domingo, 1 de junho de 2014

UMA MÚSICA (108)


UMA HISTÓRIA DA VIRADA – DE COMO UM LP DA FEIRA DO ROLO ACABOU SENDO AUTOGRAFADO POR SELMA REIS
Virada Cultura em Bauru é sinônimo de bons espetáculos na cidade, uns mais, outros menos. Em alguns anos a programação é mais que boa, noutros deixa a desejar. Nesse foi boa. Já foi mais intensa, hoje com menos expressão, mas ainda cheia de boas surpresas. Saudades tenho das apresentações dentro da gare da estação da NOB. Até o Scandurra e o João Gordo lá estiveram em tempos outros. A cada ano algo difícil na escolha dentre os variados shows e espetáculos, principalmente quando os horários batem e ainda não tendo conseguido fazer uso do mesmo espaço e no mesmo momento, acabo tendo que optar por um ou outro. Gosto da Virada, apesar de ainda não vê-la mais esparramada pelos bairros (quem queria algo assim esse ano era o Magu, do projeto Hip Hop). Ocorreu em três locais, no parque Vitória Régia, com imenso palco ali instalado, no teatro Municipal e dentro das instalações do SESC.

Conto aqui algo sui generis ocorrido no evento. Primeiro estive no sábado à noite revendo Eduardo Gudin & o Notícias do Brasil, quando convidaram Dona Inah, uma expoente aos 80 anos do verdadeiro samba paulistano. Primeiro o primor do violão do Gudin, um tanto duro, diria impertinente com o passar dos anos, menos tolerante, mas nem por isso deixando de ser o que sempre foi, ótimo. Depois, uma velha dama entoando canções ao seu jeito e modo. Na junção dos dois, palmas e mais palmas. Fui com o filho e tive o prazer de ver por lá Ademir Elias, Zé Augusto, Zé Canella, Rubira, Arthur Monteiro, Jóia e tantos outros. Sai de lá em estado de puro êxtase e nem o atrativo no parque Vitória Régia com o reencontro de Nasi & Scandurra no Ira me fez enfrentar o frio da noite. Fui ter em lugar quentinho.

Já na manhã de domingo, a tal da história sui generis. Antes de tudo a ida até a Feira do Rolo presenciar as novidades na banca do Carioca. Papo vai, pão vem e falamos dos shows da Virada. “Sabe quem vai estar hoje à tarde no Vitória?”, me pergunta. “Claro”, respondo, “o Mautner”. E falamos do show que aconteceria dali pouco mais de uma hora no SESC com Vânia Bastos e Selma Reis reverenciando os “40 Anos sem Pixinguinha”. Falo nisso e ele me diz de um disco que havia guardado para mim, da Eliete negreiros. Vou procurá-lo na banca e eis que me deparo com um de SELMA REIS, a pouco conhecida cantora niteroiense, uma das vozes mais encantadoras do planeta. “Vozeirão de endoidecer gente sã”, lhe digo. E o LP dela ali diante de nós. “Leve ele e me traga autografado por ela. Vai para minha coleção mais que pessoal”, me diz e me oferece como mimo outro, de outra grande, Maria Creuza. Aceito e saio com uma bruta de uma missão a ser cumprida.

Reúno os meus, primeiro o pai, depois Ana e vamos para o SESC. Papos de alcova com alguns considerados e nos acomodamos a contento, nem tanto à frente, nem tanto ao fundo. Percebemos que o show não é das duas cantoras e sim do grupo instrumental que as precedia, o quarteto do Marcos Paiva (muito bom, por sinal). Ouvir Pixinguinha com nova roupagem, sem pandeiro e batuques é algo novo para meu ouvido, mas assimilei muito bem. Aliás, vibrei. Eis que Selma surge no palco e encanta a todos com aquele vozeirão saído nem sei de onde. Mais que a voz, Ana repara em seus joelhos. “Lindos, não?”, me diz. Concordo e ficamos ouvindo a voz e parlando sobre os joelhos de Selma. Ela canta quatro lindas canções e percebe-se nitidamente que a platéia ficou mais do que empolgada. Nunca havia cantado em Bauru, muito pouco pelo interior paulista, mas algo perceptível, por onde passa arrasa. Aqui não foi diferente. Palmas e mais palmas e ela acenando ao longe. Marcos teve que ir ao microfone e informar que ela voltaria.

