LOYOLA, A ESTAÇÃO E UMA PALESTRA
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O escritor é nascido em Araraquara e seu pai foi ferroviário da antiga Araraquarense, numa época em que por esses lados, eram raríssimos as famílias que não possuiam muitos dos seus trabalhando na ferrovia. Daí o forte laço com os trilhos, tendo tudo a ver com Bauru, o famoso entroncamento de três importantes ferrovias brasileiras: Sorocabana, Noroeste e Paulista (depois FEPASA). E por causa desse cruzamento de variados trilhos e alguns parentes residindo por aqui, as vindas foram mais do que frequentes. Nessas viagens, a passagem obrigatória pela "mais bonita estação de todo o interior paulista", como ele mesmo fez questão de enfatizar num dos escritos cheios de saudade, referindo-se a Estação da Noroeste do Brasil, encravada no centro da cidade. Chegou a formular algumas perguntas: "O que terá sido feito dela? Foi recuperada? Continuaria fechada e abandonada?"
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Mesmo já tendo a resposta por relatos escritos, faltava um conferência in loco. E isso finalmente ocorre, quando o escritor é o convidado de honra da 8ª Feira do Livro Infantil, promoção da Secretaria Municipal de Cultura de Bauru, para uma palestra a professores na manhã de quarta, 16/04. Estando na cidade, nada como trazê-lo à estação, vendo com os próprios olhos o estado atual da bela edificação histórica. E assim foi feito. Leitor de seus textos, consigo seu e-mail e faço o contato imediato: "Estamos cheios de expectativa de que encontre tempo para um bate-papo lá nos trilhos, revendo histórias e conhecendo mais algumas das nossas". A resposta foi quase imediata e após alguns vais-e-vens a batida de martelo: "Que tal nos encontrarmos às 8h (levanto cedo) e irmos na estação. Em seguida você me entrega no auditório onde vou falar".
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Tudo estava acertado. Ligo na terça à noite e me é feita uma última pergunta: "Acorda cedo?". Respondo positivamente e ele engata: "Nova mudança, quarta, 9h15 terei de dar entrevista coletiva. Poderíamos, se não for muito cedo para você nos encontrarmos às 7h30". No horário, lá estava e em algo bem reservado, sem alarde, conforme seu pedido. Foi ouvindo meu relato da situação, repetindo o que havia lhe passado por escrito. A pendenga trabalhista do Governo FHC com os ferroviários foi quitada com a entrega do prédio para eles, um enorme elefante branco ("vários elefantes", ele me diz). Após várias tentativas de venda, no ínício desse mandato, a Prefeitura Municipal inicia processo de desapropriação e está prestes a adquirir o imóvel para instalar ali a Secretaria de Educação. Alegando prioridade, o Grupo Marca, pede que a Prefeitura reveja o processo. Isso é feito e passado mais alguns anos, entregam os pontos, sem nada de concreto. Quer dizer, inviabilizaram sua compra e não o venderam, pois no final desse mandato, a Prefeitura não mais comprará o mesmo nesse momento. Uma grande desolação para toda uma cidade.
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Ele ouve tudo atentamente e iniciamos um passeio pelo local. Começamos pelo Museu Ferroviário, aberto mais cedo nesse dia por Válter Tomás Ferreira, chefe do mesmo e um cicerone dos mais dedicados, explicando em detalhes tudo o que lhe era perguntado. Loyola não contém a emoção ao tocar os cardápios da Paulista e da Noroeste, numa réplica de mesa de uma vagão restaurante. Coloca um quepe da Paulista e se deixa fotografar com ele e ao lado de um boneco de um ferroviário da época da construção da ferrovia. Na área externa, adentra um meio vagão exposto num jardim interno e novamente posa para fotos, dessa vez na janelinha. Foi quando ouvimos um elogio marcante: "O museu daqui está muito bem montado, diferente do que acontece em Araraquara. O trabalhador está representado. Lá, nada foi para a frente. Não vingou".
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Quando estava no café, chegam os demais funcionários e com ele um colaborador, Darcy Rodrigues,que ao vê-lo diz: "Você não deve se lembrar de mim, mas estivemos juntos numa viagem de Cuba à Cidade do Panamá, quando de um encontro de escritores, coisa de mais de 30 anos". Darcy, participante da luta armada ao lado de Carlos Lamarca encontrava-se exilado na ilha e foi ao encontro dos brasileiros ilustres. Trocam gentilezas e a conversa continua com o quarteto indo conhecer a estação, por uma entrada interna do museu, com acesso direto na plataforma. O impacto foi inevitável, pois o estado do local não é bom, porém, foi sendo preenchido com boas recordações. Ao entrar no hall, todo cheio de lixo, proveninte de mendigos que dormem em sua porta e diante de um luminoso para venda de bilhetes exclama: "Não deixem eles retirarem isso, por favor!". Diante das locomotivas, Vanderléia (com uma saia justa na frente) e a Russa (feita para a neve siberiana), ambas aguardando restauro, permanecemos um certo tempo em silêncio.
