ÍMOLA, ITÁLIA - TRÊS MOMENTOS
1.) TRIUNVIRATO SOCIALISTA REVERENCIADO NO CENTRO DA CIDADE
Com grande contentamento vejo reverenciado nas vias e praças centrais de Ímola, Itália as figuras de três importantes socialistas ou dignos representantes das mudanças sociais impostas ao mundo tempos atrás.
Cito os três:
1.) Giacomo Matteotti (1885-1924) foi um político socialista italiano nascido em Ímola. Em 1924, como deputado, formulou no parlamento um discurso em que denunciava, sustentado com provas, a violência fascista que originou a falsificação dos resultados das eleições de abril de 1924. A 10 de junho desse ano foi assassinado em Roma por um comando fascista.
2.) Antonio Gramsci (1891-1937) foi um filósofo marxista, jornalista, crítico literário e político italiano. Escreveu sobre teoria política, sociologia, antropologia e linguística. Foi membro-fundador e secretário-geral do Partido Comunista da Itália, e deputado pelo distrito do Vêneto, sendo preso pelo regime fascista de Benito Mussolini. Gramsci é reconhecido, principalmente, pela sua teoria da hegemonia cultural que descreve como o Estado usa, nas sociedades ocidentais, as instituições culturais para conservar o poder.
3.) Giusseppe Garibaldi (1807-1882) foi um general, guerrilheiro, condotiero e patriota italiano. Foi alcunhado de "herói de dois mundos", devido à sua participação em conflitos na Europa e na América do Sul. Uma das mais notáveis figuras da unificação italiana, projectada pela organização republicana Jovem Itália da qual fazia parte ao lado de Giuseppe Mazzini e do Conde de Cavour.
Ao andar por essas vias, de alguma forma tento reviver o passado e me colocar no lugar deles, no tempo e no espaço. Viajo no tempo olhando para todos os lados.
2.) IL BORGO DI DOZZA E O MUSEO DELLA ROCCA
A história eu conto com a ouvi e depois a li nesse curto espaço de tempo entre a ida para Ímola, hoje por volta das 14h e o retorno, ocorrido agora, por volta das 23h. Conhecemos um lugar mais que incrível e que nos remete à época do período medieval. um castelo, hoje transformado num museu, o Museo Della Rocca, localizado no alto de uma colina e no seu interior tudo o que um castelo dessa dimensão pode possuir, desde o calabouço mais sórdido ao s aposentos mais rebuscados.
Além de estar localizado no lugar mais alto da colina, ao seu redor uma vila, hoje transformada num ponto turístico, o ""Il borgo di Dozza". Imaginem o castelo lá no alto e ao seu redor a vila com tudo o que sobrevive ao seu lado, o povoado que gravita ao lado da família abastada, ali sendo a morada de todos os serviçais do castelo. Cercando tudo, outro muro, esse rodeando a vila toda. Impossível não fazer uma volta no tempo e imaginar como se dava a vida naquela situação. Uma viagem para ser feita com alguma pesquisa.
A referida vila hoje toda linda tem uma característica que a torna sui generis. Todas as casas da vila possuem grafites em suas fachadas e feitas por famosos artistas locais e também internacionais. Muito lindo passear na rua que leva ao castelo e na do retorno, olhando para todos os lados, observando cada pintura. Tirei fotos da maioria das fachadas e as publico como reverência a tudo o que ali presenciei.
Para mais detalhes da história do lugar recomendo os sites: www.fondazionedozza.it e www.comune.dozza.bo.it. No interior do castelo, além da visita normal, local de inúmeras exposições e na sua parte inferior, uma ampla loja com todos os vinhos da região, na Via Emília - www.roccadelvino.com Boa viagem acompanhando nosso passeio ou pelos sites indicados para pesquisa.
3.) NO AUTÓDROMO ONDE AIRTON SENNA MORREU
Ímola é uma bela cidade, com aproximadamente 70 mil habitantes e dentre as várias atrações turísticas, uma é o autódromo que leva o nome da cidade e nele, naquela fatalidade triste para o Brasil, foi o lugar onde o piloto de Fórmula 1, Airton Senna veio a falecer na curva que também se tornou famosa para todos nós, a de Tamborello (ela não mais existe e no lugar hoje um retão). Arnaldo, nosso anfitrião na cidade (ele ano passado pulou Carmaval conosco numa festa do bloco do Tomate junto da esposa, Carla Turrini no Mafuá) dentre os tantos lugares em que nos levou na tarde de hoje, fez questão de caminhar conosco no imenso parque junto ao autódromo e junto a uma estátua levantada pelos italianos na entãocurva, local também de peregrinação de muitos brasileiros e gente do mundo todo, admiradores de Fórmula 1, algo bem brasileiro, com muitas lembranças lá depositadas em homenagem ao ídolo ali falecido. Foi quando também pudemos perceber a emoção com a qual os italianos tratam o Senna. Algo triste, mas um canto brasileiro no meio de uma cidade italiana. Diante de tantas lembranças com características bem brasileiras depositadas no lugar, se tivesse âs mãos uma camisa do glorioso Noroeste, lá teria deixado com alguma inscrição sobre o grupo hoje em visita, o time de minha aldeia e é claro, sobre Senna.