Na seqüência a Vânia, nossa velha conhecida, pois nascida em Ourinhos informa a todos ser “Bauru um dos lugares no interior onde mais canto”. Que bom, eu mesmo já perdi a conta de quantas vezes a vi cantar. A última não esqueço foi junto do Percy, com ele falecendo logo depois. Inesquecível as fotos que tirei deles juntos. No show, a inevitável constatação, duas vozes completamente diferentes, mas cada uma ao seu estilo entoado o velho e sempre necessário Pixinguinha com um algo mais, uma pitada de coração. Vânia continuará a mesma lindeza de sempre, o mais bonito exemplo do que Edu Lobo um dia disse da tal da “estatura mediana”. Se uma tem as pernas, Vânia as escondeu e deixou um tiquinho dos seios à mostra. Tudo encantador. Por mais que os músicos estivessem enquadradíssimos nos tons e acordes, diante dessas duas espécimes raras não havia como eles se mostrarem, pois o espaço no palco ocupado por elas mesmo não sendo grande, tornou-se imenso. Todos tinham olhos e ouvidos somente para elas.

Cantaram juntas o bis e informaram que estariam vendendo CDs. Alguns mais abilolados, dentre eles eu, já nos preparávamos para invadir o camarim ao melhor estilo de como só o MST sabe fazer, mas nos contentamos em esperar elas no saguão de entrada. Conhecemos ali a produtora de Selma, a paulistana Lucineia Alves, simpática e cheia de informações sobre a cantora. Foram quase meia hora de espera e elea adentram o espaço já em outra roupagem, cheias de luz e brilho. Fico dividido, não sabendo qual atacar primeiro. O faço com Vânia e mostro meus velhos LPs todos já autografados por ela, o primeiro de 1998 e para conseguir novo autógrafo compro o novo trabalho, um só com canções de Edu Lobo. Falamos de Percy, das suas apresentações por aqui, de Bauru e de como és para quem a admira como o vinho, quanto mais os anos se passam, mais encantadora fica. Possui um estilo só seu, voz rasgada, imortal cantando Arrigo Barnabé.

Daí fui até Selma. Ao seu lado estavam Ana e Denise Amaral, a cantante mais empolgante dessa Bauru. Já estavam num longo papo com ela, elogios mil à sua voz e coisa e tal. Eis que Ana lhe diz: “Lindos joelhos os seus, falei até para o Henrique”. Ela abrindo a guarda não tive como, acredito ter me declarado ali à joelhos tão cheios de luz. Mostro minha coleção de discos, três LPs e dois CDs. Ela carinhosamente não se mostra preocupada em fazer tão prolongado uso da caneta e assina todos, a simpatia em pessoa. Conto de um show dela assistido no Largo da Carioca, numa praça, hora do almoço, sol do meio dia, coisa de um dez anos atrás. E daí chego na história do Chico Carioca e lhe entrego o disco. Uma inusitada história, um LP dela num sebo de rua e sendo resgatado no mesmo dia do show. Foi motivo para outro tanto de conversa, a compra de um novo CD dela sobre “Maria”, papos que poderiam se alongar ad eternum, não fosse os artistas estarem com pressa de voltar à estrada e o adiantado da hora para o almoço.

Esse o melhor momento da Virada para mim, mais até que o da noite anterior com o Gudin. Mais do que o esperado momento de rever Jorge Mautner e a decepção de vê-lo obrigado a cantar somente duas músicas, pois pelo atraso dos shows anteriores a ele e por uma chuva que ameaçava cair, não podiam mais atrasar o que ainda viria, o do violeiro Almir Sater. Curtimos também esse, eu e Ana, mas acredito que tanto eu como ela saímos encantados com a graça das cantoras matinais, do primor do SESC no som e iluminação impecáveis e no repertório saboroso, algo que nos recarregou a contento para tudo o mais que está vindo pela frente nessa segunda. Se algo mais tenho para relatar sobre o que vi na Virada desse ano, esse fato é esse, ter tido a rica e rara oportunidade de presenciar esse encontro nada usual entre duas cantoras bem diferentes uma paulistana e outra niteroiense, vozes o oposto uma da outra, mas encantadoras tanto no visual como no que fazem com maior maestria, nos encantar quando abrem suas bocas e hipnotizam todos à sua volta. Estou até inebriado com ambas e com um gostinho de quero mais. Mas quando?

2 comentários:

Anônimo disse...

Eta que Bauru é quentura, hein? com esse calor humano e cultural por aí não deve ter frio que aguente, Henrique... fiquei curiosa pra conhecer a Selma (concorrente da Nara Leão???) que danada de tara é essa de cariocas por joelhos? rsr
Carmen Lucia Bezerra Bandeira - Recife PE

Anônimo disse...

Muito obrigada por esse carinho com a gente querido Henrique Perazzi! Um beijinho carinhoso.
Selma Reis (comentário retirado do facebook)