quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

AMIGOS DO PEITO (142)


A TRISTEZA DE PAULO NEVES É A DOS SENSATOS E CANSADOS DE DAR MURROS EM PONTA DE FACA

O evento de ontem à noite na cidade de Bauru foram dois e ambos dentro da XVII Mostra de Teatro Paulo Neves (19 de janeiro a 04 de fevereiro). No primeiro um debate realizado às 19h no auditório do Teatro Municipal com o tema Tropiclália, reunindo quatro personalidades e algo sobre esse instigante movimento cultural, musical e contestatório da mesmice brasileira. Depois a apresentação da Cia Estável de Dança, no palco principal do teatro, com o espetáculo de dança e teatro, magistralmente dirigido por Sivaldo Camargo, "Tropicália".

Estive em ambos e de tudo o que vi e me maravilhei (o espetáculo me arrebatou e a pessoa que se diz gostar um pouquinho só de Cultura e ainda não viu, deve correr, pois é dessas possibilidades imperdíveis e inenarráveis), algo me chocou. Escrevo essa abertura só para dizer do lugar onde estive e agora vou no cerne da questão. Fiquei chocado com a tristeza do teatrólogo e professor de História PAULO NEVES. Ele dispensa apresentações, pois só pelo tempo de duração dessa Mostra deTeatro, algo já fazendo parte do calendário anual das boas atividades na cidade, não precisaria dizer mais nada. Mas ele faz muito mais. Seu trabalho como professor de História, a forma como ensina a quem, por sorte, lhe caiu nas mãos é um algo mais a ser desbravado. Imagino a cabeça de todos seus ex-alunos, uns que ao sairem dos bancos escolares, nunca mais poderão adentrar por caminhos tortuosos no entendimento do que venha a ser nossa História. Ele sabe o que faz com o giz e a memória sempre atenta aos fatos, principalemnte em contar a dos Vencidos.

Paulo é uma INSTITUIÇÃO nesta cidade e poucos o entendem deste jeito. Criticá-lo é fácil, mas entendê-lo é para os que sacam de fato como se processam os caminhos nos desvãos de quem arregaça as mangas, sua a camisa e vai à luta. Ele sempre foi e hoje o vejo com uma fisionomia que me assutou. Ouvi atentamente sua fala (a destaco dos demais por um único motivo, o de querer escrever dele, mas poderia fazê-lo dos outros três participantes da mesa) e dela algo me fez pegar o bloquinho de anotações e registrar para não esquecer de fazer posteriormente a citação: "Eu dou aula numa das melhores escolas de Bauru, senão a melhor e ao comentar pela primeira vez com meus alunos, confesso, ninguém nem sabia o que vinha a ser isso de Tropicália. Se eles não sabem, os que possuem um ensino de ponta, chegaram até agora sem nada terem ouvido disso e tanta coisa importante, imagino o restante dos estudantes desta cidade". Isso me calou fundo.

O vi com a fisionomia distante, cansado e de um jeito como querendo desistir da labuta. Percebi isso nos lentos movimentos e credito isso não só a idade, inexorável para todos nós (sinto dores incuráveis no lombo). Sua tristeza era outra, também a minha. Fui ter com ele no final do debate e dele ouvi a confirmação. Primeiro me disse não ter conseguido patrocínio para sua Mostra, algo inédito nessa quase duas décadas. Mesmo assim ela saiu e cheia de pompa e gabaritada, esquentando o janeiro bauruense, que sem ela, seria mortinha da silva. Mesmo com suas dores e lamentações, junto dos dois filhos ele fez e o resultado está aí para quem quiser ver (corra, pois 4 de fevereiro está logo aí). Pois bem, sua tristeza vem também dos destinos deste país, depois de tanta luta, labuta, enfrentamentos e agora o desembocar nesse atual estado de coisas, totalmente desanimador, principalmente para um aplicado professor de História.

Gente como Paulo, com um passado inteiro de resistência sente mais que todos o que se sucede com o país. Impossível não ficar debilitado, pois diante de toda essa reviravolta, a certeza de não se ter mais forças para fazer tudo o fez no passado, pois para a imensa maioria dos que enfrentaram de peito aberto o Golpe de 1964, enfrentar tudo o que ainda virá deste Golpe de 2016, falatará tempo. De que adianta, ele perto dos 70, eu perto dos 60 ter a ciência de que os heróis de hoje serão os vilões de amanhã, se talvez não estejamos mais lá quando tudo isso se confirmar. Nós, os professores de História (assim como tantos outros bravos resistentes) sabemos muito bem o que está em curso. A tristeza do Paulo não é só pela idade, dores provenientes da passagem do tempo, mas tem muito disso. Nosso país piorou a olhos vistos e não estamos tendo quase nenhuma esperança de que algo ocorrerá num curto espaço de tempo para reverter isto. Sofremos em triplicidade. Paulo resiste, ao seu modo e jeito, assim como tantos outros, mas na fisionomia desses todos, algo que só quem olha fundo no fundo em seus olhos sabe do que se trata. Eu olhei ontem e confirmei também o que se passa comigo.

HPA - desabafo usando Paulo Neves para escrever de tantos outros na mesma situação.

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