quarta-feira, 22 de julho de 2015

BEIRA DE ESTRADA (51)


‘O MURO DA FANECO’ VIRA UM TRABALHO ACADÊMICO DE FOLKCOMUNICAÇÃO

Meu olhar acadêmico possui um entrelaçamento com o que vejo, sinto e pulso nas ruas, principalmente as de Bauru. Outro dia mostrei aqui meu primeiro trabalho acadêmico, sobre a catadora de papel Hilda de Souza e o segundo, esse apresentado num Congresso de FolkComunicação em Cuiabá, Junho 2015, teve por tema “FONTES POPULARES: A INTERFACE FOLKCOMUNICATIVA NO MURO DA FANECO”, numa parceria minha, de uma colega DAÍRA MARTINS BOTELHO e nossa orientadora, a professora MARIA CRISTINA GOBBI. A escolha daquele muro não foi acaso, foi algo onde concilio o que vivencio pelas andanças e rolanças em Bauru, as amizades que faço nas quebradas do mundaréu e na mistura disso tudo, um pouco de mim e muito do que encontro. Tentei mostrar da importância desses meios alternativos comunicacionais, que muitos encontram após decepcionarem-se com os meios tradicionais e convencionais, sendo que muitos desses, na maioria das vezes não atende suas expectativas. Certo dia procurei a Faneco e lhe disse: Posso te retratar num artigo acadêmico?”. Ela consentiu e o resultado da primeira abordagem foi essa, com partes reproduzidas abaixo:

Resumo: “A partir de uma concisa revisão bibliográfica e do uso da história e da memória oral da protagonista, o presente artigo coloca em cena um espaço de intervenção sociocultural e político reconhecido na cidade de Bauru, interior de São Paulo. Nesse, verifica-se evidências de experiências de manifestações folkcomunicacionais espontâneas e criativas, em meios não convencionais, propondo a formação de patrimônio sociocultural. Trata-se do Muro da Faneco, como é conhecido na cidade, grafitado com escritos da moradora de um importante corredor viário de Bauru, rota de passagem diária de centenas de pessoas. Os escritos, atualizados com regularidade, convidam para reflexões acerca dos saberes populares, à luz de referenciais teóricos relacionados com memória oral, história política, a cultura e a folkcomunicação. O foco metodológico ocorre a partir do uso de técnicas de pesquisa de campo, incluindo interlocução, entrevistas, coleta e produção de material iconográfico/imagético.
Um dos objetivos ao trazer esse estudo foi ampliar o campo de análise e propor desdobramentos possíveis a partir de uma micro-história, tomando como princípio uma ação comunicativa aparentemente invisível perante a mídia hegemônica, que responde por uma suposta ‘história oficial’ dos acontecimentos da cidade. A busca da protagonista-social na construção de um discurso produzido, organizado e difundido dentro de possibilidades concretas, amparado em saberes populares, indica questões acerca da comunicação dos marginalizados, que instrumentaliza o objeto de estudo. O Muro, como local de comunicação, é valorizado, disputado e representa um espaço social relevante, provocando questionamentos que entretecem História, Memória Oral e Comunicação. Os saberes e a experiência presentes nos discursos folkcomunicativos reproduzidos no Muro são fontes reativas, formando um legado popular, que amparado na prática social, cultivam o patrimônio cultural.”

Entenda o que é FolkComunicação: “Um dos grandes campos de estudo da comunicação é a folkcomunicação. O termo vem a partir das pesquisas do jornalista, pesquisador e professor pernambucano Luiz Beltrão que ainda na década de 60 desenvolveu as primeiras pesquisas sobre o assunto. O pesquisador afirmava que a folkcomunicação era "o conjunto de procedimentos de intercâmbio de informações, idéias, opiniões e atitudes dos públicos marginalizados urbanos e rurais, através de agentes e de meios direta ou indiretamente ligados ao folclore. O professor Beltrão afiançava que a comunicação não se dava somente através da grande imprensa: televisão, rádio e cinema. Que a comunicação não se limitava somente aos que eram dominadores da arte erudita e da ciência acadêmica. Beltrão dizia que, as conversas nas portas de rua, na barbearia, no barzinho, nas manifestações folclóricas podem provocar uma ação uniforme e eficaz na comunicação. Para ele, todas essas linguagens, muitas vezes desprezadas por aqueles que se dizem de alta cultura demonstram uma expressão de pensar e sentir que em muitos casos podem estar na contracorrente das classes oficiais e dirigentes.
Quantas vezes ficamos mais bem informados sobre um assunto através de um cordel? Então a folkcomunicação pode se dar naquelas mensagens muitas vezes debochadas dentro dos banheiros, os famosos grafitos de banheiro; nos pára-lamas de caminhão através daquelas frases de amor, de ironia ou saudade; nas cruzes da beira da estrada indicando sem que ninguém pergunte, que ali morreu alguém, nos antigos almanaques, nos caixeiros viajantes que hoje são substituídos pelos vendedores porta a porta etc. É neste ponto que Beltrão afirma que a folkcomunicação é a comunicação dos marginalizados, ou seja, daqueles que estão à margem da grande mídia e precisam comunicar aos seus pares alguma informação. Então em 1967 Beltrão defendeu a tese: Folkcomunicação: um estudo dos agentes e dos meios pululares de informação de fatos e expressões de idéias. Logo, a folkcomunicação é uma teoria genuinamente brasileira. A única teoria brasileira da comunicação.”, Jacqueline Lima Dourado (jornalista, professora e mestre em comunicação pela UFRJ e a autora do livro Do Ex-voto à Indústria dos Milagres em parceria com José Marques de Melo e Maria Cristina Gobbi).

