terça-feira, 15 de dezembro de 2015

MEMÓRIA ORAL (191)


SEIS HISTÓRIAS DE VIDA VIVIDA EM BAURU

01) NELSON MOTTA DANÇOU ATÉ NÃO MAIS PODER E HOJE SE FOI

Notícias ruins chegam das formas mais inesperadas possíveis. Hoje recebo uma delas através de uma lacônica nota via redes sociais: “O mundo da dança perdeu hoje o Nelson que tanto encantou os salões com sua ginga... Dance em paz no céu!”. Um dançarino quando nos deixa, faz sempre muita falta, pois muitos tentam dançar de verdade, mas fazer a coisa com a devida sapiência isso já é maestria e algo para poucos, uns escolhidos. Conheço alguns aqui em Bauru com essa ginga no corpo e dentre eles esse aqui hoje retratado, infelizmente não já com vida, mas após tomar conhecimento do seu falecimento. A lembrança que tenho dele é de vê-lo em puro estado de êxtase, voando pelos salões e essa não me sairá da cabeça jamais.

NELSON DIAS MOTTA trabalhou uma vida inteira cuidando dos pés de todo tipo de gente, um renomado e considerado homem de branco, podólogo de mão cheia. Nascido em 1943, portanto com 72 anos, algo mais o fez conhecido cidade afora. Nas horas vagas, ou melhor, nas horas em que não estava trabalhando com os pés e mãos dos clientes estava fazendo o que melhor sempre soube fazer na vida: dançar. Foi um dos mais conhecidos pés de valsa de Bauru, desses que sabia como nunca deslizar num salão. Quando diante de uma dama dava o melhor de si e flanava nas pistas, ou seja, sabia muito bem conduzir, quase voar. Desconheço uma dama que, frequentando os salões bauruenses já não tenha sido tirado para uma contradança por ele. Da plateia recebia incentivos, quando não aplausos, apupos pela maestria. Figura das mais simpáticas, boa praça, frequentava muitos lugares onde o assunto era a dança, mas quando no Espaço Brasil (ex- Made in Brazil) e Victória Choperia, o arraso era total. Pouca coisa sei dele, além dos salões de baile e da boêmia, que adorava. Não estava bom fazia uns meses, internado no Hospital da Unimed e lutando muito pela vida. Hoje foi levado daqui, mas deixa imensa saudade nessa imensa legião de gente que o via bailar como se tivesse asas. Vai ver que tinha mesmo.

2.) BORRACHA EM FRANCA RECUPERAÇÃO AO SABOR MUSICAL
Quem aí não teve problemas de saúde, alguns claudicantes, preocupantes e desestabilizadores que levante a mão? Difícil, hem! Esse negócio de saúde sempre pega a gente de calças curtas e daí, ao descobrir o tamanho do buraco, nada como a parada e cuidar da coisa o mais rápido possível. Foi o que ocorreu com o aqui retratado, um baita de um profissional, meninão na flor da idade, fortaleza em matéria de resistência e em franca recuperação, usando também o que mais gosta de fazer, a música como terapia para voltar logo mais ao estado normalizado. Escrevo dele.

LEANDRO MIGUEL é um sambista de mão cheia, uma daquelas pessoas consideradas na cidade como “mão mais que santa”, pois com os preciosos dedos produz um dos sons mais alucinantes da terrinha, sempre dedilhando seu violão. Começou cedo e logo ganhou o apelido, daí por diante ninguém mais o conhece de outra forma, BORRACHA. Já tocou com a maioria dos músicos da terra e a todos encanta. Minha mais remota lembrança dele num grupo musical se deu com o Quintal do Brás, um agrupamento em torno do samba de mão, ao estilo do Cacique de Ramos. Uma rapaziada, que assim como ele, começaram juntos e ganharam corpo, cada um conhecendo novos ares e promovendo o que de melhor temos hoje pelos quatro cantos dessa nada pacata cidade (pelo menos musicalmente é quente demais da conta). Borracha é o querido das cantoras e paparicados pelos cantores. Versátil, toca de tudo, mas gosta mesmo da boa MPB e do melhor do samba. Estudou Música na USC, aperfeiçoando ainda mais o que já sabia de cor e salteado, daí um passo para produzir lindas composições de sua autoria e agora, dia 22 de dezembro completa mais um ano de vida. Pois não é que começou a perder peso e descobriu algo no estomago. No tratamento emagreceu muito e por fim foi submetido a uma cirurgia, cuja recuperação é lenta, mas segue firme e forte no caminho de voltar a ser o que nunca deixou de ser. Vê-lo cantante e com uma disposição de ferro é a certeza de que está dando a volta por cima. Na torcida, uma legião de fãs, amigos e sambistas daqui e de alhures. Borrachinha, com um brilho nos olhos só seu, dá um belo exemplo de ser mesmo essa fortaleza. De seu violão saem acordes encantadores, como ele próprio.

