sábado, 15 de dezembro de 2007

MEMÓRIA ORAL (15)
Fiz essa viagem em julho desse ano e no blog só publico agora, pois nessa semana quando fui falar de Rubem Alves me lembraram do seu refúgio, vizinho do de meus pais. Ainda tenho esperanças de encontrar o escritor por lá. Repassei o texto para ele e sua resposta foi muito carinhosa. Se a achar publico lá no Comentários.

UM LUGAR QUE FLORESCE PORQUE FLORESCE
Pocinhos do Rio Verde é um pequeno distrito rural, pertencente à cidade de Caldas, distante 4 km do centro daquela cidade e 30 km de Poços de Caldas, ambas em Minas Gerais. O lugar é uma bucólica Estação de Águas, tendo ao centro um Balneário, com três fontes, a Rio Verde, Samaritana e a São José, todas de reconhecida qualidade para fins digestivos, atraindo durante boa parte do ano, muitos turistas, principalmente os da chamada terceira idade, que procuram a Estância e os seus banhos medicinais. A região é montanhosa e dentre os atrativos, algumas cachoeiras ajudam a movimentar o fluxo de pessoas no pacato lugar. A tranqüilidade é o diferencial e a produção basicamente agrícola, a fonte geradora de renda para a população, também incentivada com a fabricação, quase artesanal de doces, queijos e vinhos. Habitantes mesmo, são em média umas 500 pessoas, com muitos turistas mantendo casas de veraneio e sítios por ali. Ideal para quem gosta de muita paz e uma completa fuga da agitação de nossas grandes cidades.

Muitos descobriram aquele local há bastante tempo e deles não mais se afastam. É o caso do professor aposentado Heleno Cardoso de Aquino, de Bauru SP, 78 anos, que passou por lá sua lua de mel há mais de 50 anos e não mais abandonou o lugar. Comprou um terreno e foi aos poucos construindo sua casa, que hoje é um atrativo para todos de sua família, que também passaram a admirar e freqüentar Pocinhos. Conhecido por todos, Heleno é um entusiasta quando o assunto é a pequena vila:
- As águas me atraíram. Tinha um problema gástrico, que a cada passagem por aqui era contido. Peguei
amor e procuro voltar sempre que posso. Vinha pelo menos uma vez ao mês e hoje, por causa da idade, dependo dos filhos para os retornos. O meu orgulho foi haver incutido em todos o amor por isso aqui. Eu a esposa Eni somos apaixonados por Pocinhos e pelo nosso cantinho em particular, levantado após dez anos de muitas idas e vindas. De Bauru para cá são 350 km, rodados com muita alegria na vinda e certa tristeza no retorno. Isso aqui me rejuvenesce. O ar daqui é diferente, puro.
Pensamentos iguais a esse são fáceis de serem encontrados e um dos que mais repercutiu foi o proferido por Rubem Alves (pedagogo, poeta, filósofo, cronista do cotidiano, ensaísta e teólogo), que costuma fazer constantes referências a Pocinhos, demonstrando todo seu encantamento: "Contento-me com o meu pedaço de terra dentro da cratera do vulcão, Pocinhos do Rio Verde. Conselho de Nietzche para permanecermos jovens: 'Viva perigosamente. Construa sua casa ao pé do Vesúvio'. Fui mais radical. Construí minha casinha dentro da cratera do vulcão. De vez em quando, entrego-me à fantasia de que ele, repentinamente, depois de um sono de 500 milhões de anos, vai acordar. Que maneira fantástica de morrer! Por enquanto lá tudo é manso: as árvores, os riachos, os pássaros, as borboletas, as mariposas (fantásticas!). Pus lá uma placa com um poema de Alberto Caiero: "Sejamos simples e calmos como as árvores e os regatos, e Deus amar-nos-á, fazendo de nós belos como as árvores e os regatos e dar-nos-á um rio aonde ir quando acabemos" (extraído do livro A maçã e outros sabores, 2005).