DOS BARES DO ALDIR BLANC ÀS TENTATIVAS DE CONHECER ALGUNS ITALIANOS
Queria muito conhecer os botequins italianos e franceses. Ainda frequento alguns no Brasil, mais precisamente em Bauru, a aldeia onde nasci e vivo, mas a diabetes me faz consumir menos nesses lugares. Vou para continuar vivenciando o clima ali existente e não possível em outros lugares. Tentei entrar em alguns aqui na Europa, mas até pelo frio e falta de tempo (turista tem que ver tudo no mais curto espaço de tempo), estou perdendo a oportunidade de comparar e de curtir as dibruras que, com certeza, também devem ocorrer nos daqui. Vou acabar me despedindo do solo europeu com essa decepção. Vejo nos botequins uma espécie de porto seguro, lugar de incontáveis histórias. Aqui, nem sei se conseguiria me integrar, pois o não conhecer a língua nativa também pode ser motivo de distanciamento.
Em viagens como a que faço agora junto de Ana Bia, a companheira de todas as horas, sempre carrego livros. Desta feita carrego um só, o do maior letrista vivo da MPB, Aldir Blanc, “Direto do Balcão” (Ed. Mórula RJ, 2017, 220 páginas), só com crônicas vivenciadas em botequins cariocas, ao estilo etílicas e carregadas da sabedoria do bom bate papo desses lugares. Como exemplo vivo deste destemido amor, escolhi uma frase para exemplificar a minha desapegada leitura de viagem:
“O buteco é o último reduto das palavras. Entre um copo e outro, em meio às cusparadas na serragem, as palavras ainda têm valor no buteco. Um palavrão, dirigido ao goleiro do Vasco ou à mãe de alguém, ainda é uma ofensa. Uma história, mesmo que seja mentirosa (quase todas), tem sabor, ao contrário das declarações de ministros, publicação de faxes e outras desmoralizações. Aviltada por Inocêncios, Sarneys, Fiízas, Mirandas, pastiches de Jeffersons, simulacros de Andrades; coagidas por juristas sempre na contramão do corpo e do espírito das leis; totalmente avacalhada por pregadores, padres, bispos, profetas, conservadores e revolucionários – a palavra resiste na boca sem dentes, na saliva do bêbado, na anedota e no apelido”.
Eu me aproximo dos botequins italianos com aquele olhar de neles ver alguém recostado com os cotovelos num balcão, outro falando alto sobre a eleição se aproximando por aqui, ou mesmo o campeonato italiano de futebol. Não consegui coisa nem outra, enfim nem os botequins consegui ir. Viagens nos obrigam a andar, visitar mais e mais, consumir e parar nesses lugares contemplativos é um luxo. No momento, só olhos para eles e em algumas ocasiões, fotografo, mas com aquela vontade quase irresistível de ir assuntar o que conversam em tom alto. Quanto mais leio as crônicas do Aldir, todas de devotado amor à essa sacrosanta instituição, mais queria tomar conhecimento de alguns daqui, perdidos nas periferias dessas cidades por onde ando. Ana não me deixaria ir em busca de um desses no frio da madrugada italiana, sem nem saber como voltaria capengando pelas ruas tomadas de gelo. Ela ainda insiste em preservar minha integridade. Eu passivamente acato, mas penso neles e em tudo o que deve gravitar no seu entorno.
Encerro com outra frase do mestre Aldir, do livro de cabeceira nessas andanças pela Itália: “Os bares não são apenas o que servem, mas a inesgotável dádiva de seus frequentadores ao humor popular”. Nos bares também se resiste à essa merda imposta ao país hoje como regra de conduta de vida, a de seguir de cabeça baixa o imposto pelo cruel e insano neoliberalismo. Dentro desses ambientes ninguém resiste calado, ali fala-se alto e aos brados, adeptos se aproximam e o papo flui. Não vivo sem eles, mesmo bebendo pouco.
RAVENNA
1.) ARTE NOS TAPUMES NAS RUA DE RAVENNA
O link: https://www.facebook.com/henrique.perazzideaquino/posts/2016139135082752?pnref=story
Um velho mercado sendo reformado e quando da colocação dos tapumes revestindo a obra, a criatividade aflora nos artistas locais de Ravenna, Itália e como uma das paixões de todos por aqui é andar de bicicleta (a cidade é toda plana) eles desenharam várias personalidades famosas, cujas histórias de alguma forma se entrelaçam com a cidade e pedalando. Não resisti e fotografei um por um a forma como foram sendo retratados. Muitos são conhecidos também de todos nós. Um belo trabalho de identificação. Nossa guia tur´sistica, Sílvia, conhecedora de tudo por aqui, ia explicando o que cada personagem teve em comum com a milenar cidade. Arte nas e das ruas é algo encantador, desde que bem feita. Essa é temporária, porém adorável, sensitiva, pulsante e empolgante.
2.) NA CIDADE DOS MOSAICOS, A ESCOLA "KOKO MOSAICO"
O link: https://www.facebook.com/henrique.perazzideaquino/posts/2016157638414235?pnref=story
Em Ravenna, Itália, na via de Roma (todos os caminjos levam a Roma) 136, um estúdio nos faz parar, olhar, entrar e conhecer seus proprietários, Arianna e Gallo. Trata-se do Estúdio e Escola KOKO (www.kokomosaico.com). As fotos dizem do encanto dessa arte milenar e ali diante de nossos olhos, sendo devastada em questão de minutos. Algo mais no site deles, detalhes e dicas para quem gosta de que quebrar pedrinhas e montar um quebra cabeças. Encantamentos para uma vida toda.
