domingo, 11 de setembro de 2016

BEIRA DE ESTRADA (68)


O VEREADOR DA POUSADA DA ESPERANÇA ESCOLHEU O SEU LADO
A Pousada da Esperança, junto da Vila São Paulo é um dos bairros mais significativos da periferia na cidade de Bauru. Ali residem de fato parte considerável dos trabalhadores dessa cidade. Quando alguém busca entender o significado do termo “marginalizado”, esse bairro, localizado junto da rodovia entre Bauru e Arealva, também o que leva ao novo e até agora sem importância, novo aeroporto de Bauru é um dos que abrigam parte considerável desses. “Os marginalizados utilizam modalidades econômicas diferentes para subsistir e para sobreviver. A subsistência se baseia em um intercâmbio precário de mão de obra com o dinheiro. (...) Os marginalizados são como os caranguejos: realizam certas funções úteis dentro da composição urbana, se alimentam de suas sobras e vivem nos arredores mais distantes da cidade, física e economicamente falando. (...) Nos locais suburbanos, ali onde terminam os serviços e as facilidades que associamos normalmente com uma cidade moderna, vivem milhões de seres humanos a margem da sociedade dominante. (...) Quem são os marginalizados? Qual é o significado do fenômeno da marginalidade, pobreza e migração rural? Como sobrevivem os marginalizados? (...) O essencial na marginalidade é sua falta de vinculação e integração ao sistema econômico urbano-industrial. (...) Muitos marginalizados possuem um conhecimento muito superficial do resto da cidade onde residem, incluindo seu distrito central e nada mais”.

Esse texto entre aspas citado acima faz parte de minhas leituras habituais no momento, envolvido com minha tese de mestrado e estão no livro da mexicana Larissa de Lomnitz, o “Como sobrevivem os marginalizados”, sua tese e motivo de pesquisa realizada no início dos anos 70 em cidades periféricas daquele país. Fui me lembrar do texto que estou lendo e junto com nossa realidade na manhã do último sábado, 10/09, quando participei de um Ato do Fora Temer no Calçadão da Batista de Bauru. Quando vi surgindo e subindo o Calçadão os cabos eleitorais de um dos candidatos a prefeito de Bauru e junto deles um vereador, Natalino da Pousada,em seu segundo mandato e buscando ser reeleito mais uma vez, acabei me perguntando para mim mesmo: o que faz essa pessoa estar junto de uma candidatura que pouco ou nada tem a ver com os interesses da classe trabalhadora e, consequentemente com os dos moradores do lugar onde mora e está concentrado o maior número de seus eleitores?

Ele passou por nós, um grupo ali empunhando bandeiras contra o Golpe de Estado, gritando pelo Fora Temer, pelo restabelecimento da ultrajada democracia e clamando pela não perda dos direitos dos trabalhadores, tão duramente conquistados. Passou incólume como se nada disso lhe dissesse respeito. Nesse momento, confesso, parei e fixei meus olhos em sua pessoa. Baixou em mim uma baita de uma tristeza, dessa de não entender como se processam algumas coisas dentro do interior do ser humano. Se o citado vereador olhar para os lados de tantos que moram ao seu lado, deveria ao menos ser muito mais crítico com quem está no comando da campanha que ora está engajado. E não o faz, parece contente, todo pimpão, sorridente e até ciente dos descaminhos por onde trafega sua trajetória política. Agora mesmo não assina pedido de instalação de CEI na Câmara para desvendar quem seriam os grandes devedores de água na cidade, os que não pagam suas contas e não tem suas contas cortadas.

O marginalizado do texto da professora é também o invisível da sociedade, o ignorado ou, como apregoa um novo conceito desenvolvido pelo professor Ricardo Alexino Ferreira da USC, o sócio acêntrico. A forma e a denominação pouco importam nesse momento de reflexão, mas o sentido, o que fazem, onde estão inseridos e como são vistos, sim. Observo aquela região da cidade e enxergo ali uma transformação ao longo das últimas décadas. Ocorreram ali infindáveis melhorias na qualidade de vida da numerosa população ali residindo e até mais um núcleo residencial popular foi ali erguido. De totalmente marginalizados, como no passado, uma transformação evidente. Muito bom, mas sem perder a condição de periferia e de ter uma gana de necessidades e reivindicações, quase todas de choque profundo com quem defenda o neoliberalismo, por exemplo, como modelo de gestão e de vida. Daí, vi o Natalino, totalmente fora de foco, como se navegando num lugar onde não deveria ser sua praia.

Se formos estudar, dos motivos de alguns dos que conseguiram sair da situação de marginalizados e mesmo residindo ou gravitando junto aos seus, hoje apostam num outro discurso, prática oposta, isso daria pano para manga. Uso o vereador como um exemplo (outros tantos poderiam ser citados) e analisando o papel cumprido pelo mesmo em seus mandatos e hoje, o visualizado nas ruas, como algo não comum, mas a acontecer com certa frequência no contexto social propiciado pelo modelo econômico e social onde vivemos. E por que isso? Não vim aqui para fazer uma análise profunda, mas para colocar mais um pedrinha no caminho desses que optam por esse (des)caminho. A luta da classe trabalhadora, dentre ela a dos marginalizados e moradores de nossas periferias já é tão cheia de percalços e a vejo muito mais complicada quando alguns que poderiam ajudar sobremaneira na sua libertação, no esclarecimento necessário para entenderem de fato contra quem devem travar as batalhas numa vida toda, esses quando com possibilidades de fazê-lo se postam do lado contrário. Desse jeito e maneira a libertação torna-se mais e mais árdua, penosa e trabalhosa. Foi só uma constatação de percurso, continuemos pois o roteiro de nossas vidas, cada um ciente do papel a ser cumprido dentro de um script tacitamente traçado por nossas mentes e conjuntura.

Nenhum comentário: