sábado, 28 de maio de 2022

REGISTROS LADO B (88)


SÁBADO, 10H, 88º LADO B COM O PADRE BELGA HERMAN VOZ, REVIVENDO SEU TRABALHO JUNTO AOS JOVENS DE BAURU NOS ANOS 70/80


PROGRAMA DEDICADO AO PADRE JULIO LANCELOTTI e seu trabalho desenvolvido hoje junto aos moradores em condições de rua da capital paulista.

Este LADO B – A IMPORTÂNCIA DOS DESIMPORTANTES, no seu 88º bate papo, traz para a mesa da conversação e debate um personagem muito ativo de tempos de antanho nesta cidade, algo ainda pouco documentado na historiografia local. Houve tempo em que, a igreja católica, através de muitos de seus membros teve participação ativa na formação política de imensa quantidade de jovens em Bauru. Vivíamos o período militar e ali se encontrava um foco de resistência e luta. Jovens convergiam para algo organizado por religiosos e dali, uma forma de ir tomando conhecimento do que de fato se passava. Eram tempos onde fluiu Brasil afora o trabalho de tantas pastorais mantidas pela igreja católica, hoje de saudosa memória, pois com o passar de algumas décadas, poucas resistem e continuam em atividade. Resgato a história na entrevista de hoje, trazendo aqui o PADRE HERMAN VOS, belga de nascimento e que em 1969, após sua formatura e início do trabalho como padre, é convidado para participar de programa criado pelo então Papa Pio XII, de trabalhar e evangelizar na América Latina. Sem saber quase nada do português, aqui chega Herman, recém formado em Economia. A realidade brasileira lhe bate na cara e a partir daí dá início a um reconhecimento, seguido de intenso trabalho junto do lado social, o de uma evangelização libertadora.

Eram outros tempos e a a igreja o vivenciava. Herman tem muitas histórias desse período passado no Rio de Janeiro, quando viu de tudo ao mesmo tempo. Com 15 dias no Brasil foi rendido num assalto e teve o carro onde estava levado, não por assaltantes, mas por jovens da luta armada, que se utilizariam do veículo para ações de um grupo político. Trabalhou junto de comunidades excluídas, foi quando foi de fato conhecendo o país onde escolheu viver. Em 1973, recebeu convite do bispo Dom Cândido Padim e aceitou vir trabalhar em Bauru. Um inusitado convite, pois a igreja não tinha condições de lhe pagar o soldo mensal. Foi quando começou a dar aulas de Economia na ITE, tempos do diretor Eufrázio de Toledo. Conciliou as aulas com o ofício na igreja e assim tocou sua vida por aqui. Um estudioso, sempre leu muito e cita de memória passagens consideradas por ele edificantes, por exemplo do Padre Vieira, personagem dos mais emblemáticos do Brasil Colônia.

De Bauru, as recordações são imensas, de uma atuação efervescente junto da Pastoral Operária e das Comunidades Eclesiais de Base. Ele, na qualidade de Diocesano, cumpriu seu papel, tanto que, hoje, passado tanto tempo, não consegue se desligar do país. Todo ano, passa por aqui alguns meses, acolhido pelas casas paroquiais existentes na cidade e percorre os antigos trechos, convidado por muitos dos que estiveram ao seu lado, onde revivem algo com saudade. Outra lembrança que tem dos seus tempos de atuação na Catedral são alguns dos nomes de moradores de rua de então, gente de sua convivência, como Geléia, Fepasa, Paulo e Mara, todos com fins trágicos. Enfim, Herman dedicou sua vida por algo no qual acreditava, a transformação do mundo através da transformação da própria pessoa, com ela conhecendo de fato o que acontece. Falaremos disso tudo, de uma igreja bem mais ativa antes do que hoje.

Quando perguntado sobre o papel da Teologia da Libertação, corrente ideológica dentro da igreja, ele conta em detalhes algo dos mais interessantes, como o fato de que para ter vingado de fato, ter permanecido enraizada, teria que ter se adaptado, feito algo mais dentro da cultura do povo brasileiro. Trouxe algo pronto e de difícil aprofundamento junto ao povo. Ele mesmo contará disso no bate papo, pois este tema é conflituoso e arrebata boa discussão. Falará de como se deu o trabalho em Bauru, orientado pelo bispo Padim e como foi atuar com os tais jovens da periferia da cidade. Hoje, aos 82 anos, mais lúcido que nunca, saúde impecável, aproveito essa estada pela cidade, algo a se encerrar no próximo dia 04/6 e o trago para uma reveladora conversa.

Quando escrevo sobre a influência do padre Herman sob uma quantidade grande jovens, eis o que encontro, escrito por mim e publicado no blog do Mafuá do HPA em 05/03/2014, onde cito algo sobre Oscar Fernandes da Cunha. Isso vale para ele e para tantos outros: “Oscar é um matuto de um professor muito querido por todos os lugares onde passou, discípulo de Herman Vos, um padre belga que por aqui aportou e introduziu uma legião de jovens num negócio denominado Comunidade Eclesial de Base. Herman passa três meses por ano em Bauru e sempre comparece, como nesse dia, na festa orcardiana. Oscar seguiu a onda e daí por diante, adentrou de cabeça em algo que transformou sua vida, o de ser plenamente um ser social. Na faculdade veio mais, uma turma pronta para o que der e vier e outra mestra, Salete Alberti, uma libertária, aquela que o introduziu definitivamente nesse negócio denominado de “dialética”. Faz uso disso, tanto a teoria como a prática no seu dia a dia”.
Já gravei chamada, onde tocamos em alguns temas, todos abordados com maior profundidade na entrevista deste sábado. 