Esse negócio de morar na boca de um vulcão é algo que passa longe da cabeça dos moradores. Eles nem atinam para isso, tocando suas vidas dentro da "ligeireza" bem característica do mineiro pacato e um tanto recatado. É o caso do seu Lazinho, que mora ao lado da Praça Central e passa boa parte do dia sentado num dos bancos, observando o movimento dos que chegam e partem. Do outro lado da rua está o local mais movimentado dali, o Supermercado do Pinduca, ponto de encontro e compras. Quase ao lado, o Bar e Mercearia da dona Maria, único com mesinhas na calçada e sempre o último a fechar às portas. Na frente, a Pousada Bom Jesus e o restaurante da dona Cida, que toca tudo praticamente sózinha, faz uma deliciosa comida caseira, com um cheiro que invade tudo logo cedo. Dois hotéis monopolizam o grande movimento de turistas, o Grande Hotel, logo na entrada e o Rio Verde, na praça. Tem também o Tambasco, mais isolado e já no meio da mata. Outros dois moradores que se sobressaem pela conversa agradável são o seu Tião Tomé, que circula com seu caminhão por tudo aquilo ali e seu Costa, que mantém uma disputada produção caseira de queijos.
O progresso desponta lentamente, sem pressa nenhuma. É difícil visualizar mudanças na paisagem da vila, tanto imobiliária, como comercial. Os hotéis são os mesmos, idem para o comércio. A única alteração foi com a abertura de um posto de combustível, logo na entrada do vilarejo. No inverno, a grande movimentação fica por conta da Festa do Biscoito, que agita quase todos os finais de semana do mês de julho. Tudo por lá é motivo de muita diversão, que tanto pode ocorrer com os passeios à cavalo, como as caminhadas pelas estradas e trilhas. A mais dificultosa é a subida até uma capela no alto de uma montanha, avistada por todos, mas feita por poucos. Dentre as novidades, a Vinícola Faria, no caminho da cascata, abriu um barzinho, bem defronte sua pousada, literalmente no meio da mata, atraindo muita gente para uma bebericagem de final de tarde. Logo ali perto, outro grande atrativo, a Cascata, um conjunto de pequenas cachoeiras, com águas frias, que no verão estão sempre lotadas. Tudo por ali é um verdadeiro mar de montanhas. Pocinhos possui uma localização privilegiada, protegida dos ventos, na cabeceira do vale do Rio Verde, a 1.070 metros de altitude e seu grande diferencial é outro mar, o da tranqüilidade.

O encontrado por ali é tudo aquilo que, Rubem Alves e tantos outros sempre procuraram durante suas vidas. Uma frase que o escritor reproduz contentemente em seus livros, tornando-se até um chavão entre seus leitores é o lema de que "tudo floresce porque floresce". A autoria é do místico medieval Angelus Silésius e reproduz com exatidão o bucolismo encontrado em Pocinhos do Rio Verde. Daí a vontade de encontrá-lo e tentar uma conversa sobre sua obra e tudo aquilo à volta. Nada como, conciliar uma ida até lá e um encontro com o escritor. A tentativa de encontrá-lo em seu refúgio, um pequeno e bem engendrado santuário ecológico, encravado no meio das montanhas foi infrutífera, pelo menos por enquanto. Ele, como muitos outros, deve se refugiar ali, fugindo do assédio, que se torna inevitável para todos aqueles que passaram a ler sua vasta obra. Não tem quem não queira conhecer o autor daqueles escritos, verdadeiro abridor de mentes. Perguntando aqui e ali, chego até Mário Cassuta, o caseiro do sítio, que me acompanha numas fotos, seguido muito de perto por dois enormes cães. Pergunto sobre a receptividade do escritor em receber pessoais ali e ele me diz que Rubem Alves é bastante tranqüilo e que me receberá bem.

Bom motivo para ir retornando constantemente a Pocinhos. Para quem quer entender melhor isso tudo, basta ler o que Rubem Alves escreveu sobre o lugar onde construiu uma de suas moradas, no livro 'Transparências da Eternidade': "Num pequeno lugar do sul de Minas, há um pico de pedra bruta, a Pedra Branca. Para se chegar ao alto, passa-se por um bosque com regatos e poços de água cristalina. Saindo do bosque, é a pedra bruta, trabalhada pelo vento e pela água, através de milênios. Triunfo da pedra? Em pedras não se plantam flores. A despeito disso a vida foi colocando matéria orgânica nas gretas e depressões. E o que se vê é um jardim: musgos, orquídeas, bromélias, avencas. Fosse a pedra só, e seria desolação, deserto. Mas a vida cresceu sobre a pedra – e vieram os pássaros, as borboletas, as abelhas, os pequenos animais. Coitada da pedra! É inútil reclamar. A vida e a beleza crescem sobre ela, a despeito de sua mesmice pétrea. As sementes – frágeis – são mais fortes que a pedra – dura".

Legenda das Fotos
A entrada de Pocinhos
A entrada do refúgio de Rubem Alves
A frase de Caiero e o autor do texto
A vista da casa de RA
A casa do escritor
Heleno e Lazinho na praça de Pocinhos
HPA e Heleno diante do Balneário.

Henrique Perazzi de Aquino, Bauru SP – 21/julho/2007.

5 comentários:

Anônimo disse...

Conheço Pocinhos meio que por acaso. Recebi indicação de uma agência de turismo de São Paulo e fui para lá com um grupo. Éramos só nós no hotel, uma vilinha muito pequena e um balneário antigo, precisando de reformas. Curti o sossego, mas para quem é urbano é clamaria em excesso. Já encontrando um escritor para papos variados é outra coisa.
Rui -- de Jaú

marli disse...

Morei em Caldas e sempre passava por Pocinhos para ir pra "roça", na Pedra Branca, na casa de meus bisavós. Já se vão muitos anos... Adorei tudo que pude reviver no seu blog.

Unknown disse...

Conheci pocinho ainda na minha infancia,por meio da União do Vegetal a qual meus familiares frequentam.
Pocinho é uma cudade maravilhosa,pacata...Ideal para relaxar...

LuNovais disse...

Que lindo!! Nostalgia... Grande Rubem!! Cadê a resposta do Rubem? Vc o conheceu?? 😍

LuNovais disse...

Que lindo!! Nostalgia... Grande Rubem!! Cadê a resposta do Rubem? Vc o conheceu?? 😍