segunda-feira, 13 de março de 2017

OS QUE FAZEM FALTA e OS QUE SOBRARAM (96)


OS VELHOS - ENTREVISTA FALANDO DELES (EU QUASE LÁ) E DOIS LINDOS QUE SE FORAM POR ESSES DIAS – RUBENS E EDNA
Sou procurado por duas estudantes de Jornalismo da Unesp, ambas no 3º ano do curso e um convite me é feito: “Estamos gravando um documentário para a faculdade sobre pessoas "da velha guarda" importantes, que fazem coisas diferentes... Daí lembrei de você, que está sempre movimentando coisas legais em relação a arte, política e etc. Daí gostaria de saber se você toparia gravar uma entrevistinha curta para o documentário. A ideia é mostrar diferentes pessoas de diversas idades falando sobre a velhice e depois trazer alguns personagens já idosos... Por exemplo, no bloco de carnaval de vocês não participou alguém com mais idade?”, Carol Mazzer. Tudo começou dessa forma e além de dar a entrevista (no último sábado, 11/03) acabei indicando outros que poderiam apimentar estes relatos, como Esso Maciel, Alemão da Kananga, Milton Dota, José Esmeraldi, Ana Lellis, Maria Cecília Martha Campos, Gilberto Truijo, Baiano da Unesp e outros (as). Alguns podem até não ter gostado de terem seus nomes incluídos nessa lista, mas todos poderiam dizer disso de estarmos adentrando, ou melhor, descendo mais uns degraus na vida. Pois bem, a fala é exatamente sobre isso. Nada de descer degraus, mas de continuar altaneiro na lida. Falei disso e hoje relembro cheio de saudade de dois que se foram por esses dias e representam e muito esse espírito que a matéria tem a intenção de ressaltar, o de ser, fazer e acontecer até não mais poder. Entristecido pela despedida desses dois, relembro algo de ambos.

RUBENS AVELINO MORAES, 83 anos, esteve junto de minha tia Edi, irmã gêmea de minha mãe por aproximadamente uns 20 anos e juntos viajaram esse país. Além de pularem Carnaval adoidado, bailarem efusivamente pela aí, faziam coisas do arco da velha. Uma dela é divinal, pois ambos na casa dos oitenta anos, pegavam ônibus de graça, fazendo valer a gratuidade da idade e iam daqui, por exemplo, até Palmas TO. Certa feita juntaram economias e foram se bandear por um mês na Itália. Ele, um eterno boêmio, o verdadeiro “Rei dos Anéis”, pois sua mão estava sempre cheia deles. Tocava violão como poucos e sempre que o via me dizia da vontade de encontrar parceiro para dupla de violeiros. Acalentava o sonho de ter um pequeno pedacinho de terra e lá criar um paraíso só seu. Não deu tempo. Mas teve tempo de muita coisa. Era um dos reis do calçadão da Batista, pois ali seu reduto, campo de ação e distração. Munido de um baita de um óculos escuro, quase sempre de camisas escuras (adora as pretas), desfilava pela ali e por onde ia. Quando perdeu minha tia, um ano atrás, se entristeceu mais e foi morar com os filhos. Tempos depois, preferiu voltar a morar só, tudo por causa da boêmia. Além das escapulidas noturnicas, cantava em coral e no seu velório algo me chamou a atenção. No salão do lado era velado outro corpo e um padre rezava, no dele um grupo de amigas cantoras do coral cantava e todos os presentes ajudavam a plenos pulmões e a “Chalana”, sua preferida, preencheu todos os espaços do lugar. Na foto, duas deixadas por ele comigo, uma do famoso Bar do Toba lá de Palmas e outra dele ao violão. Guardo ambas de recordação. Fez e aconteceu.

EDNA MANAIA, 83 anos era a alegria em pessoa. Deixou dois filhos, o baterista Ralinho e o Jorge. Tinha a fisionomia da alegria estampada no rosto. Eu a denominei de verdadeira e original “Gerente da Feira” dominical da Gustavo Maciel. Na verdade morava na Julio Prestes, quase esquina com a Antonio Alves, porta de entrada da feira e ali dominava tudo. Era protegida dos comerciantes do lugar, que não deixavam ninguém suspeito de aproximar dela. Tinha uma grade e sua sala faz parede meia com a calçada. Alguns dias ficava lá dentro, porta aberta, mas grade com cadeado, como uma fera enjaulada. Nos dias de feira vicejava na rua e sua casa era o reduto dos amigos. Emprestava para seleto grupo fazer uso do banheiro e também para guardar pertences. Fiscalizava tudo dali e quando saia era dessas a se enroscar em cada metro andado. Conhecida de todos, devia ter conta na caderneta de variados feirantes, pois sempre tocou a vida à moda antiga, sem grandes sobressaltos. Os filhos ficavam preocupados dela ali morando sozinha, perto dos trilhos, nóias por tudo quanto é lado, mas esses também a respeitavam. Desconheço ter tido problemas com esses. Seu problema mesmo nesses dias teve quando dessa última internação que a levou definitivamente, mesmo motivo a arrebatar meu falecido pai. Com a ampliação do tempo dentro do hospital, agregaram-se ao problema já existente outros mais (por que isso ocorre hoje com mais frequência?) e daí não resistiu. Foi-se a alegria do pedaço, “embaixadora” e “mediadora” dos conflitos entre feirantes e moradores. Na foto, ela toda sorridente quando o filho Ralinho lançou seu CD no SESC, dezembro de 2016. Fez e aconteceu.

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