quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

MEMÓRIA ORAL (16)
NO ESCURINHO DO CINEMA
Esse refrão é conhecido por todos, desde quando Rita Lee o eternizou numa de suas canções, caindo como uma luva toda vez que alguém quer produzir algo relacionado às salas de cinema brasileiras. A serventia é ainda mais valiosa quando o tema é o cinema erótico e as salas que, ainda resistem ao tempo e permanecem abertas com exibições diárias de filmes de sexo explícito e outros atrativos. É que naqueles espaços, no escurinho de suas salas acontece literalmente coisas imagináveis e outras um tantoinimagináveis. Aqui em Bauru, um deles resiste bravamente a toda a invasão proporcionada, primeiro pelos aparelhos domésticos de vídeo cassete e mais recentemente pelos de DVD.

O antigo cine Vila Rica, localizado na rua Gustavo Maciel, três quadras abaixo do Calçadão comercial é conhecido de todos, pois está aberto há mais de quarenta anos, sempre no mesmo local. Hoje, o nome foi mudado para Cine Shopping Atenas e está arrendado para um grupo de fora, sendo tocado exclusivamente com a temática erótica. Quem passa defronte a entrada só não se aventura a uma espiada nos cartazes e produtos expostos se já está habituado com aquilo tudo, pois do contrário, pelo menos uma viradinha de pescoço ocorre naturalmente. Muitos cartazes com mulheres nuas, colocadas de ambos os lados de uma porta que, permanecendo aberta 24h por dia, atraindo os interessados. Alguns minutos parados ali perto nota-se claramente como é o procedimento dos ainda clientes. Já na aproximação a preferência é por não ser visto, com olhadelas para os lados e ao se ver só, a entrada se faz de forma rápida e sorrasteira. Uma vez lá dentro, as opções são os filmes no telão ou cabines com um filme exclusivo, além dos produtos expostos para comercialização. Até as pedras do mundo mineral sabem que nesses locais rolam muito mais do que um mero filme de sexo. Rola exatamente o sexo. É isso que queria registrar.
Tentei conferir as preferências e hábitos dos frequentadores, mas fui rechaçado pelo funcionário no balcão de atendimento. Pelo visto os atuais proprietários são avessos a fotos e matérias em órgãos de imprensa ou qualquer outro tipo de divulgação, o que, convenhamos, é mais do que natural. Ao tentar lhe fazer algumas perguntas, tirar algumas dúvidas, a resposta foi essa: "Aqui você não pode fotografar, muito menos me entrevistar. Tenho que falar com os proprietários, deixe seu telefone que vou ver se eles aprovam. Falar com os frequentadores nem pensar, pois na sua maioria são compromissados e temos que preservar nossos clientes. Te ligo se eles toparem falar alguma coisa. Não me cause problemas, por favor".

Aguardo mais de uma semana, ligo e a resposta é negativa, ninguém quer falar sobre o cinema pornô e qualquer coisa que tente fazer com gravador e máquina fotográfica é terminantemente probido. Insistir será pura perda de tempo. Por sorte encontrei vendo os letreiros, um velho conhecido, garçon de um restaurante da cidade que, meio sem graça topou me falar sobre o cinema: "Eu venho pouco, pois não tenho aparelho de vídeo em casa. Gosto de ver filme de mulher nua, mas vejo muitas outras coisas por lá. Acho até que a maioria vai para ver filmes de homem e de travesti. Já tentaram me apalpar lá dentro, mas quando disse não estar interessado, não fui mais molestado. O senta e levanta nas poltronas é muito grande. Fico na minha e só vou porque é barato e gosto muito dos filmes com mulheres brasileiras. Sou solteirão e tenho outros amigos da mesma idade (ele tem por volta de uns 50 anos) que também estão sempre por aqui. Estou desempregado e não tenho muitas opções".
Nada muito diferente do que acontece na grande maioria dos cinemas pornôs que ainda funcionam Brasil afora. Só os filmes já não atraem mais a clientela e a grande maioria vai também em busca de um algo a mais. Uma realidade bem diferente do passado glorioso do antigo e concorrido Cine Vila Rica. Sua construção data da década de 70 e ele nasceu como uma opção aos outros cinemas localizados na àrea mais central, como o Bauru, o São Paulo e o Capri, todos na rua Primeiro de Agosto. Mesmo assim recebia um público considerável e de todos os demais citados, foi o único que ainda resite em funcionamento. O Capri foi transformado em loja comercial e a alguns anos atrás pegou fogo, restando quase nada lá dentro que recorde ter sido um cinema. Já os demais foram todos demolidos.
Quem conhece muito bem essa história dos cinemas de Bauru é Odacir Donida, 71 anos, a maioria deles passados dentro de salas de cinema. Trabalhou em quase todos, vindo a se aposentar no Cine Bauru, quando esse já estava localizado no seu atual endereço, na rua Treze de Maio. Ouvi-lo é ter um testemunho vivo da história dos cinemas na cidade. Ele, mesmo aposentado, não pára um segundo e encontrá-lo para um bate-papo é algo para quem tem paciência: "A vida anda dura, meu filho, não se pode parar. Você também quer saber dos cinemas. Trabalhei sim no Vila Rica, mas foi por pouco tempo, já nos outros foi uma vida toda. Hoje sei que o cinema após passar um período sob direção de um grupo paulistano, o Roma, do segmento pornográfico, foi novamente arrendado para um grupo de Lins e eles tentam
manter as portas abertas". Mais não pergunto, pois ele não têm nenhum envolvimento com o Atenas.