Daí, algo mais do texto do trabalho apresentado: “Há quase dez anos, Maria Inês Faneco faz do muro de sua casa uma intervenção folkcomunicacional em seu bairro (Vila Falcão) inscrevendo mensagens que ecoam por Bauru, cidade do interior de São Paulo. Em que outro lugar, senão na periferia, podem ser visualizados placas e cartazes variados pregados em muros, portões, janelas, postes e afins. O intuito é sempre o mesmo, o do produzir comunicação. São inúmeras as formas e maneiras distintas de comunicação presentes nestes espaços, grande parte baseadas na criatividade popular da transmissão de mensagens. Algo bem brasileiro e bem folk. (...)Situado numa posição geográfica de destaque na cidade, em rua de intenso movimento que liga vários bairros periféricos ao centro da cidade, o Muro da Faneco surgiu de forma espontânea e sem aspirações da visibilidade que conquistou.
Os escritos foram se sucedendo diante da receptividade da comunidade e da constatação de que o Muro tornou-se um meio de aproximação e uma forma de falar e se comunicar com a cidade como um todo. As ações também ganharam espaço. Não só na boca do povo, como na mídia tradicional, que passa a acompanhar os escritos no Muro da Faneco. (...) Podemos considerar como outro exemplo interessante de amplitude de ações da cultura popular o fato de um dos escritos ter sido utilizado como questão em um Vestibular da Universidade Estadual de Londrina (UEL). O fato foi divulgado na primeira página do Jornal da Cidade. No momento do auge da epidemia da dengue (2013), no interior de São Paulo, especialmente na Região em torno de Bauru, rendeu muitos escritos no Muro. Outro exemplo interessante foi na campanha política de 2008, que foi proibida qualquer expressão gráfico-visual em apoio a candidatos. No entanto, o Muro da Faneco demonstrou opção pelo candidato a vereador do PT (Partido dos Trabalhadores) Roque Ferreira.”

CONSIDERAÇÕES FINAIS: “Algo que começou de forma incipiente, como um modo de botar a boca no trombone, e dizer livremente o que não era permitido dizer via mídia massiva local, obteve visibilidade e alcance sociocultural inesperado. Os escritos foram sendo renovadas com maior periodicidade e até tornaram-se alvo de cobranças. Maria Inês Faneco, a idealizadora do Muro, uma audaz pipoqueira, divulga hoje não só o seu trabalho profissional, como diversas atividades locais. O Muro é ainda algo novo em termos de comunicação na cidade, mas que despontou e ganhou importância na vida da protagonista-social que, além do ganha-pão com o carrinho de pipoca, os cuidados com a mãe adoentada, passou também, a promover ações cidade afora. Reconhece que hoje ampliou sua consciência social e que o Muro não se presta para divulgar qualquer tipo de coisa. Sabe, a cada dia mais, bem escolher os temas do seu spray! Sendo as ações do Muro da Faneco claras manifestações dos processos de folkcomunicação e da genialidade da população marginalizada, que amparadas em espontaneidades conseguem transmitir informações utilizando a criatividade.”

Aqui trecho que foi escrito. Espero que a homenageada goste e em alguns outros momentos, penso em reaproveitá-lo com nova roupagem. A Faneco, como sabemos, merece um tratado sociológico, por tudo o que faz e representa. Mesmo sem o saber é condutora e assim sendo, figura exponencial nessa Bauru recheada de significativas pessoas, todas de uma linhagem parecida com a dela, forjada nas periferias e prontas para o que der e vier. Elas fazem e acontecem. A cidade possui essa pluralidade vislumbrada hoje por causa de gente como ela, sem medo de ser feliz. Viva Faneco!


OBS.: Faneco irá receber em breve uma cópia encadernada do texto, todo na íntegra, para guardar como recordação do que proporciona para Bauru. Esse trabalho é só uma delas.

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