domingo, 16 de fevereiro de 2014

AMIGOS DO PEITO (87)


THEREZA YOSHINO, UMA VELHINHA NAS PARADAS DE SUCESSO E UM PROVÁVEL FIO DA MEADA NO CASO DA MORTE DO JAPONÊS ANDARILHO
Gente que não para nunca é para estimular qualquer mente cansada, querendo desistir de fazer coisas, de ir à luta e lutar por seus objetivos. Ainda mais quando essas pessoas já passaram dos 70 e tanto de idade e continuam, sem pestanejar, saindo ás ruas e expondo suas carinhas, sem medo de serem felizes. Ontem, revi uma dessas, corajosa como poucos e escrevo umas poucas linhas dela aqui e agora.


THEREZA YOSHINO já passou dos 70, não gosta de revelar a idade para qualquer um, professora aposentada, “catedrática”, como gosta de salientar, o que para ela significa ter sido “concursada”. Começou dando aulas lá nas barrancas do Paraná até conseguir vir para sua Bauru. Solteira convicta, não gosta de viver entre amarras e nem de ficar presa entre quatro paredes. Vive nas ruas, andando como pode (quase sempre de ônibus), mas não deixando de ir onde algo estiver acontecendo e ela ache que lá precise estar. Na noite de ontem estava, 23h30 no Made in Brazil vendendo cartelas do Bauru Cap, não por necessidade (“ganho meros R$ 1 real por cartela”, diz), mas por ter motivo para ver gente, conhecer pessoas. Mora ali perto, duas quadras do Parque Vitória Régia, junto dos irmãos, sendo a mais falante, comunicativa e “rueira” (no bom sentido). Na última eleição, acabou saindo candidata a vereadora pelo DEM e me confessa: “São meio elitistas, não?”. Thereza, por tudo o que vê e ouve pelas ruas, pode até ser enganada, percebe as “roubadas” que se mete ao longo de sua vida, mas de uma coisa não abre mão, a de continuar podendo, enquanto forças tiver, de bater perna. “Rua é tudo”, me diz.

OBS. SOBRE MORTE DO JAPÔNES ANDARILHO – Ela fica toda contente por me reencontrar. Diz ter visto meu nome no jornal e queria mesmo muito conversar comigo. Conta história comprida das vezes em que parou para conversar com SEU KIMURA (me diz que Timura não existe, devo ter entendido mal). Lembra de uma vez que pagou marmitex para ele e de outras em que ele disse-lhe o nome. Foi voluntária por muitos anos do Albergue e lembra muito bem que ele ficou abrigado lá anos atrás por algum tempo. “Tudo deve estar registrado nos livros da entidade. Tem duas coisas importantes sobre ele e o Albergue. Eles, após passado o tempo limite de permanência por lá o enviaram para uma cidade bem longe de Bauru, talvez para dificultar sua volta. Isso não me sai da memória. Eu havia conseguido um lugar para ele ficar, numa entidade japonesa na capital, especializada em idosos nipônicos. Fiz de tudo para eles enviarem o andarilho para lá. Disseram não poder e como não havia recursos, ele não foi. Podia não ter ficado nas ruas esse tempo todo se tivesse sido enviado para lá. Conheço também uma senhora japonesa, a cara dele, muito fechada, que veio para Bauru cuidar de dois parentes enfermos. Queria ir lá com alguém para ter certeza de que ela não é a irmã dele. Sei onde é a casa, no jardim Terra Branca, rua México, perto da Hípica. Ela se chama Kimura, as vezes diz Nomura. Um bom fio dessa meada”, me diz.

2 comentários:

Anônimo disse...

Ninguém conseguiu até o momento encontrar nenhum indicio de parente do japonês. Isso comprova o que sempre pensei a respeito de muitas famílias japonesas. Elas são muito fechadas entre si e algumas possuem exagerada vergonha pelos atos de alguns dos seus, chegando ao ponto de renegá-los ou mesmo ignorá-los. Talvez seja o caso de pessoas de sua família estarem querendo manter distância de qualquer aproximação, pois isso os colocaria em exposição, divulgando algo depreciativo sobre a família. Ele deve ter parentes aqui, esse o fato de não sair daqui de Bauru, mesmo sendo levado para bem longe. Deve ter laços muito próximos aqui.