3.) UFA! FINALMENTE ENCONTRAMOS ALGO DE UM BRASILEIRO NAS RUAS DE RAVENNA
O link: https://www.facebook.com/henrique.perazzideaquino/posts/2016117898418209?pnref=story
Kobra, o artista plástico, pintor realista das cidades mundo afora já passou por onde estamos, em Ravenna, Itália e aqui fez numa esquina no centro velho da cidade mais um retrato de DANTE, um dos grandes deste país, cuja tumba está localizada a poucos metros do local. É sempre bom cruzar com o Brasil por onde se vá. Encontramos.
OBS.: Quando digo encontrar algo do Brasil, digo de gente deste nosso tempo, pois das antigas, ANITA GARIBALDI é reverenciadoa por aqui e GIUSEPPE GARIBALDI, italiano que lutou no Brasil, é tratado como herói pela luta revolucionário e libertadora empreendida no seu tempo. Esse o Brasil que dignifica os brasileiros
RECONHECIMENTO DE GARIBALDI E ANITA NA ITÁLIA E SEMELHANÇAS COM CHE GUEVARA
Nas andanças por Ravenna, Itália reencontro um dos personagens da história mundial que mais me emociona, Giuseppe GARIBALDI, o revolucionário de dois mundos, pois lutou bravamente na Revolução Farroupilha no sul do pais e depois, na volta para Itália, conseguiu após muitas batalhas, libertar o seu país do jugo da igreja católica. Junto tudo nesse meu texto, a citação do personagem histórico dessa América Latina que mais me toca, Ernesto Che Guevara, também outro revolucionário desses sem pátria, lutando onde ela se fizer necessária e igualmente como Garibaldi, desses homens imprescindíveis, principalmente no mundo de hoje. E na junção da luta de ambos eis algo singular da luta do italiano Garibaldi e confirmada hoje aqui na cidade que o reverencia, sua luta de libertação foi contra o poder exercido na época pelo papa, ou seja, para amainar o poder quase absoluto da igreja católica. Che também lutou desbragadamente contra esse poderio que perverte mentes e torna os homens mais fracos, pois deixam de lutar e passam a crer em algo do outro mundo.
Podem muitos criticar a ambos, mas as lutas desses dois foi algo a colocá-los na história definitivamente. Hoje comprovei na prática, nas andanças por Ravenna o quanto Garibaldi é querido por aqui. Uma historiadora local que me diz, quando comento a semelhança com o latino Che, serem eles revolucionários “criminosos”. Nada contra, pois o criminosos para ambos não é no sentido pejorativo do termo e sim, de algo mais do que necessário. Em momentos da história não existe outra alternativa para se mudar o rumo da situação, a não ser pegando em armas e indo á luta fazer o serviço mais do que necessário. Ambos fizeram isso e para conseguirem seus intentos, mortes pela frente. Do contrário, nada fariam. Daí o termo revolucionários “criminosos” ser algo muito bem assimilado pela História. Vá perguntar para um italiano se o que Garibaldi fez não era o necessário e faça o mesmo no caso dos cubanos para com Cuba.
Momumentos estão espalhados por toda Itália a reverenciar Garibaldi e aqui em Ravenna, onde me encontro, percorrendo hoje suas ruas, vejo alguns deles e o primeiro em todo o planeta, exatamente dez anos após sua morte. Junto à Garibaldi, algo a enaltecer o Brasil, pois quando ele lutou em nosso país, trouxe consigo Anita, que veio a morrer de malária em seus braços. Uma praça bem no meio da cidade a reverencia e todos por aqui sabem de cor a história da revolucionária de Laguna (será que os brasileiros conhecem sua história...). Ao tirar fotos numa praça, puxo conversa e o interlocutor me diz serem centenas as homenagens a eles mundo afora. “Tem até uma rua em Moscou, outra em Praga e assim por diante”, me diz. Circulei muito hoje por museus e igrejas e na qualidade de ateu ouvi uma explicação sobre isso de visitar igrejas mundo afora e ela me satisfez: “Vá a elas, principalmente as históricas, como as daqui, com mais de mil anos como se entrasse num museu e não num templo. As entenda desta forma, pois é assim que precisam ser entendidas e extraia delas a ampliação do seu conhecimento”.
Ravenna é uma das poucas cidades do período bizantino conseguindo preservar muito dos seus templos, museus e peças históricas. A explicação ouvi da guia turística a nos levar pelos templos cheios de peças milenares: “Ravenna foi durante um período centro das atenções e depois foi esquecida, permaneceu isolada e desta forma seus tesouros não foram objeto da cobiça, do saque e da destruição. Passou incólume por permanecer por longo período longe dos olhos mundo e isso a salvou”. São observações que vou juntando, como a da mesma guia, profunda conhecedora da história de sua cidade: “Quanto mais estudo sobre religião, mais ateia fico”. Falávamos disso na rua, quando assim do nada, me deparo, depois de ver tantos monumentos para Garibaldi e Anita com uma inscrição numa parede no centro velho e histórico da cidade e isso me encheu de orgulho. Lá estava um “Che vive”. Ganhei o dia com esses dois e se já gostava de ambos, agora gosto mais ainda.
