O MAPA DA INFORMALIDADE - CONVERSA COM UM "EMPREENDEDOR" BAURUENSEOntem, para mim, dia dos mais tristes, quando abordado por um velho conhecido, este atuando desde algum tempo no que dizem por aí, o novo "empreendedor", ou seja, um autônomo, dirigindo moto pelas ruas bauruenses, com caixa às costas e querendo desabafar. Viu em mim essa possibilidade. Parei tudo e ficamos por quase uma hora, ele me despejando o seu padecimento. Resumo aqui o seu relato:
"Meu caro Henrique, eu e você sabemos muito bem que eu não sou empreendedor piciricas nenhuma. Sou um explorado e sem direitos, isso sim. Desabafo contigo, pois sei que sabes o que passa comigo e os iguais a mim, todos na mesma situação. Estamos sendo enganados e muitos na mesma situação ainda não se deram conta. Eu até seis meses atrás tentei continuar contribuindo com o INSS, mas não tive mais como. Ou pagava as contas, muitas em aberto ou pagava. Optei por deixar pra depois e isso já vai pra um tempo. Não sei quando e nem como irei voltar a pagar. Não dá, a.contas não fecham", começa seu relato.
Eu mais ouço que pergunto e ele abriu seu coração: "Veja essa paralisação que na capital paulista teve alta representatividade. Aqui em Bauru, mesmo que quisessémos não daria em nada. Muita gente é consciente, mas a necessidade os obriga a se manter calados, contidos. Poucos ousam mostrar o que sentem aos ditos empregadores, que na verdade, não o são mais, pois só nos usam como a ponte para levar mercadorias. Ficou fácil para eles, pois não somos mais registrados e nos transformamos em MEIs, agora somos empresários de nós mesmos. Isso não ocorreu por voltade própria, mas por imposição da situação. Ou seria assim ou não teríamos mais onde trabalhar. Não teve respaldo de ninguém, de Justiça do Trabalho ou de mais ninguém. Hoje, fizeram a cabeça da maioria, todos querem ser empreendedores, mas não somos nada, perdemos direitos e mal ganhamos para pagar nossas contas. O que vai acontecer comigo quando ficar doente, se me acidentar ou ficar velho? Eu nem durmo quando penso nisso".
Disse mais, aqui resumido por mim: "Hoje ficou fácil para eles, seu Henrique. O cara quer contratar uma faxineira ele o faz com um simples clique. Ela vai lá, resolve o problema para ele e ela se acha empreendedora, dona do seu negócio. Ninguém mais cogita isso de carteira assinada. Isso é coisa do passado. GAnhou, colocou no bolso, parte para outro. Paga-se as contas e poucos, cada vez menos contribuem para futura aposentadoria. Eu leio, procuro me informar e sei que, não existe mais vínculo empregatício entre motoristas de aplicativos e as plataformas digitais. Elas foram espertas, deram um chega pra lá na Justiça do Trabalho, envolveram todos nós e estamos com o palito do sorvete chupado nas mãos. Eu li, somos mais de 1,5 milhão de trabalhadores plataformizados. Se não nos unirmos, nosso fim deverá ser catastrófico. A gente quer na verdade, nada de tão grande, mas simplesmente a proteção para quem trabalha na informalidade. Isso é pedir muito, seu Henrique?", me diz como num lamento.
Ouço tudo, com um nó na garganta. Ele sabe que escrevo e creio me procurou por saber que escreveria. O faço, ao meu modo e jeito. Todos nós sabemos muito bem que, esses trabalhadores recebem ordens diariamente, trabalham quase todos os dias para a mesma empresa e pior que tudo, essa costuma ser a única atividade deles como fonte segura de renda. Isso está mais que perdurando, meio que já consolidado e algo precisaria ser feito. Não basta mais reclamar, pois tudo é tão latente. O trabalhador se encontra numa encruzilhada, em busca de quem lhe dê verdadeiro apoio. Na verdade, não podemos, e não devemos deixar esses trabalhadores da informalidade sem qualquer proteção. Fui pesquisar e constatei que, apenas 22,3% dos trabalhadores plataformizados contribuem para a Previdência. E isso se estende a todas as demais categorias dos ditos "empreendedores". Pra piorar, quem decide por eles, ministros trabalhistas, pelo visto, estão proferindo decisões mais em favor das empresas dos que dos trabalhadores. Aqui no estado de São Paulo, o trabalhador se encontra num "mato e sem cachorro".
Encerro com algo mais do desabafo deste amigo, vivenciando nenhuma saída honrosa para sua situação e não podendo parar, pois vive disso e sem a renda proveniente do que faz, não imagina o que possa fazer no momento: "E entre os de minha categoria e todas as outras que perderam o vínculo trabalhista existe, difundido entre nós, algo do individualismo. Cada vez mais vejo gente querendo ser empreendedor. Poucos, muito poucos se dão bem. A maioria pena, sofre, padece e está de mal a pior. Não dá para usar o exemplo quem se deu bem para representar o que acontece com todos nós. O mundo gira muito rápido, não sou bocó, estou no meio deste furacão, já entendi o que se passa. A legislação não nos auxilia e sei que, gritando bem alto, mais e mais me ouvirão. Sem união não chegaremos a lugar nenhum. Acho que ainda dá tempo de algo ser feito por nós. Se isso acontecer tem que ser agora, pois amanhã, quando tudo já estiver mais consolidado, pior ficará. Nossa jornada já é semelhante a do operário, sem direito algum, do início do século XX. O que será de nós, seu Henrique? Eu já trabalho mais de 12 horas diárias, não vejo fiscalização nenhuma e tudo segue do jeito que eles querem. Não sei até quando iremos aguentar".
Obs>: As charges do cartunista Toni D’Agostinho, mais precisamente à série intitulada “Os Empreendedores” ilustram este meu texto. O seu resultado mostra que, por meio do recurso linguístico-discursivo da ironia, desconstroem o discurso do empreendedorismo que está na base do discurso das empresas-aplicativo, colocando em evidência a insegurança, a vulnerabilidade e a precarização do trabalho na era neoliberal.