segunda-feira, 28 de setembro de 2015

O QUE FAZER EM BAURU E NA REGIÃO (68)


A CIDADE VISTA DE CIMA DO VIADUTO DA TREZE DE MAIO
Alguns dias a pé, andei muito nessas últimas semanas. Rodinha nos pés, o que mais fiz e pretendo continuar fazendo quando voltar a rodar de quatro rodas é andar e andar. O corpo gostou e mesmo com o calor, agradece. Fui e voltei daqui das barrancas do rio Bauru onde me instalo, andando pela Nuno de Assis, tomando o maior cuidado no trecho compreendido entre a rádio Bandeirantes e a subida do viaduto João Simonetti, o da rua Treze de Maio. O cuidado é necessário, pois morando nessa região acompanhei toda sua transformação e hoje, com o aumento da deterioração do lugar, a concentração de problemas exatamente nessa região da cidade. Digo sempre para os que me perguntam dessa ingrata reunião aqui ocorrida na região compreendida entre os trilhos praticamente abandonados, o albergue noturno, o terminal rodoviário, o centro velho escuro e com muita pouca gente à noite nos finais de semana, além da atual situação pela qual enfurnaram a avenida Nuno, toda esburacada e num interminável restauro. Junte-se a isso os nossos todos imensos problemas sociais convergindo de maneira decisiva para o pedaço. Pronto, uma região em combustão.

Nem sempre a região teve essas características. Algumas décadas atrás, com o rio já canalizado, o point noturno de Bauru era dando voltas nas duas margens do rio. Quando o Corinthians foi campeão em 1977, após 22 anos sem título, a festa ocorreu aqui. Tudo foi se degenerando. Atravessando a pé a região nota-se o que foi e o que é de fato. Qualquer pessoa que se aproxima, ainda mais vinda lá de baixo do viaduto e no seu encontro, um susto. Acelerei os passos algumas vezes, mas tudo não passou de sustos, antecipado medo encruado em tudo e todos. Quando começo a subir o viaduto, dou primeiro atenção para o que vejo do lado esquerdo. Olho para o Bauru Painéis e o vejo como sempre foi, uma empresa cuidando do seu espaço, mas cada vez mais isolando-se de tudo o mais. Ergueu altos muros e perdeu as esperanças de querer fazer algo para transformar a situação. Tempos atrás, em parceria com a Cultura Municipal reformou a quadra de futebol bem ao seu lado e dos trilhos, mas tudo se deteriorou e hoje o cenário de quem passa lá em cima e olha para baixo é desolador. Pessoas amontoadas nos cantos, como lixo no meio de entulhos, andando em andrajos e sem rumo. O que esperar deles? Nada de bom, estão num mundo mais do que apartado de tudo e todos. E quando saem dele é para conseguir algo e voltar para ali. Conheço muitos deles, pois batem palmas em todos os portões da região.

Do lado dessa ex-quadra de futsal (até as traves e bandejas do basquete sumiram), uma casa, que tempos atrás foi moradia de uns remanescentes indígenas. A casa continua lá, beirando os trilhos, mas com lixo por todos os lados e no meio daquilo tudo, animais. Ouço um galo cantar nas várias vezes de minhas andanças. Os mesmos que circulam na quadra, reunem-se em grupo nessa casa. Olho lá de cima e os vejo, mas desvio o olhar ao perceber que me olham, mesmo reconhecendo alguns do meu portão. Sigo em frente. Do outro lado da linha, uma outra triste cena, a bonita estação da Cia Paulista toda destelhada, parece que dessa forma para não destoar do restante do cenário. Uma difícil verba conseguida, obra iniciada pela Prefeitura e parada poucos meses depois, como querem fazer agora com a Estação de Tratamento de Esgoto. Impossível ninguém se sensibilizar com aquilo tudo destelhado, sendo consumido pela ação implacável do sol e da chuva. Seria uma sina tudo ali estar de mal a pior? Não quero crer, mas os indícios são fortes. Olho para os trilhos e vejo muito lixo, principalmente restos de construção e me pergunto: como pode alguém deixar sua casa mais bonita e jogar o que sobrou de sua reforma no meio dos trilhos? Isso prova o quanto existe de uma mórbida insanidade dentro de cada um de nós.

Na vila beirando os trilhos, ou melhor, na rua, antigas casas de ferroviários. As vejo uma de cada cor, em algo que me lembra o bairro argentino do La Boca. Percebo só de olhar que os moradores tentam manter a dignidade no lugar. Limpam a rua, mas nos fundos a coisa está degradada, muito lixos ali acumulado. Outro dia me encontrei com um antigo morador daquela quadra atrás das casas, começo da Marcondes Salgado, o professor aposentado Israel, da Escolinha da Rede e ele me disse: “Não se sai mais de casa depois das oito da noite. Sair até dá, mas voltar depois das 21h, ainda mais sendo velho e com mobilidade reduzida, não dá. Tranco tudo e fico em casa. O telefone funciona para acionar os parentes em caso de urgências. Gosto daqui, sempre morei aqui, mas a coisa piorou muito nos últimos anos. Não dá para brincar com essa turma da linha”. Esse desabafo é o mesmo de qualquer outro. De cima do viaduto dá para perceber os lugares fechados, abandonados e mato crescendo nos quintais nessa situação. Uma rua sem saída, mato crescendo nas beiradas das calçadas. Tento me colocar na situação de quem ali mora e penso em como deve ser a coisa ali durante a noite, com mais ninguém sentado nas calçadas, batendo papo. Calor incandessente e todos fechados a sete chaves dentro de suas casas. Essa a situação, onde deve vingar um certo medo no relacionamento com os desprovidos de tudo. Tudo é confundido com perigo, daí sempre o pé atrás para tudo.