BRASIL DESACREDITADO NÃO É POR CAUSA DA AVALIAÇÃO DOS TAIS MERCADOS
A manchete do Jornal da Cidade de ontem, sexta, 23, é o que se pode chamar de uma “faca de dois gumes”: “Agência de classificação rebaixa nota do Brasil e culpa Previdência” (https://www.jcnet.com.br/…/agencia-de-classificacao-rebaixa…). Em primeiro lugar ela atende aos interesses dos atuais golpistas no poder, os que estão destruindo o país no mais curto espaço de tempo em toda nossa história. Favorecer aos interesses dos que dilapidam os reais interesses nacionais é, ao mesmo tempo, um sinal de estar alinhado a tudo o que vem sendo feito. Ponto. Não entro em mais detalhes de quem contribui mais ou menos, quem se vende a esses interesses, quem se cala diante das maldades, quem participa e mesmo se beneficia. Enfim, mais do que evidente que o país que temos hoje é infinitamente pior do que o que tínhamos ou éramos uma década atrás. O outro gume da faca é o que enobreceria qualquer publicação, ou seja, contar a verdade. E a verdade é desdizer dessa besteira de se dar importância para as avaliações dessas agências de classificação de risco.
Elas existem para enaltecer as leis do mercado e só isso, nada mais. Desprezíveis para tudo o mais. São financiadas pelos barões do mercado para servir aos seus interesses. Só isso já as desmerecem e as desacreditam, mas em países como o nosso, onde o neoliberalismo chegou ao poder através de um golpe e a mídia está toda atuando em casado acordo com o bando no poder, essas pululam nas manchetes e os tais rebaixamentos são acontecimentos, tudo para que o cerco se feche, a corda no pescoço do país não se afrouxe um só segundo. Crueldade é com eles mesmos. Em países ditos sérios, essas agências não dão as cartas, aliás, não existem como formadoras de opinião.
A bola da vez com esse bestial anúncio surge exatamente depois da inviabilização da aprovação da reforma da Previdência nos moldes como o bando de Temer estava pronto para impor ao país. Não conseguiram e com a prorrogação (o ministro Meirelles já aventa talvez aprovação somente para o ano que vem), eis que quase no mesmo instante a divulgação de mais um rebaixamento do país. Cai nessa quer quer e quem torce para um Brasil cada vez mais submisso e envolto nas tais leis indissolúveis do mercado, uma que o tornará cada vez mais submisso e subserviente aos interesses estrangeiros, principalmente dos grandes conglomerados internacionais, os que manipulam as tais agências.
A fala do senador Roberto Requião, último remanescente de um PMDB palatável, futuro candidato ao governo do Paraná é o freio que medidas de expropriação de bens públicos como essa precisam ter, principalmente no quesito privatizações. Sua declaração é a de todo político sensato e realmente pensando num país soberano. “Investidores, não comprem ações da Copel, Sanepar, na privatização de empresas públicas do Paraná, porque essa patifaria será revertida”. O mesmo deveria ser dito e já quanto as tais reformas da Previdência e da Legislação Trabalhista, ditas por Lula e por todos os candidatos à presidência que se opõe às leis de mercado como condutoras de tudo. O fato é somente um e está bem claro para quem quiser ver, ouvir ou falar: ser rebaixado ou subir na cotação dessas agências é o mesmo que continuar dizendo amém para quem lhe crava a faca nos costados. Enfim, o que é bom para o mercado, não o é para a maioria da população brasileira. O descrédito do Brasil é bem outro e reside justamente nas ações desse desGoverno Golpista do temerista inepto e chefe de uma verdadeira quadrilha a saquear o país.
FEIRA NO INTERIOR DA ITÁLIA, EM LUGO - ENCANTO PARA OLHOS E OUVIDOS
Conhecer a Itália primeiro pelas entranhas e depois seus pontos turísticos e quetais, eis meu propósito. Nada como estar aqui, sujando o pé de lama e gastando sola de sapato em cidades de menor tamanho, mas ricas de uma intensa e pulsante história. No roteiro seguido, um novo contato a cada dia, uma nova andança, uma nova aldeia, vilarejo, distrito, fração de mediana cidade e daí, a possibilidade de verdadeiramente tomar conhecimento de um outro país bem diferente do visto nos cartões postais. Não viajo para tirar fotos ao lado de monumentos rodeados de outros turistas. Gosto da periferia, dos lugares mais simples, onde possa travar contato com gente do povo, prosear com os que labutam, batalham diariamente pelo ganha pão e disso tudo extraio a história que me move, a dos personagens Lado B, daqui ou de alhures.
Na quarta passada, 21, fomos até LUGO e lá na sua praça central, homenageando o grande Giuseppe Garibaldi (um verdadeiro e original revolucionário da cepa de Che Guevara, lutando pelas liberdades primeiro no Brasil e depois na sua Itália), uma feira a reunir toda a região. Ela acontece nesse lugar só às quartas e ali de tudo um pouco. Me disseram das roupas vendidas pelos comerciantes muçulmanos (principalmente marroquinhos e também de outras partes do Oriente Médio), alguns chineses e é claro, italianos. Calças a dois euros e daí por diante. Encontrei preciosidades e volto o mais enxadrezado possível, sem seguir tendência nenhuma senão a da minha cabeça e a do meu bolso. Enquanto a movimentação toma conta do lugar eu fico no meio da barbúrdia, igual a alguém perdido no tempo e no espaço, olhando como quem não quer nada para a face das pessoas, tentando entender o diálogo numa língua mais estranha do que a própria italiana. Fico um tempo encostado numa parede ou mesmo num poste e comos olhos fixos em cenas urbanas é como a própria dilapidação, as disseco.