No retorno ao museu, compra um livro (As curvas do trem e os meandros do poder – O nascimento da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, de Paulo Roberto Queiróz), ganha de brinde um CD (fotos ferroviárias e filme sobre o Trem do Pantanal), deixando seu nome no livro de visitas. O tempo nos faz sermos rápidos, não sem antes algumas fotos diante da estação, na praça Machado de Mello. Sentado num banco, lembra algo ali ocorrido nos anos 60: "Cheguei num horário, para aqui participar de um Festival de Cinema e fiquei esperando num banco a chegada do próximo trem, aquele que traria minha amiga, a atriz Joana Fom. Revivi isso tudo nesse momento". Pede para tirar uma foto como recordação. De lá, no caminho para a palestra me pergunta se conheço uma pessoa, um bauruense, que havia sido seu vizinho paulistano no final dos anos 70. Quando menciona o nome, Percy Coppieters (amigo em comum), um artista plástico e pintor de telas, passamos em frente de sua casa, sem tempo para uma parada. Logo mais estamos no Alameda Quality Center, o local do evento. Na chegada, uma breve caminhada pelos stands e a entrevista coletiva, onde predominavam jornalistas e fotógrafas mulheres. Foi exato no horário e às 10h estava diante da platéia, numa ampla sala de cinema no local.
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Para a abertura, pede a quem fará o cerimonial: "Não me cite como brilhante, ilustre ou qualquer coisa do gênero, pois levanto e vou embora". Não foi e encanta a todos por aproximadamente uma hora e meia. Enquanto isso, saio em disparada para buscar Percy. Quando volto com ele, chegamos em tempo para ouvir emocionados alguns de seus relatos, como o da mulher que matou um ipê porque sujava de folhas sua calçada, a do homem que idolatrava o carro e o lustrava mais do que a própria mulher e a de um outro que pega um controle de TV e finge falar ao celular. "Estão cada vez mais loucos e nem percebem", conclui. O fato é que tudo passa a ser motivo para suas crônicas e para tanto, um caderno de anotações (da Tilibra, de Bauru) é seu amigo mais do que inseparável, reduto de anotações diárias. Explica o processo de criação das crônicas e do texto: "Tem que colocar a realidade e autenticidade no texto, para não ficar falso. A literatura fornece os elementos para a história futura. Literatura é imaginação, memória". Conta mais histórias, todas retratadas em suas crônicas e faz alguns desabafos: "a missa de todo paulistano no final de semana é lavar seu carro. Eu não tenho carro, ando a pé, de ônibus, de táxi e sem celular. Eu não quero ser encontrado, eu quero encontrar as pessoas. E não gosto de explicação, gosto de mistério. Ouço muito e em certos momentos chego a entrar no mesmo comprimento de onda das pessoas".
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Por fim, conta uma história acontecida com Auzeni, uma baiana que trabalha em sua casa, em São Paulo há mais de 30 anos. Sua esposa havia se trancado no banheiro e não conseguia sair. Estava presa e gritava por Auzeni, em altos brados. Quando consegue sair, a indaga se não a ouvia e dos motivos de não responder. Ela, muito simples, achando-se sózinha em casa, responde: "Sózinha, quando ouvimos gente chamando pelo nosso nome não devemos responder, pois é a morte a nos chamar. Sai morte que eu sou mais forte". Isso prova que a crônica pode estar em todos os lugares, inclusive dentro de nossa própria casa. Os abraços finais foram intensos e Percy lhe entrega um quadro de presente. Fomos saindo devagar, com aquele gostinho de "quero mais" bem latente. O público saiu dali um pouco mais feliz e Ignácio de Loyola Brandão segue para o almoço, com o pessoal da Tilibra e para seu próximo compromisso.
Henrique Perazzi de Aquino, escrito na correria em 17/04/2008
3 comentários:
NOS TEMPOS "BRABOS"
A IRMÃ ELVIRA ABRIU A USC PARA QUE ELE
FIZESSE PALESTRA.
GOSTO MUITO DELE.
ABRAÇOS.
MURICY
Olá Henrique,
Gosto muito dos seus relatos. Vc já pensou em reuní-los para um publicação?
Um forte abraço,
João - CUT BAURU
Henrique, meu carissimo de longa data tambem, tanto quanto Loyola. Existem coisas que apenas com o coração podemos expressar nas mais suaves pinceladas. Esse homem, o Loyola, é uma lenda, uma dessas pessoas que garimpamos na vida e levamos pela eternidade. Participei de um momento muito importante na vida do Loyola e daí vem essa amizade, esse carinho, respeito mutuo .
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