sexta-feira, 10 de junho de 2011

MEMÓRIA ORAL (105)

ARTE COMO ARMA DE TRANSFORMAÇÃO
De 06 a 09 de junho aconteceu a III Semana Latino Americana em Bauru SP, com palestrantes nitidamente de esquerda a discutir os rumos do continente e o inusitado do evento foi quem o patrocinou. O Colégio D’Incao é um dos mais caros da cidade, com mensalidade de R$ 1.200 reais por aluno, mas com um diferencial dos demais, um dos seus diretores, Carlos D’Incao, 38 anos é marxista e só por causa disso, após alguns pais tomarem conhecimento dessa peculiaridade, tiram seus filhos da escola. “Um pai ao saber que o diretor havia confessado não acreditar em Deus tirou seu filho no meio do semestre, sob a alegação de que não poderia permitir que ele continuasse estudando num local onde o diretor é ateu”, me diz um aluno, cujo colega deixou de freqüentar as aulas na semana passada.

O diferencial do colégio são muitos e realmente comprovam algo distante da realidade encontrada nas demais particulares. Primeiro o número limitado de alunos, 350, sem qualquer possibilidade de aumento. Trabalham com esse máximo e já estão com todas as vagas preenchidas para o próximo ano. “Ganham muito dinheiro, mas propiciam algo não encontrado nas demais, uma pluralidade de conhecimento e onde o aluno precisa de uma dedicação maior, pois a carga horária é carregada. Além da coragem em mostrar o outro lado, o colégio já é excelência nacional em Física Nuclear e não se omite em relatar a história como de fato ela ocorre”, me diz Paulo Neves, professor de História, diretor de teatro e coordenador da Semana.

Essa semana para os alunos em fase pré-vestibular foi idéia dele, logo encampada pela direção e por ali já passaram alguns conhecidos nomes do cenário nacional, todos inaceitáveis em debates de escolas particulares envolvendo a formação de pessoas com renda acima da média. Nessa o encontro de dois personagens dos mais polêmicos e com posicionamentos muito parecidos no pensamento e na forma de ação política, o chargista Carlos Latuff e o cineasta argentino Carlos Pronzatto, ambos reconhecidamente, além da atuação profissional, ativistas políticos de esquerda. No encontro deles a combustão aumenta, sendo seu ponto alto, o mais concorrido da semana, comprovando que a possibilidade de pensar diferente atrai mais a atenção do que o trivial lido e visto na maioria dos órgãos de mídia nativos.

Na quarta, 8, Latuff chega mostrando aos alunos vídeos produzidos por ele em recente viagem a Santiago do Chile, onde manifestações estudantis infestam suas ruas, paralisam aquele país e deixa no ar uma pergunta: “E por aqui nada. Por que? Precisamos entender estarmos vivendo numa espécie de Matrix, onde tudo conspira para que se continue sempre no mesmo lugar. O sistema não te estimula a reagir e sim, aceitar tudo passivamente. Não percam a perspectiva da resistência, pois nada hoje é normal. Numa loja um lustre sendo vendido a R$ 15 mil reais e defronte a mesma três meninos cheirando cola. Estamos doentes, sendo preciso que você tome a pílula vermelha e não azul”. Sua fala, recheada de palavrões e com ampla participação de todos é vibrante. Ninguém se levantou nem para ir ao banheiro durante as quase hora e meia trancados no auditório de uma livraria da cidade, o local do evento.

Falou da situação do Rio de Janeiro, das UPPs, do combate ao crime organizado nas favelas e de política: “O PT não chegou ao poder e sim, ao governo. Quem produz é quem tem poder e a única maneira de você conseguir poder é por golpe ou revolução. Eleição não confere poder. Poder se conquista na bala. Mais poder que a Dilma possui o Edir Macedo. Contra a corrupção não existe bala e quem quiser combater o crime vai quebrar sigilo bancário e não trocar tiros em favelas. Eu gosto muito da palavra putaria, mas na política possui o pior sentido possível”, conclui sob os apupos de todos. Rodeado, naquela noite a livraria foi a última a fechar suas portas na redondeza.

Dia seguinte, quinta, 9, quem fala aos estudantes é o cineasta argentino Carlos Pronzatto, alguém a filmar os acontecimentos do continente e a cutucar as estruturas arcaicas e corroídas onde elas estiverem a ocorrer. Seus filmes documentários versam sobre tudo, desde a questão da água boliviana, o panelaço argentino, os estudantes chilenos, Evo, Chávez, Canudos, Madres de Maio, Euclides da Cunha, Allende, passe estudantil em Salvador, etc. Com uma câmera na mão e uma idéia na cabeça percorre o continente como um Quixote, empunhando sua lança e diante de uma moçada, todos menores de idade, vai mostrando sua trajetória e demonstrando que o que faz é possível a todos ali sentados na sua frente.