Se não consigo conversar com eles todos, os ricos personagens desta babilônia mundial, ao menos ainda posso vê-los e imaginar suas histórias, não só de vida, mas a de labuta. Como alguém pode sair de um lugar tão distante para ir conseguir ganhar a vida noutro lugar, cultura bem diferente da sua e ali se juntando a outros como ele, formando uma comunidade estranha dentro de um mundo diferente do seu. As rodas de mulheres muçulmanas me encantam e como conversam, animadamente, em voz muita alta, até porque possuem a certeza de que poucos entenderão de fato o que falam. O chinês é mais contido, fala pouco, mas sabe ser comerciante como poucos. Esse chegam e compram seus pontos no dinheiro, o trazem vivo e em espécie, pagam tudo de uma só vez e assim ocupam novos espaços mundo afora. Dos italianos, todos bons de conversa, bigodudos até não mais poder, contam piadas, bricam e instigam, provocadores por natureza.
Percebo que a convivência não é das mais pacíficas, mas ela ocorre dentro da normalidade. Ninguém se excede, ninguém eleva o tom. Nas bancas de marroquinos, só gente dessa nacionalidade trabalhando e na dos italianos, eles sim, dando emprego para outros, principalmente refugiados e africanos de todos os lugares. Vejo muito desses espalhados pelas cidades todas, trabalhando principalmente em trabalhos menores, como guardadores de veículos em estacionamentos e carregadores de caixas e cestas dos feirantes e compradores, enfim braçais ou o que surge para ser feito. Uma só pessoa me pediu esmola e não vi durante toda a manhã ninguém mendigando pelas ruas. Na feira, a mesma balburdia das nossas, cada uma ao seu modo e jeito, exercitando uma linguagem universal de vender em voz alta, oferecer o produto aos brados. Por onde circulei, predominou o burburinho e eu fui registrando muito do que vi, faces que não quero expor, mas me encantaram. Tento entender as leis de convivência aqui estabelecidas a possibilitar todos estarem juntos e sem buscar explicações, mais observei do que fui me informar. Meu tempo por aqui é escasso.
Feira é a vida de uma cidade, em Bauru, Lugo ou em qualquer outro lugar mundo afora. Imagino em Calcutá como deve ser. Nessa, me dizem, muitos comerciantes são nômades, circulam de cidade em cidade, cada dia numa, num roetiro pré-estabelecido, onde a cada novo dia estão numa nova praça e com clientela renovada. Conheci a de Lugo e no sábado vou conhecer outra, a de Ravenna, também com algo a encantar meus ouvidos e bolsos, roupas por preços baratinhos, na faixa dos dois euros. Vou com meus caraminguás contados e pronto para não só trazer algo pelo qual nunca mais me esquecerei de onde o adquiri, mas não só isso. O mais importante é circular no meio dessa única possibilidade de estar nas ruas, ver gente de nacionalidades bem diferentes da minha e ali, naquele lugar ver pessoas que nunca mais terei novamente a oportunidade de rever, todas circulando pelos mesmos motivos que os meus. Durmo pensando nas andanças que farei amanhã, tão logo o dia clarear. Feiras me oxigenam.
A DIFERENÇA DE FAZENDA E FAZENDEIRO ENTRE ITÁLIA E O BRASIL
Dentro do capitalismo nada é perfeito e disso até as pedras do reino mineral tem conhecimento. Imperfeição e ampliação das desigualdades é o padrão. O que ocorre na Itália difere do Brasil, mas em nenhuma das situações enxergo a solução definitiva para a questão fundiária, porém não nego a daqui melhor que a do meu país. Estou instalado numa região da província de Ravenna, na Itália, mais propriamente em sua zona rural e algo perceptível a olho nu é como são denominados os pequenos proprietários rurais, todos aqui chamados de “fazendeiros”.
Nisto uma grande diferença do Brasil. Circulando de carro pela região, não observei até agora grandes propriedades rurais, todas de pequeno porte, ao estilo dos pequenos sítios brasileiros. Em cada uma um casarão, quase sempre de dois andares, um barracão ao lado e no seu entorno a plantação. Nessa região o predomínio é por vinhedos, mas são também famosos pelo cultivo de frutas, desde maçãs, pêssegos até tâmaras. Franco Mazzotti, quem hospeda a mim, Ana Bia e Ana Rebello me explica: “Na Itália também existem os grandes proprietários rurais, mas o predomínio é por gente igual a mim, todos relativamente pequenos, uns mais outros menos. A grande diferença que vejo com os grandes proprietários brasileiros é que aqui, todos trabalham na sua propriedade. Todos estão à frente das atividades em sua terra, pegam no pesado o tempo todo, isso é da nossa cultura”.
