terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

CARTA (60)

CONEXÕES SUBTERRÂNEAS NA LITERATURA, NO COMPLEXO DO ALEMÃO E AQUI
(Sexta passada os jornais de Bauru estampam a descoberta, por acaso, de um túnel já pronto, ligando o coberto ribeirão escondido sob o asfalto da Avenida Nações Unidas, esquina com rua Inconfidência, quase defronte o Poupatempo, atravessando a mesma até uma empresa de transporte de valores, lugar de depósito de infindáveis quantias de grana viva. Ali certamente ocorreria um vultuoso assalto. O asfalto cedeu e a equipe do DAE foi chamada para os reparos, sendo descoberto o tal túnel. Tudo foi devidamente noticiado e envio carta para o Jornal da Cidade, Tribuna do Leitor, sendo a mesma publicada em sua edição de hoje, 08.02):

Na literatura mundial, nada mais romântico do que a fuga do rebelde Jean Valjean pelos esgotos de Paris em Os Miseráveis, de Victor Hugo, dando uma finalidade profícua a um serviço inoperante para uma cidade já cheia de problemas de séculos atrás. Começo do ano, há algo mais sobre os esgotos, quando no Rio de Janeiro descobre-se meio que sem querer a existência de uma extensa ramificação de galerias subterrâneas, um nada conhecido canal de drenagem do famigerado Complexo do Alemão. Era a prova contundente de que o saneamento básico, tão solicitado pela comunidade carente, existia e favorecia a todos, inclusive os espertos marginais, que descobriram sua utilidade antes mesmo das autoridades.

Rimos de ambas as situações, pois tudo que está distante de nossos olhos é irreal, fora da realidade possível. Lá no Rio a obra pouco conhecida fazia parte do Plano de Aceleração do Crescimento, num labirinto com ramificações difíceis de serem entendidas, mas todas desaguando num local de fácil fuga para os marginais. Esses, desde o início vislumbraram possibilidades mil com obras desse naipe ali sob sua jurisdição. Usufruíram do serviço público da melhor maneira possível, usando-as cinematograficamente para escapar das garras da lei.

Aqui em Bauru, onde o surreal também gosta de mostrar suas possibilidades, as galerias subterrâneas, feitas pela imaginação criativa e inventiva do ser humano, desses que gostam de represar rios, escondendo-os dos olhos, mas fazendo-os aparecer nos dias de tragédia, nos brindaram com possibilidades outras para os trechos longe de nossos olhos. Além de transbordarem naturalmente em dias de chuva, inundando tudo à sua volta, algo que tanto o rebelde de Victor Hugo, como os traficantes do Alemão, já haviam sacado e colocado em prática. Desponta mais uma facilitação para o serviço de engenharia banditícia, mais eficaz do que o dos mestres no ofício na solução de nossos problemas com águas advindas das chuvas.

Irônico ver nossos bravos e indômitos policiais caminhando de galocha sob a galeria submersa e mal-cheirosa, como sempre, depois do estrago feito e contando com a sorte, essa sempre ao lado da lei e da ordem. Mais uma vez a grana é salva por uma mera ação do destino. Mas o rio continua ali, submerso e aguardando a próxima chuva para explodir novamente no asfalto. Ele deve rir das invencionices criadas pelo ser humano para tentar aprisioná-lo, todas infrutíferas e insanas. Ele, o rio submerso, ninguém consegue manter preso nos seus momentos de fúria, muito menos os bravos policiais ou os que assinaram obra tão grandiosa para o engrandecimento da cidade. Sou pela liberdade do rio. Vejo inconsistência em mantê-lo preso. Quanto aos empresários que escaparam da dilapidação de seu protegido patrimônio, poderiam até ajudar a financiar a obra de desconstrução do aprisionamento do rio. Seria o reconhecimento do que o rio acabou fazendo por eles.

2 comentários:

Mafuá do HPA disse...

Desculpem, nas na pressa enviei a carta para o JC, faltando algo mais, uma pitada a mais de sal na problemática.

Quando escrevi que: "Irônico ver nossos bravos e indômitos policiais caminhando de galocha sob a galeria submersa e mal-cheirosa", poderia incluir um "e os capos da mesma de coletes à prova de bala", aí sim a continuidade do texto com seu final
"como sempre, depois do estrago feito e contando com a sorte, essa sempre ao lado da lei e da ordem".

Ficaria mais adequado.
A lembrança está feita.

Henrique

Anônimo disse...

Henrique

Sua verve humorística está afiada, mas até que não seria um má idéia libertar o rio abaixo das Nações.

Um abraço, pois ri muito lendo sua carta.

Nico