel com a Virgilio Malta, com um aspecto deplorável, cada dia pior, com uma crosta de sujeira sob si e pior que tudo, sem os dentes da frente. Perdeu alguns e aquele jeitão bonitão foi-se e junto dele mais um bocadinho de sua alegria. Como é entristecedor observar e acompanhar o aspecto da pessoa ir se degradando dia após dia. A boca da pessoa diz muito no aspecto geral do corpo e o dele e de tantos outros, com a convivência nas ruas torna-se irreversível. Cada vez mais difícil conseguir fazer algo por CORIFEU e meu chateamento é que perdi de ajudá-lo lá atrás, três anos de arrependimento. Talvez se tivesse insistido mais e mais ele hoje não estivesse nas ruas. Eu me penitencio a cada vez que o reencontro. Somos mesmo uns fracos, nos aproximamos deles, mas não sabemos o que fazer e nada fazemos.

Corifeu um ano e meio atrás

Eu me delicio lendo os relatos desses meus diletos amigos, muitos deles envolvidíssimos dos pés à cabeça com ações sociais. Se tenho inveja e ciúmes de alguém é desses, que abrem seus corações e mentes e se doam de corpo e alma por fazer algo pelo próximo. Eu sou um pouco como essa doida amiga, a Tatiana Calmon, que quando vai num evento, fica a observar o que quase ninguém vê e extrai dali o mais lindo daquele momento. E com sua sacada, faz com que tantos outros consigam enxergar através dos seus olhos o maravilhamento observado por ela. Ontem ocorreu a repetição disso novamente, ela estava no Encontro de Abrigos, lá no clube Fortaleza, vila Falcão e sacou isso de um jovem lá presente. O relato dela sai entre aspas, pois hoje quem escreve é ela.

“Esse moço da foto, chama-se LUCIANO LOPES, hoje trabalha no RASC, um abrigo de Bauru, que tem diversas crianças que aguardam adoção.

Crianças abandonadas, ou retiradas de suas famílias por viverem em situação de risco. Violência física, miséria, violência moral, abandono físico, material e afetivo. Saiu do Paraná e chegou a Bauru com cerca de três anos, para viver em um abrigo, pois não tinha mais família e foi crescendo, passando de abrigo em abrigo, aguardando uma adoção que nunca veio, apesar de ser branco e ter lindos olhos azuis. É o segundo ano que ele participa do Encontro de Abrigos, como monitor, fica na beirada da piscina, olhando as crianças, passando filtro solar, mas de roupa, calça comprida e sapato fechado. Paro para conversar com ele diversas vezes, e falo que se ele quiser tem bermuda e camiseta e que ele pode entrar na água. Ele me disse que não, que tinha vergonha e um pouco de medo. Passou o dia quase todo ali, cuidando das crianças, me vendo brincar com elas e tentando ensinar algumas a dar umas braçadas. Algumas aprenderam a boiar ontem. Bem no finzinho da tarde, com sua voz baixa e jeito tímido me perguntou se, eu poderia, um dia, ensinar ele a nadar também? Disse que sim, e que se ele quiser, assim como faço com várias crianças e alguns adultos, nos sábados a tarde estou livre para isso”.