Do lado direito de quem sobre o braço do viaduto que vai para a Nuno, quanto mais subo, mais me assusta no que vejo. Embaixo do viaduto puro abandono. Um lugar antes todo pavimentado com paralelepípedos, mas tudo sem sentido, com muita terra de construção, tubos e mato. Um portão sempre aberto liga a quadra, com o lado de cá e é o único acesso. Ninguém em sã consciência se atreve a passar por ali sem ser um dos que ali gravitam, até porque, bobo quem gosta de corrar riscos à toa. Do lado uma casa, com uma cobertura totalmente deteriorada do investimento de alguém que um dia pensou em abrir um posto de combustível por ali. Mora gente por ali, mas dias atrás vi movimento de mudança. Imagino como deve ser perigoso a pessoa morar num lugar desses e ter que deixar sua casa sózinha por meros instantes. Na sequência da casa, uma fila de barracões, onde funciona uma oficina mecância, talvez a última a resistir por ali. Uma fábrica de auto falantes tentou se mudar para ali, onde muito tempo atrás funcionou um bailão, mas já foi embora, com certeza, provocado pela insegurança vivenciada por ali. Ficou a parede pintada com sua marca. Num terreno no meio deles, durante anos vi ali estacionados dezenas de ônibus do transporte urbano, esses que são colocados extras e ficavam à disposição para horários mais movimentados. Hoje não os vejo mais ali, pois o terreno é utilizado como depósito de material da firma que promove a reforma na avenida.

Tempos atrás muita gente fazia caminhadas naquela região, andando de um lado a outro da avenida e acompanhando o percurso do rio. Não dá mais, muito buraco, tudo com calçadas precárias, mato e quase sem viva alma. Circo e parque, acredito, nunca mais serão ali instalados. Aspecto de sujeira, pó por tudo quanto é lugar, até na vegetação, tornando o lugar um tanto sombrio. Os que saem do viaduto inacabado, o ainda sem nome ao adentrarem a avenida caem hoje num dos lugares mais degradados da cidade. Se olharem, como fiz várias vezes, para o que se passa debaixo do outro viaduto, o JK, Jucelino Kubischek, a cena é aquele amontoado de gente esquálida indo e voltando. Somente um louco consegue andar ainda pelos trilhos e ir de um desses viadutos até a estação da NOB. Dificilmente deixaria de ser abordado no trecho. Acho que até os funcionários da concessionária dos trilhos urbanos devem padecer para andar por ali. Das vezes que atravessei pelo viaduto sempre uma ou outra viatura policial circulando. Ninguém mais se assusta com a presença deles por ali. Não vejo ninguém assustado lá debaixo do viaduto, até porque nem sei se a maioria deles conseguiria dar um pique com alguma velocidade. Vejo também boa parte do pátio ferroviário e nele muitos vagões abandonados, deteriorando-se e ali depositados, inservíveis, verdadeiras chagas a céu aberto. Alguns a Cultura Municipal consegue repatriar e recuperar para utilização variada.

Impossível alguém ficar contente com esse cenário ou olhar para tudo isso com esperança, vislumbrando algo de positivo, um futuro promissor para tudo aquilo. Não percebo nada disso. Afinal, pergunto, qual o plano existente e em funcionamento para a região abaixo do viaduto? O que é pensado para a avenida Nuno de Assis naquela sua parte inicial, que vai daquele espaço onde montavam-se parques, debaixo do Fórum, até a entrada do braço do viaduto na Nuno? Quando serão retomadas as obras na estação da Cia Paulista? E aquela quadra, a casa ao lado, o que se pretende com aquilo tudo? Eu, olhando várias vezes para esses mesmos lugares durante bem umas duas semanas, a cada retorno volto aos mesmos questionamentos. Até a frequência de gente circulando a pé pelo viaduto diminuiu drasticamente, pelo menos no braço que desce para a Nuno. Ninguém gosta de circular pelo feio, ainda mais de olhar para baixo ou mesmo de correr certosriscos. Conheço gente que dá uma volta pela Antonio Alves só para não passar mais ali. Notei na maioria das pessoas ali circulando um olhar perdido, praticamente fazendo questão de não querer enxergar o que está ali diante dos seus olhos. Passam sem olhar para baixo, ou se olham, olham para o distante, o alto do Bela Vista, por exemplo. Os que o fazem, como fiz, atravessam entristecidos, como fiz todas as vezes que por ali passei a pé.

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