quarta-feira, 21 de março de 2012

CARTA (83) e MEUS TEXTOS NO BOM DIA BAURU (169)

MORTES, ARCÔNCIO E OS ALENTOS AINDA EXISTENTES *
Anteontem a notícia de um garoto morto aos treze anos, dizia-se palestrante e com uma vida desde os cinco de plena dedicação à causa religiosa. Uma espécie de prematuro pastor. Não o conhecia e o sentimento que tive foi de dor interna, percebendo o quanto deixou de ser criança enquanto teve idade para isso. Muita responsabilidade nos seus costados e na mais tenra idade. Ontem, a noticia de uma perda familiar, minha madrinha, Santa Perazzi, 81 anos e lembranças de minha infância, de seu pai na portaria do BAC e de todos os dolorosos reencontros possíveis nesses momentos. Na rua ainda ontem, um parente me conta de seu irmão falecido em dezembro, que não soube e lamentei por saber pela insólita forma, num casual encontro no meio do nada.

E hoje, terça, 20/03, 15h, a morte um símbolo, ARCÔNCIO PEREIRA DA SILVA. Existem pessoas pela quais afirmamos não mais existirem peças de reposição, essas as mais sentidas. Com a ida deste, afirmo não existir mesmo, pois o comunismo, o ideal de sua longeva vida possui hoje verdadeiros militantes a serem contados nos dedos de uma mão. Foram 96 anos de muita luta e intensamente vividos. Foi ferroviário até quando o deixaram ser, penou para colocar comida em sua mesa quando lhe cassaram o emprego. Décadas depois, a justa anistia lhe devolveu o salário mensal, perdido pela truculência de um insano regime político. Viajou de volta à sua terra natal e sonhava com a chegada de uma indenização, prometida, alardeada e nunca recebida.

Sonhou com um mundo mais justo, onde prevalecesse a justiça social e a desigualdade fosse peça de ficção. Sonhou o sonho dos justos. Aqui em Bauru foi um espelho, um símbolo, um baluarte e uma doce pessoa, firme e resoluto com quem devia ser, dos que sempre soube distinguir o norte do sul, o joio do trigo, a esquerda da direita, o roto do esfarrapado, o certo do errado, o dia da noite e, principalmente nunca se bandeou para o lado oposto. Meu dia estava irremediavelmente perdido, mas um alento acontece. Havia escrito dias atrás algo sentido, do fundo do coração para o mais importante jornalista em ação nesse país, Mino Carta e meu celular toca exatamente quando me condoia pela perda do velho comunista. Era ele. Contei-lhe a história de Arcôncio e ele me pede um texto sobre sua trajetória para sua revista. Darei o melhor de mim.

* Esse texto de minha lavra sai publicado hoje nos dois jornais diários de Bauru. No Jornal da Cidade, coluna Opinião e no Bom Dia Bauru, no Formador de Opinião. A ambos, quando do envio do texto fiz um formal pedido: "peço um favor de imensa valia: TENTE A TODO CUSTO REPRODUZIR UMA FOTO DELE NA PRIMEIRA PÁGINA DO JORNAL. Faça isso por todos nós, os que ainda continuamos acreditando que um outro mundo ainda é possível". Não tenho a pretensão de induzir ninguém a nada, sou um mero e simples inquieto cidadão, mas ao abrir a ambos hoje pela manhã, uma imensa felicidade em constatar o altivo rosto do velho comunista de Bauru estampado nas primeiras páginas. Arcôncio nos uniu em todos os momentos, inclusive neste. A carta para Mino Carta, motivo de sua ligação para mim saiu publicada aqui no blog em 11/03.

4 comentários:

Anônimo disse...

ARCÔNCIO



E lá se vai o companheiro Arcôncio, a caminho da eternidade, carregando consigo seus sonhos, sua dignidade e seus 96 anos de meninice, a maior parte deles vividos na luta por um mundo melhor.



Alagoano e ferroviário, no seu cotidiano de dificuldades e sofrimentos foi aprendendo que a exploração não ocorria por acaso, fruto de um sistema onde a dor do oprimido nada significa para os donos do poder.