Na ânsia de conseguir um depoimento de algum frequentador, abordo um que acabei vendo por lá nas minhas andanças pelas imediações. É um jovem, trabalha com artes, tem por volta de uns 25 anos, alto, loiro e não se intimida em responder umas perguntas a respeito. A única exigência é que não o identifique. Abaixo um resumo do que me relatou: "O que acontece lá dentro é o que sempre rolou em cinemas desse tipo. Rola sexo, não só oral. Rola de tudo. Eu vou para conhecer outras pessoas, curto aquele momento e depois vou embora. Na maioria das vezes não vejo a cara do outro, faço a abordagem sentando ao seu lado e o tocando. Faço tudo espontâneamente, sem envolvimento com grana. Durante o dia a frequência é maior, por causa do comércio aberto e a noite é mais nos finais de semana e na madrugada. Mulher mesmo não vai lá sózinho, as que vão, sempre chegam já acompanhadas. É um minoria que vai só para assistir filmes. Todo mundo sabe o que irá encontrar e se vai e para isso mesmo".
Quando lhe pergunto se tem alguma história interessante que já lhe aconteceu lá dentro, ele pensa um pouco e prefere não me contar nenhuma, mas deixa uma dica no ar: "O chato é quando ocorre a abordagem e o outro não topa, tem os mais ignorantes que até tentam até dar safanão. O melhor é sair de perto e procurar outro. Na insistência, já vi gente sendo posta pra correr". Não lhe pergunto mais nada, pois não se faz necessário detalhes. Queria traçar um perfil do que restou do antigo Vila Rica e do que é hoje, mais ou menos o que todos já sabiam, mas que permanece meio que oculto, velado. Tanto que, desde quando idealizei fazer esse texto, não notei a troca do cartaz do filme em exibição. Pelo visto continua o mesmo de um mês atrás, tudo levando a crer que o interesse não se faz por nenhum filme específico. Tudo é uma questão de verem realizadas algumas fantasias. Quem vai lá sabe o que vai encontrar e não deve se decepcionar. E se permanece funcionando é porque público existe, pois do contrário já estaria fechado. O Vila Rica, ou melhor, o Cine Shopping Atenas é como aroeira, resistindo bravamente. Quem se habilita?
Henrique Perazzi de Aquino, escrito em 19/12/2007

5 comentários:

Anônimo disse...

Olá Henrique,
Parabéns pela reportagem em defesa das nossas salas de cinema. Uma coisa que tenho notado nessas viagens todas é que muitos dos cinemas de rua foram comprados pela Igreja Universal... é uma pena.

Aproveito também a oportunidade para que não deixe de apoiar o Manifesto em defesa do IBRAM e do PL 7568/2006.
Conto com a sua colaboração. Caso seja possível, gostaria que também encaminhasse para os e-mail1s dos outros particpantes da oficina.

um abraço e até mais,
Paulo Lima - IPHAN

Anônimo disse...

henrique,
e dizer que o Pelé vendia gibi velho na porta do Cine Bauru (r. 1o. de agosto), para comprar a entrada da matinê...Eu vi.
Abraços.
MURICY

Anônimo disse...

Henrique,

Ficou classe a matéria. É do tipo que eu gosto: uma avaliação antropológica de um comportamento excluído. Demais, parabéns.

Vc poderia mandar alguma coisa pra colocar no próximo zine!


Ivan Meneses

Anônimo disse...

vou com minha esposa moro em jau e kurto fantasias adoramos ir la

Anônimo disse...

Vou aparecer por lá na quinta-feira. Estou indo de sp para bauru à trabalho.
Quero conhecer.