O cenário é exatamente este por onde ande. A plantação e a casa com o barracão, tudo numa sequência que me faz lembrar os loteamentos dos atuais assentamentos rurais brasileiros, como é feito com os denominados sem-terra. Neles, além do cultivo principal, uma espécie de horta, onde se planta de tudo um pouco. A maioria do que eles consomem de comida é plantado por eles próprios. Franco é um ótimo exemplo, levanta 6h da manhã e mesmo durante o inverno, aqui muito rigoroso, não deixa de estar diariamente em sua pequena propriedade, cuidando pessoalmente de sua plantação. Já teve animais, principalmente porcos, mas hoje se restringe à uva. Frutas e legumes variados, esses só para consumo próprio. Quem circula pelas estradas entre as muitas vilas dá de cara com esse cenário, um atrás do outro e isso é bem diferente do Brasil. Não vejo por aqui áreas sem nenhuma espécie de plantação sendo cultivada. Tudo muito bem ocupado.
Claro, levo em consideração ser a Itália muito menor que o Brasil e nem sei se isso aqui vislumbrado pode ser considerado uma espécie de reforma agrária, mas essa divisão estabelecida me faz pensar como poderíamos ser uma nação mais justa com tudo melhor dividido e com a imensidão de terra improdutiva distribuída nas mãos de pessoas como o fazendeiro italiano Franco, com uma dedicação exclusiva para o trato com o seu pedaço de terra. O que faz, me diz, vem desde os tempos de seus avós, algo passado de pai para filho. Não sinto aqui a avidez deles por ter mais terras, pois isso também dificultaria o trato, o cuidado dado. Muito comum ver um ajudando o outro na colheita, a safra do vizinho, ainda mais quando ocorre em épocas diferentes.
O fazendeiro daqui da Itália, algo inimaginável no Brasil. Eis mais uma de nossas atávicas diferenças. Nenhum deles aqui é rico, mas com o suor de sua labuta seguem com uma vida das mais dignas, uma casa confortável, um bom veículo na garagem e uma boa renda. Os vejo e os sinto felizes.
COMO SE DÁ UMA REFORMA OU RESTAURO DE IMÓVEL NA ITÁLIA
Neste terceiro dia na região de Ravenna, Itália, muita chuva e frio. Nem isso nos impede de perambular, bater perna e inquieto vou me inteirando do modo de vida italiano. Desde o inicio algo me intrigou, a quantidade de imóveis antigos em estado de pré-abandono. Fui saber dos motivos e isso tem tudo a ver em como se dá a preservação do patrimônio em solo italiano. Antes disso conto uma historinha bem bauruense, ainda dos tempos quando presidia o CODEPAC – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico e Cultural de Bauru, 2001-2004. Ela demonstra como se dá o entendimento por parte dos proprietários de imóveis tombados pelo patrimônio histórico na maioria das cidades brasileiras.
Estávamos para tombar um imóvel dos mais importantes para a preservação da memória do patrimônio bauruense e o impasse pendente residia no fato dos proprietários serem contrários ao tombamento. Foi proposto uma reunião com os proprietários e nela, a futura herdeira foi bem explicita: “Viajo constantemente para a Europa e acho lindo ver aqueles imóveis antigos preservados. Lá sim eles merecem serem tombados, aqui não tem sentido. Quero fazer do meu o que bem entender”. O dito imóvel não foi tombado, mas foi conseguido as duras penas que, sua fachada fosse preservada. Um pequeno alento para quem trata da questão no Brasil. Hoje, passados menos de 15 anos, nem CODEPAC existe mais e o abandono é a mola mestra do procedimento para a questão na terra do sanduíche (que também não foi tombado).
Volto para a Europa, mais precisamente na Itália e do que ouvi sobre uma quantidade muito grande de imóveis antigos e históricos, algo bem diferente do Brasil. Quem possui imóvel antigo por aqui está impossibilitado de fazer qualquer alteração sem prévia alteração. O procedimento é o seguinte: de início um profissional da área, arquiteto é contratado para fazer um orçamento do que será feito, reforma ou restauro, imóvel antigo ou novo. Ele já sabe o que pode e o que não pode ser feito, dependendo do aspecto, idade e importância do imóvel. Informa ao cliente o orçamento dentro dessa diferenciação e sendo um antigo, somente material, tinta e um real trabalho de restauro, não de simples reforma. O projeto é enviado para o órgão competente de cada Prefeitura e ela autoriza ou não sua realização.Custos muito diferenciados de um para outro.
Vejo que também por aqui existe alguma chiadeira, mas não nego, uma maior compreensão do proprietário em ser dono de algo com valor histórico. Aqui não existe meio termo, sendo histórico, existe um prévio impedimento de se derrubar e em seu lugar ser levantado algo, por exemplo, moderno. Inconcebível e sem negociação algo nesse sentido. As multas são bem elevadas para quem foge do que é convencionalmente uma norma inquebrantável. Ninguém se atreve a fazer algo fora dos padrões estabelecidos. Daí vejo muitos imóveis antigos, fechados e com algumas construções modernas ao lado. Peço explicação e ouço que, na maioria das vezes o restauro fica mais caro do que se levantar um novo. O proprietário levanta um novo e depois, com o tempo, faz o restauro, mas não toca em nada sem ter autorização para fazê-lo.