Militante comunista participou da histórica greve dos ferroviários de 1949, sendo demitido e preso. As agruras não abalaram sua disposição de luta e suas convicções numa sociedade diferente e eram inevitáveis novas prisões, principalmente depois do golpe civil/militar de 1964.



Conheci Arcôncio nos anos 80, quando estudante de jornalismo e tive a oportunidade de entrevistá-lo. Com o passar dos anos pude compartilhar de sua amizade, suas histórias e sua alegria.



Arcôncio pertence a uma geração de rara estirpe, lutadores incorrigíveis, comunistas convictos, de raro despreendimento e coragem. Homens e mulheres que tanta falta nos fazem neste mundo mesquinho em que vivemos onde muitos, como dizia outro velho comunista falecido, “somente é de esquerda até ter um gato para puxar pelo rabo”.



Se existe um paraíso celeste lá certamente estarão todos estes seres memoráveis que deram o melhor de suas vidas por um sonho coletivo: Marighela, Gregório Bezerra, Apolônio de Carvalho, Pagu, Prestes, Olga, Beatriz Bandeira, Alberto de Souza, Elias Calixto e tantos outros e outras, todos atentos à chegada do velho companheiro que os brindará com a beleza da declamação dos versos que aqui na terra sentiremos tanta falta.



(P.S.: agradeço ao companheiro Pedroso por algumas informações extraídas do seu livro “Subversivos anônimos”



Arthur Monteiro Junior - advogado

Anônimo disse...

Tá aqui o samba cuja letra eu dediquei pro Seu Arcôncio no Boteco, tem tudo a ver com ele: http://www.youtube.com/watch?v=MEhOzlBQ6DM
Wander Florêncio - Fala Valente

Wander Florencio disse...

Já disse a GRES Tom Maior no Carnaval desse ano: “....cidadão de fé, fraterno e justo,de boa vontade, feito poucos,que sempre lutaram pelos outros...” assim era o Seu Arcõncio, embora por pouco tempo eu tive a grande alegria de conviver com ele pessoalmente, ele, sim era um comunista de verdade, pois tudo o que eu sei de luta social, eu aprendi com ele, diferente de alguns ditos comunistas, e tá aqui a matéria que eu fiz , chorando, em homenagem a ele no Boteco:http://botecodovalente.blogspot.com.br/2012/03/obrigado-seu-arconcio-um-comunista-de.html

Mafuá do HPA disse...

Esse texto do vereador Roque Ferreira saiu publicado hoje na seção Formador de Opinião, do Bom Dia Bauru. Achei interessante sua reprodução aqui.
Henrique -direto do mafuá

Combate nos trilhos

Arcôncio Pereira da Silva, que morreu na última terça-feira, aos 96 anos, ferroviário, militante político operário, marxista e comunista, dedicou toda sua vida ao combate contra a exploração da classe trabalhadora, e também pela construção de uma sociedade socialista.

Arcôncio, alagoano de Viçosa, foi ferroviário da Companhia Paulista de Estrada de Ferro, sendo admitido em 1936, onde começou sua militância política. Foi demitido em 1949, por ser um dos organizadores da greve dos ferroviários da Paulista realizada na rede de Triagem/Bauru.

Posteriormente foi contratado pela Estrada de Ferro Sorocabana de 1964. Preso em 1949, 1964 e 1970, Arcôncio militava desde 1947 nos quadros do Partido Comunista.
Trabalhou também na antiga Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, como jornaleiro. Foi um dos fundadores da Associação dos Aposentados de Bauru. A coerência e a moral revolucionária operária sempre foram as marcas da militância de Arcôncio.

Como disse Bertold Brecht uma vez:

“Há homens que lutam um dia, e são bons;
Há outros que lutam um ano, e são melhores;
Há aqueles que lutam muitos anos, e são muito bons;
Porém há os que lutam toda a vida
Estes são os imprescindíveis’.’

Arcôncio era um destes imprescindíveis.

Roque Ferreira (PT) é sindicalista e vereador roque800@gmail.com