sexta-feira, 17 de maio de 2013

MEMÓRIA ORAL (142)


O CRISTO E O RIO PELA LENTE DE UM JOVEM INTERIORANO

Uma viagem, a primeira de um jovem bauruense, 20 anos, Gustavo Mangili para a Cidade Maravilhosa, suas motivações, o que almeja conhecer e observações registradas dessa busca pelo até então só visto pela TV e em fotos. O imaginário carioca extrapola e invade o inconsciente de uma infinidade de pessoas mundo afora, de uma forma ou de outra e esse ainda quase menino acalentando por mais de uma década a realização do sonho de por os pés no Rio de Janeiro, conseguindo concretizá-lo nessa semana, numa viagem de carro, feita por ele ao volante, 760 km percorridos quase de um só fôlego, tal a ansiedade em botar os olhos sobre imagens nunca antes vistas.

Gustavo é filho de Cláudio da Silva, dono de uma conhecida banca de revistas na Avenida Duque de Caxias, centro de Bauru, concluiu o 2º Grau na EE Christino Cabral e daí por diante caiu de boca no trabalho, hoje sendo entregador de pizzas, com ganho de R$ 40 reais dia, além de cultuar o gosto por manter um Opala ano 89 (“está inteirinho, não o chame de velho”, me diz), um Gol turbinado e de gostar por demais dos embalos do rap paulista. Típico jovem do interior paulista, sem grandes arroubos de leituras, mas muito de prática e vivência das ruas, mantém firmes posições, como a de detestar uma música que insiste em tocar no rádio do carro durante a viagem: “Como é ruim essa coisa horrorosa que é o sertanojo. Repetem demais a mesma coisa e é uma melação idiota, letras não existem. E isso toca em tudo quanto é lugar, não sei como suportam isso”.

Na estrada, Gustavo demonstra ansiedade e tenta apressar a chegada, só parando quando se depara com algum local conhecido, fazendo questão de parar, tirar fotos, como a exigência de uma obrigatória na via Dutra, defronte o Santuário de Aparecida do Norte. No acostamento da movimentada pista, me faz subir num pequeno morro, para que o coloque todo dentro do espaço de uma foto, tendo a igreja ao fundo. “Como foram construir um edifício bem na frente e impedir a visão dos que buscam ver a igreja aqui da pista”, me diz. Seguimos em frente e dali até o Rio, nenhuma outra parada. Na descida da Serra das Araras, curvas acentuadas e velocidade controlada a 40km/h e ele tentando tirar fotos com uma mão no volante e outra na inseparável máquina fotográfica. “Olha isso, que lindo, cadê o Cristo, já dá para vê-lo daqui?”, pergunta já querendo botar os olhos no cartão postal da cidade.

Em cada novo morro visualizado, a repetição da mesma pergunta. Na entrada pela Linha Vermelha, o Galeão diante dos olhos e a lembrança de um grupo de Rap, o DBS e a Quadrilha, música ao seu estilo musical e a lembrança de um clipe feito dentro do famoso aeroporto. Quando consegue vislumbrar a estátua pequenininha no alto de um morro, não se agüenta e me faz parar o carro perto do Pavilhão de São Cristovão. Fotos tiradas, um breve descanso, carro numa segura garagem e o embarque no 422, Cosme Velho, onde o penúltimo ponto nos levaria ao Cristo. “Não posso esquecer-me de comprar uma lembrança para o Wellington, o cara que consegui ficasse no meu lugar nas entregas na pizzaria. Do contrário vai ficar chateado”, me diz.

No ônibus o encontro com um senhor de aproximadamente 60 anos e o espanto desse lhe dizendo: “Acredite, mas nunca fui no Cristo. Fui uma única vez no Pão de Açúcar, mas nunca tive tempo de pensar em subir lá. Olho muito para ele, mas aqui de baixo”. Numa observação ao observar os carros pelas ruas da cidade, solta outra: “O povo daqui só anda com os vidros fechados. Não vejo um carro com os vidros abertos. Por que, hem?”. Do mesmo local fica observando os carros e faz questão de pela janela alertar um motorista parado ao lado do ônibus no sinal sobre ter esquecido seu sinal de pisca ligado. Esses pequenos detalhes, essas pequenas observações tomam conta do seu dia, como o fato de na chegada ao ponto de embarque ter achado um absurdo um salgado custar ali R$ 7 reais. Não se fez de rogado, saiu na calçada, perguntou para os taxistas onde eles comiam e atravessou a rua, consumindo um por R$ 2 reais, de um ambulante com ponto ao lado da banca de revistas.