André Ramos

Anônimo disse...

Entre tiros, rojões e racismo, eu fico com o ‘seo’ Timura
Vitor Oshiro
Quão imbecil pode ser o ser humano? Quão inconsequente pode ser? Quão egoísta? Nos últimos dias, fomos bombardeados por fatos que nos fazem perder qualquer gota de esperança na humanidade. Atos desmedidos, covardes e injustificáveis. Mas aí, apareceu o seo Timura (ou sabe Deus quem seja) e nos deu um oásis de crença.

Nos últimos dias, teve filho que encomendou a morte do pai a tiros aqui pertinho, em Botucatu. Sem comentários. Não procure saber o motivo. Por mais que tal motivação exista, ela não existe. Não existe qualquer explicação para alguém dar cabo à vida de seu genitor.

Nos últimos dias, teve manifestante que atirou rojão na cabeça de cinegrafista. Foi pago para tumultuar? Não sabia que era um rojão? Como assim? Não conheci o Santiago Andrade. Porém, conheci o Aceituno Jr., o Quioshi Goto, o Malavolta, a Neide Carlos, o finado Gaúcho (da Record), o Rafa (do SBT) e tantos outros que se postam diariamente como olhos da sociedade. Assim como fazia o Santiago.

Nenhum deles nunca quis participar de uma guerra. Senti a morte do Santiago como sentiria a morte de qualquer um destes próximos de mim. Mas, o manifestante não sabia que era um rojão. Tudo certo então, né? Nos últimos dias, vi um jogador de futebol receber a entrada mais dura que pode existir. Negro, o atleta Tinga, do Cruzeiro, ouvia sons de macaco toda vez que tocava na redonda. As ofensas vinham da torcida de um time peruano.

Mas, ué? Não viemos dos primatas? Não. Atos assim mostram que viemos do cruzamento de jumento com égua. Nada melhor do que o estereótipo do burro (apesar de que, no mundo animal, alguns são bem inteligentes) para ainda existir racismo.

E foi entre tantos fatos ruins que surgiu a história do seo Timura (ou Shimura, Sato, Nakamura, Sadai e até um desaparecido da época da ditadura). O andarilho oriental – ou indígena, como alguns cogitaram – morreu atropelado e, em meio a sete blusas que ele usava, foram localizados R$ 6 mil ao seu corpo. O fato inusitado despertou o interesse da mídia. Despertou a curiosidade em saber quem seria aquele homem. Partimos para uma busca por sua identidade. A polícia partiu em busca de sua identidade. Em vão. O mais próximo que chegamos foi de mais perguntas.

Mas, neste caso, as perguntas foram mais valiosas do que as respostas. Explico. Gente de Bauru inteira tentou ajudar a descobrir quem foi Timura. Ou melhor, gente de Bauru, Marília, Ourinhos, Bastos e até Paraná. Paraná? É aqui do lado. Teve gente até do Japão que fez contato. E teve quem foi além. Uma senhora queria dar o jazigo de sua família para enterrar o desconhecido. “Ele foi uma pessoa. Era alguém”, disse, ao saber que seria sepultado como indigente. Um oásis de bondade em meio a um deserto de desesperança.

Talvez Timura não tivesse um nome mesmo. E assim ele foi enterrado. Talvez ele ter ficado sem a identificação tenha sido o melhor para todos. Talvez não personifica-lo como um só seja o melhor para passarmos a olhar por tantos outros Timuras que perambulam por aí. Talvez. “E a tudo isto a morte/ Risca por não estar certo/ No caderno da sorte/ Que Deus deixou aberto”, brindou, em um de seus poemas, Fernando Pessoa. O genial escritor, contudo, errou desta vez. O caderno de Timura não ficou em aberto. Pena que, para escrever seus mais brilhantes versos, ele teve que morrer.

O autor, Vitor Oshiro, é repórter do JC, jornalista responsável da TV USP Bauru e especialista em Linguagem, Cultura e Mídia