“A Bolívia é essencial para se entender a América Latina, retiraram seu braço de mar e foram submetidos a diversas culturas diferentes da sua. E tudo o que ocorre lá e nos demais países à nossa volta é tristemente desconhecido pelos brasileiros. Eu faço o inverso, viajo e acreditem, todo preconceito cai numa viagem e para isso nem é preciso dinheiro e sim, coragem. Eu produzo algo pensante, bem diferente do filme brasileiro, que mais parece uma novela diminuída para uma hora e meia. Eu durmo assistindo os filmes da Globo, não consigo ver”, diz enquanto na tela são mostrados cenas de alguns de seus filmes, como o “Mapuches – Um pueblo contra el estado”.

Seu sotaque preenche a sala e quando fala de sua arte, é impossível não fazer uma comparação na distribuição de verba pública para filmes aqui e lá na sua Argentina: “Os editais no Brasil são feitos para dar de comer a um monte de técnicos, pagos só para preencher aquilo tudo. Na Argentina, quatro folhas e quase nada de burocracia. Faço filmes com R$ 1, 2, 5 mil, tudo pequeno valor e eu mesmo saio vendendo, cópias ao estilo pirata, que levo junto de meus livros e revendo após encerrar minha fala”. Foi o que ocorreu, cercados pelos jovens, no estilo inspirado em Plínio Marcos, os preços diminuíam na compra de mais de três peças e quase a repetição do ocorrido no dia anterior, com a conversa final sendo estendida para a calçada.

Latuff, que permaneceu na cidade um dia a mais foi prestigiar Pronzatto e os estudantes pareciam ávidos por mais daquilo. Dois universitários já os queriam em Botucatu no próximo mês e brincando Latuff lança a idéia de juntos devastarem essa imensidão de possibilidades. “Hoje predomina o stand up de gosto duvidoso e brinco dizendo que faria um de esquerda, mas com a possibilidade de algo junto com Pronzatto, acho que o formato terá que ser repensado”, diz. Alguém diz a eles ter ouvido que o ex-jogador Sócrates estava aceitando dirigir o futebol cubano e que só o faria se ganhasse o mesmo que o trabalhador cubano, nem mais nem menos. Pronto, os olhos de ambos brilharam e a idéia ficou no ar, pois arrebanhar capital aos borbotões não é o negócio de nenhum deles. Querem é sobreviver e continuar mostrando para quem interessado estiver que outro mundo é mais do que possível. É isso que os move e Latuff antes de ir embora diz aos que o rodeavam: “Se pelo menos um sair daqui pensando igual a nós dois, querendo botar pra quebrar, estamos felizes”.

5 comentários:

Anônimo disse...

Latuff é um irmão-camarada, alguém que nos faz valer a pena sair de casa no frio para ouvir suas reais palavras, enquanto que alguns ainda enxergam flores, Latuff enxerga a merda, a realidade cruel do capitalismo e sabe como fazer a crítica a este sistema. Latuff é um eterno jovem de 68 com uma grande mente subversiva.
Viva Latuff!!!

Marcos Paulo
Comunismo em Ação

Anônimo disse...

Obrigado pelo oportuno convite, mas eleições no sindicato e demais compromissos não permitiram nem abrir emails por esses dias, pena . E como foi o encontro, caro Henrique? Precisamos de um lugar na 6[ à noite ou sábado, ou fim de tarde-início de noite para, vez por outra ou regularmente nos encontrarmos. Talvez o espaço futuro da Da. Celina, em adaptação pelos netos e filhos. Cultbar e/ou poderá vir a ser. Singlebar, samba da vela... Abraço do amigo de sempre, com respeito, gratidão e apreço.

Rubens Colacino

Anônimo disse...

Já havia tuitado teu texto
Muito bom reve-lo, querido Henrique
Muito bom mesmo
Melhoras pra sua mae, tá?
Um abraço forte
Carlos Latuff

Anônimo disse...

Olá Henrique
Finalmente vim para Sampa. Aquele ônibus pro Rio estava lotado e mudei meu percurso. Foi bom porque hoje adiantamos bastante um livreto que vai sair na Convenção de Cuba aqui em São Paulo(23 a 26) com textos sobre Cuba e poemas meus. Venha... O tema é que já pintaram dois convites (Campinas e Sto André) e ai vou ver como consigo ir para a cidade maravilhosa (sacrifício hein...?) nestes dias antes da Convenção antes de retornar à boa terra. Adorei o encontro, o Instituto D'Incão, nosso passeio junto ao Latuff na historia ferroviária de Baurú ( merece um belo documentário), o Paulo...enfim, um belo momento que ficará na memória. Pena nao poder ter me despedido de vc mas imaginei os avatares com a saúde dos seus pais.
Forte abraço
carlos pronzato
Hasta....
Sampa
PS:
Se vier a Convenção entre em contato comigo, estou hospedado no apê de um dos organizadores (Teo: 11 74196318/26382395).

Anônimo disse...

Henrique:

Desculpa não ter aparecido o dia da palestra de Latuff. Fiz tudo o possivel por correr para assitsir, mas terminei saindo do USC às 23 h. Desculpa, será na próxima.
Abraços, Rosa Tolon