Na fila de espera para entrar no trenzinho, outra observação: “O que tem menos aqui são brasileiros. Não entendo nada do que dizem aqui”. Depois de muitas fotos pelo celular e com sua máquina de bolso, mais uma: “Espera aí, Henrique, agora deu sinal no celular, vou ligar pro meu pai”. Não demorou nada e olhando para os tipos ao seu lado disse: “Todo mundo lá trabalhando e nós aqui, da hora isso”. Tirou fotos e mais fotos, de tudo quanto é jeito e modo, em pé, a tradicional com os braços abertos e ficou longos momentos parado na mureta, ora olhando para os lados da Lagoa Rodrigo de Freitas, ora para os do Maracanã, do mar e um algo mais: “Você me leva conhecer a Rocinha ou um baile funk?”.

Foram mais de duas horas e uma tristeza ao deixarmos o lugar, uma nova indicação na calçada e um menino nos leva 100 metros adiante, restaurante ao lado do terminal Cosme Velho, prato feito por meros R$ 9,90. “O preço é barato, a comida é boa, mas eles ganham demais na Coca. Um refrigerante de garrafa a R$ 3,50 e eu com essa sede. Espertos, demoram em trazer a comida e peço mais uma, já tiraram a diferença da comida”, ressalta. Ao terminar o almoço, vendo que o ônibus 422, que nos levaria de volta estava de saída, assobia para o motorista e esse para no meio da rua, espera pagarmos a conta e adentramos o coletivo iniciando ali um novo motivo para nova conversa. Na descida da rua das Laranjeiras, uma outra observação: “O Rio não é tão pichado como São Paulo. Olhe aquele prédio, se fosse em São Paulo estaria todo pintado”, diz.

Gustavo é tranqüilo, olha para todos os lados. Olhar para trás pela janela, continua tirando fotos e mais fotos do Cristo. Faria isso na noite, passeando nas praias (fez questão de uma foto diante do Copacabana Palace em Copacabana) e em todos os lugares seguintes: Sambódromo, edifício Balança Mais não Cai, Saara, Arcos da Lapa, Flamengo, Botafogo, Pão de Açúcar, Leme, Lagoa Rodrigo de Freitas, túnel Rebouças e é claro o Maracanã. Trouxe lembranças, como chaveiros, camisetas, jornais e fotos, muitas fotos e na despedida, saindo de carro via Linha Vermelha, madrugada do dia seguinte, cidade ainda às escuras, uma última olhada para o Cristo, lá do alto a observar tudo e uma afirmação: “Eu volto, viu!”.
OBS.: Gustavo esteve essa semana comigo no Rio de Janeiro. Fomos e voltamos de Saveiro, ida vazia e volta lotada, 850 livros, 500 kls, acervo do meu sogro José Pereira de Andrade, mudando de endereço e leitores.

5 comentários:

Anônimo disse...

"gostei da camisa rss"

Leandro Gonçalez

Anônimo disse...

Henrique

Adorei a parte onde ele diz que odeia música sertanojo e que não entende como só tocam essa merda hoje nas rádios brasileiras. um cara simples com a cara do interiorzão e com menos preconceitos que muitos mais estudados. Percebo isso claramente, os mais simples não possuem, os que ralam no dia a dia, são poucos preconceituosos.

Valeu!!!!

Valéria

Anônimo disse...

Henrique

Relendo esse seu texto me recordo de uma viagem que fizemos juntos ao Rio, acho que quando tínhamos uns 17 anos, numa daquelas excursões e nos hospedamos lá na Casa do Estudante, em Botafogo, ao lado de um hospital e saíamos a perambular pelas ruas de madrugada. Lembra disso?

Olhávamos para o Pão de Açúcar ali em frente e o cristo á nossas costas com o mesmo encantamento desse meninão aí de Bauru. Quem me diz que não tínhamos a mesma cabeça dele hoje?

Li revendo tudo aquilo na minha cabeça. Vai ser muito interessante se puder colocar no papel algumas daquelas histórias.

Daniel Carbone

Anônimo disse...

HENRIQUE,
frequento o Rio desde 1943, com os meus pais.
Hoje, tenho um filho oficial/dentista da Marinha, a quem visito regularmente...e em outubro, um neto carioca.
O Rio teve melhores dias...meus pais iam assistir os shows do Cassino da Urca, com Carmen Miranda, Grande Otelo, Oscarito e muitos outros.
Hoje a praga é a droga, pois os bicheiros (contravenção) foram excluídos da vida carioca e abriram lugar aos traficantes...
É uma cidade maravilhosa que estão destruindo...
Abs.
Muricy Domingues

Anônimo disse...

Viajei @!

Gustavo Mangilli