Eis o link da conversa inicial, ocorrida no salão paroquial da igreja de São Cristóvão, onde está abrigado nessa passagem pela cidade. A entrevista ocorrerá na casa do Oscar Cunha, que foi um dos jovens envolvidos na ação direta do padre Herman e me auxiliará na condução da conversa. O horário também teve que ser pensado e terá que ser sábado bem cedo, 10h, pois Herman tem compromisso na hora do almoço e a tarde rezará missa, cumprindo agenda na ausência de um pároco em igreja local. Eis o link da chamada de aproximadamente oito minutos: https://www.facebook.com/henrique.perazzideaquino/videos/816598662652453.
No mais, muita conversa pela frente e com temas revendo algo ainda pouco contado da história e das entranhas bauruenses. Para encerrar, como jocoso e hilário com muito do por ele vivenciado, encerrará a conversa nos contando piadas e, é claro, falando de política, do momento atual mundial e brasileiro. Como é a visão de um estudioso do papel da igreja diante de todas as transformações atuais, a igreja ontem, hoje e amanhã. Será uma conversa e tanto.
Vamos juntos?

Eis o link da entrevista com 1h20 de duração: https://www.facebook.com/henrique.perazzideaquino/videos/256305820026899

A IGREJA AO LADO DAS LUTAS POPULARES* 
* Meu 62 texto para edição semanal do jornal DEBATE, de Santa Cruz do Rio Pardo.

Ontem entrevistei o padre Herman Voz para o meu projeto semana, sendo ele o 88 no "Lado B - A Importância dos Desimportantes ". O fiz com ele, pois assim como todos os demais 87 entrevistados estão na lida e luta pela real transformação deste país. Herman atuou em Bauru e cumpriu um papel valoroso na formação de jovens, principalmente da periferia, dando-lhes consciência de classe, algo que, quando adquirido, dificilmente a pessoa dele se afasta. E o fiz par mostrar que existe resistência dentro da estrutura atual da igreja católica, grupo remando contra a maré. Meses atrás entrevistei também no mesmo pré-jogo o padre Severino Leite Diniz, atuando nas recargas de Bocaina e totalmente enfronhado nas lutas sociais e movimentos populares. Enfim, estes os que interessam. 

Eu tenho muitos amigos que já desistiram e faz tempo das religiões. Insisto, não tanto por ela e seus dogmas, mas por pessoas ali inseridas e reconhecidamente de fibra e luta. Cito alguns: Casaldáliga, Arnaldo, frei Beto, Boff, Helder Câmara, Cardeal, Tito e os que continuam não deixando a coisa jambrar de vez, como o Severino, Herman e, mais do que nunca, o padre Júlio Lancelotti. Nestes botei e boto fé, mais do que a própria religião, nunca decididamente na luta pela libertação popular. Hoje mesmo, como alguém, cristão ou não, pode se posicionar contrário ao trabalho executado brilhantemente pelo padre Júlio? Só mesmo os muito abilolados. 

Eu já desisti de tanta coisa, mas de acreditar em pessoas e no que elas fazem, isso não consigo. Sei que tudo são projetos, quando coletivos, bem mais fáceis de serem alcançados seus objetivos. Mas nem tudo é perfeito e como todos sabem muito, a instituição igreja não possui nada de perfeição. Não dá mais para acreditar e seguir na pegadas do que prega os dogmas seculares, ultrapassados e totalmente inadequados para nossos tempos. Mas quando me vejo diante do que faz, o padre "bom samaritano", como a capa da última edição - a nas bancas - da Carta Capital denomina o padre Júlio, eu me derreto e se perguntarem hoje, se estivesse em São Paulo capital, qual lugar gostaria de ir, não hesitaria um só segundo, diria de bate pronto querer estar junto dele, o padre e nas andanças junto aos moradores de rua, da Cracolândia e redondezas. É lá onde acontece hoje algo dos mais dignificantes para o ser humano, que é a ação deste destemido homem, enquanto ao mesmo tempo, ocorre o que de mais perverso existe na face da Terra, que é o que fazem com estes mesmos moradores, os administradores deste Estado e da capital paulista. 

Eu nem sei mais o que escrever sobre a ação do padre Júlio, que quando conjuminada com o que vejo o padre Severino fazer lá na sua Promissão e algo do que já foi feito aqui em Bauru pelo padre Herman, vejo que a igreja fez e poderia ter feito, ou menos continuar fazendo muito para ao menos tentar diminuir o estado de perversidade da desigualdade social. Claro que, existem tantos outros movimentos em ação neste momento, mas hoje meu escrito é sobre o papel da igreja, a católica e algo de alguns ainda remando contra a maré do que impõe seus dirigentes superiores. Como gosto de gente que enfrenta o poder, bate de frente, compra brigas, mas não se afasta das lutas. Estes são os tais imprescindíveis. Pena, serem cada vez menos.

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