Nas muitas vilas, províncias, distritos, aldeias e quetais por onde ando por aqui pipocam casas nessas condições e com a publicação de algumas fotos como exemplo, ressalto e tento comparar a legislação existente na Itália e no Brasil. Pelo que vi, por aqui, não existe o tal jeitinho, o que já é um baita avanço. Não conversei com proprietários dessas casas com valor histórico até o momento, mas o fiz com outros e vejo que, o endurecimento aqui não se dá somente para os com um imóvel histórico, mas com todos. Pelo menos aqui nesse pedaço de solo italiano nada ouvi sobre incentivos para o restauro, mas vejo também uma quantidade muito grande de museus em cada vilarejo e por tratar-se de região milenar, muita coisa preservada e protegida (hoje visitei um sítio arqueológico da época romana). O que salta aos olhos é quando na comparação, por exemplo, com a citação feita do caso bauruense, o proprietário do imóvel não faria livremente o que fez sem ter no seu encalço uma coercitiva fiscalização e punição. Infelizmente, no nosso caso ainda predomina o “sabe com quem está falando”. Passam por cima de qualquer possibilidade de se estabelecer uma legislação séria sobre a questão. E a preservação do Patrimônio Histórico como será que anda em Bauru, alguém poderia me informar algo a respeito...
OBS.: Nas fotos alguns exemplos desses imóveis considerados antigos ou históricos por aqui.
COMO UMA COMUNIDADE RURAL ITALIANA RESOLVE PARTE DE SEUS PROBLEMAS
Aqui no interior da Itália, de onde me encontro nesse momento, acabo de observar algo encantador das relações entre autoridades e uma comunidade rural. Estou na região da Romagna, a que compreende Ravenna e Forli-Cesana, mais Rimini, parte de Bologna até Imola, parte de Firenze até Marrade e por fim Montefetro. Mas precisamente me encontro na província de Ravenna, numa fração, pequena localidade denominada como Amonite. O que mais me encantou por aqui foi tomar conhecimento de ser essa região denominada como as “regiões vermelhas” da Itália, sob o domínio do atual partido político no Governo, o PD – Partido Democrático, também denominado como “centro-sinistra (esquerda)”. Cai sem querer num conhecido reduto esquerdista europeu.
Conviver por duas semanas disso tudo é mais que um privilégio, rara oportunidade de tomar conhecimento de como se dá o processo da vida rural num país do denominado Primeiro Mundo europeu. Eu, na qualidade de descendente de italianos, os Perazzi, cá estou, sem saber uma só palavra do idioma, mas conseguindo captar muito, isso devido à hospitalidade de um casal, Franco Mazzotti, pequeno fazendeiro nessa região, casado com a brasileira Rosangela Mazzotti, carioca como minha Ana Bia. Falamos em português o tempo todo e pergunto muito, instigo, questiono e assim vou tomando conhecimento de detalhes da vida dos pequenos centros urbanos italianos. Todos os pquenos agricultores daqui são denominados de fazendeiros, diferentemente do termo no Brasil, quando são assim chamados somente os com extensas áreas de terras. Aqui, outra diferença, todos esses plantam e estão à frente de suas propriedades, colocam a mão na massa.
Ontem, segunda-feira, vamos todos para algo que só acontece por aqui durante o Inverno. Somente às segundas, por alguns meses uma grande concentração de pessoas se dirige das 18h em diante num lugar específico e produzem algo dentro do que de melhor pode existir de encantamento nas atividades dos seres humanos, a real confirmação de que “a união faz a força”. Em sua imensa maioria pequenos agricultores, cada um com sua propriedade, heranças de longa data, demonstram como pode ser feito algo de concreto para viabilizar melhorias para a comunidade sem o auxílio do Estado.
O estado italiano provém o básico, mas eles não esperam que tudo venha dessa forma. “Nem tudo o que é preciso é conseguido. Corrupção existe em todo lugar e aqui não é diferente. O que fazemos é buscarmos juntos recursos para fazer o algo mais, aquilo que, com certeza, não seria provido com o dinheiro estatal”, explica Franco, meu anfitrião. Vamos todos para um evento, algo onde toda a comunidade se dirige nesses dias, um jantar arrecadatório patrocinado pelo Grupo Cangina, uma espécie de associação, onde aproximadamente 70 voluntários produzem um grande jantar, com o preço fixo de 12 euros por cabeça. Nele se bebe vinho da região, come-se carne de porco de vaca, macarrão como entrada e doces também produzidos por eles. O sistema é simples, cada família ou grupo ao chegar pega uma senha e num salão aquecido na entrada aguardam serem chamados para adentrarem ao banquete. E ao final jogam "tomboleta", uma espécie de bingo.
Quando entram tudo é servido de forma farta e repetem-se os pratos quantas vezes for suficiente para satisfazer a todos. Regras básicas são seguidas por todos e uma longa fila de espera ocorre, com todos esperando num salão ao som de música italiana. Ali todo tipo de reencontro é possível e as conversas giram basicamente sobre a produção de cada agricultor, a safra, as inteméries da natureza (nevou dias atrás) e também sobre o destino do dinheiro arrecadado, ou seja, onde vai ser empregado a arrecadação desta e de todos os próximos encontros semanais. Ninguém fura fila e quem não chega cedo, sabe que esperará um pouco mais, mas também conversará mais dentre tantos conhecidos. Na fisionomia de todos, algo de muita alegria e contentamento.
A casa sempre cheia, como nesta última segunda, quando a temperatura estava próxima dos dois graus positivos. Quando o grupo onde me encontrava saciou a fome e se retirou do local já eram mais de 22h30 e na sala de espera, ainda tinham umas 80 pessoas esperando serem atendidos. No de bingo, outro salão, mais de cem se divertiam. A música rolava solta e o burburinho alto, espantando o frio. Sai do local tentando entender o que vinha a ser de fato aquela reunião. Franco no caminho de volta para sua residência me explica e respondendo todas minhas perguntas. Diz que o grupo já fez de tudo um pouco na região, desde quadra esportiva para jovens, com vestuário e tudo, como projetos coletivos em locais escolhidos a dedo, além de cursos, palestras, oficinas, eventos e doações assistenciais. Escolhem algo que entendam necessite ser feito e tendo a certeza de que o Estado italiano não os proverá com sua realização, destinam tudo para essa finalidade.
Percebo eles todos terem plena consciência de que o Estado não consegue suprir tudo o que necessitam. Continuam cobrando e muito dele para tantas outras coisas, mas fazem um algo mais e com as próprias pernas e mãos. Foi lindo ver como conseguem, como se mostram unidos em seus objetivos, comprovando algo encantador, o das possibilidades da atuação coletiva. A região toda, por ser considerada a mais a esquerda italiana, mantém acesa a chama de um coletivismo gostoso de ser visto na sua praticidade. Nas paredes do lugar, as regras publicadas da comilança, onde arrecadam e em outros cartazes, todos os lugares onde o dinheiro é destinado. Conhecer uma experiência como essa, com uma engenharia tão rica de detalhes, com cada peça girando tão magistralmente bem, cada um com aquele sentimento de doação e de dever cumprido para com o lugar onde mora, para com seus semelhantes é algo calando fundo num forasteiro, tomando conhecimento de tudo somente ao chegar no local. Cai dentro de uma bela experiência humana e me senti na obrigação de passar a ideia assimilada adiante. É o que faço neste momento.
HPA - Amonnite, Itália, terça-feira, 20 de fevereiro de 2018.
BOUQUINISTES NA BEIRADA DO RIO SENA
Quem gosta de livros, leituras variadas e múltiplas quando num lugar diferente, uma das primeiras coisas que faz, muito além de comer, beber e ver onde vai se instalar é ir em busca do seu objeto de prazer. No meu são livros e um lugar onde sempre quiz conhecer, se um dia viesse em Paris são os BOUQUINISTES, os históricos e antológicos livreiros na beirada do rio Sena. Tinha lido muito sobre a forma inusitada como sobreviveram a tudo, inclusive ao tempo e às intempéries da natureza. Em antológicas fotos, aquilo deles exporem seus livros em pequenas bancas, muitas sofrendo todo tipo de ação, a pior delas a da chuva é algo desse maravilhamento propiciado somente pelo amor à leitura. Aquele amontoado de livros, resistindo ao mofo de um lugar não tão apropriado, com fiéis e ávidos leitores no seu entorno me fazia querer mais e mais conhecer, não só o lugar, como os tais livreiros.
No último domingo realizei meu sonho, quando junto de Ana Bia fomos perambular pelas imediações do Sena. Com um frio dos mais intensos (nem demos bola para ele), caminhamos muito, nos perdemos em muitas viagens de metrô, saltando de uma estação a outra, tudo seguindo um roteiro de perdição dentro de nossas cabeças, bem longe dos famosos pontos turísticos, os tais que todos turistas precisam e devem conhecer em Paris (fugimos deles). Chegamos na tal beirada do rio Sena e quando me vi diante dos bouquinistes, os tais livreiros, embasbacado, boquiaberto e em extado de puro êxtase, passei a percorrer cada milímetro com o que ainda me resta de visão e mesmo não tendo encontrado por lá os tais livros, sai de lá plenamente satisfeito.
Conto algo mais da visita. Para minha decepção, os bouquinistes não mais vendem livros e sim pequenas lembranças de Paris. Se achei livros por lá, foram algo para se contar nos dedos. Da decepção, passo a entender dos motivos. Vivemos nesse mundo onde o negócio é dar certo, vender, auferir lucros e dentro desse espírito, o negócio de livros antigos, ou mesmo um sebo na beirada do rio mais famoso da França é algo romântico, mas devia ser uma penúria financeira. Daí, concluo eu, os herdeitos ou os que vieram na sequência dos velhos, arrojados, desbravadores, persistentes e antológicos bouquinistes não resistiram e mudaram de ramo. Deixaram os livros de lado e foram todos em buca de algo mais lucrativo. Vendem de tudo para o turista, aquele sempre ávido por trazer uma recordação da bela cidade. Quem hoje ainda viaja e nada trás de recuerdos banais, imãs de geladeira e afins. Todos, inclusive eu. Vasculhei tudo, principalmente a estrutura das barracas, como são fixadas na lateral, a murada do rio, mas não tive coragem suficiente para trazer nada dali. Fossem livros traRia alguns, mesmo nada lendo em francês (tive aulas no Ginásio, mas isso já faz tanto tempo).
Pelo sim, pelo não, conheci os tais bouquinistes. Missão cumprida.