3.) MANOEL É TOPÓGRAFO APOSENTADO E MÚSICO DESATIVADO
Aqui perto de casa tem um senhor que só de bater os olhos bate aquela desembestada vontade de parar tudo e ir lá puxar assunto, tentar conversar o máximo possível. Ele desce lá do Bela Vista, atravessa o rio Bauru, segue pela Inconfidência e caminhando lentamente vai até a Araújo, adentra a igreja ou numa outra rota, essa dominical, vai com sua sacola até a Gustavo e volta para sua com o que pode carregar de legumes e verduras. Com um chapéu desses de sambistas, vendidos por aí bem baratinho, usado no seu caso tanto para proteger a cabeça do sol, como para se lembrar de um passado de muita boa música. Tem muita coisa pra falar desse, mas o pouco espaço exige que o faço tudo comprimidamente. Tento.

MANOEL BENEDITO DE SOUZA é um desses personagens cheios de ricas histórias para contar. Para saber de tudo basta uma abordagem nas ruas, ele conta tudo em minúcias. Coisa de endoidecer a riqueza de detalhes. Sua vida foi a de topógrafo, pelos meios ferroviários e fora dele. Entende muito disso de medir terras, pegou muito sol no lombo ao longo de sua vida. Passou os ensinamentos para o filho, que seguiu tudo por um certo período de sua vida. Outra especialidade é a música. Toca um violão e cavaquinho como poucos e em torno disso existe muito folclore na cidade de Bauru e região. Certa feita estava na feira dominical da rua Gustavo Maciel e ele me deixou fotografar suas mãos com os dedos todos tortos e a causa foi o instrumento e o seu uso contínuo, de forma desmedida. Tocou muito e é respeitado por onde circule, principalmente nos de uma geração mais envelhecida. Infelizmente, alguns dos novos não o conhecem, uma pena. Mora com a esposa na rua Beiruth, comecinho do Bela Vista e todo domingo desce a pé, ou para ir na igreja Aparecida ou para ir à feira, predileções que diz abandonar só quando lhe faltarem forças. Nessas segue em frente, mas no traquejo com o cavaco, algo hoje, infelizmente deixado de lado para tristeza de uma legião de fãs.

4.) ALBERTINO VENDE PÃO NAS RUAS E ASSIM DRIBLA A CRISE
Vendedores ambulantes pelas ruas existem muitos cidade afora e em todos percebo uma só preocupação. Cada um procura um micho de mercado para aumentar seus rendimentos ou até mesmo ter algum. Quando me aproximo querendo fotografar e dizendo querer contar sua história, talvez até promover seu pequeno formato de negócio, a preocupação é só uma: “Mais isso não vai me prejudicar”. Se prevalecer a insensibilidade talvez até algum insano possa fazê-lo, mas do contrário, neles a demonstração explícita de que só pela necessidade de um aposentado ter de continuar fazendo algo para complementar sua renda, sinal evidente de que o capitalismo não seja o melhor dos mundos. Como isso de trabalhar uma vida toda, chegar a aposentadoria e ela não ser suficiente para despesas mínimas? Daí histórias como a desse hoje retratado calarem fundo.

ALBERTINO FORTUNATO é lá de Espírito Santo do Turvo e ao se aposentar como motorista veio com a família residir em Bauru. Encontrou seu canto lá na vila Nipônica, mas desde que chegou estava ciente de que o valor de seus rendimentos seria insuficiente para lhe proporcionar vida digna. Como sua esposa, a Maria Helena, mais conhecida como Fia, sempre foi uma exímia fazedora de pães a ideia pintou e acabou vingando. Hoje, aos 60 anos de idade, ele está a cinco lotando diariamente seu surrado veículo Gol e vindo para a cidade de segunda a sábado vender a remessa produzida pela esposa. Ela no forno, ele enfrentando o sol ou a chuva. Seus dois locais preferidos são a esquina das ruas Antonio Alves com Cussy Junior, junto ao muro do antigo BTC e defronte o Bradesco da vila Falcão. Conseguiu formar uma seleta clientela e toca seu barco, dia após dia, sempre na mesma rotina. Um batalhador, simpático, de pouca conversa, pele queimada apelo inclemente exposição ao sol, segue em frente sem reclamar da vida,com uma produção variando desde os pães caseiros salgados (os mais vendidos), como os doces, também em forma de broa. Com preços que podem receber descontos quando comprados em maior quantidade, dessa forma complementa sua renda e enche uma pouco mais sua dispensa.

5. ) ROBERTO, O CONSTRUTOR DA PERIFERIA QUE RODOU O MUNDO TODO
Essas histórias que vou tomando conhecimento nas andanças feitas pela aí me encantam de tal maneira, que não consigo guarda-las só para mim. Ao tomar conhecimento de como uns e outros se aventuraram mundo afora, eis uma oportunidade de passar essas experiências para a frente. Sexta passada estava tomando meu passe lá no terreiro no Tangarás e sentado na mesma mesa, comendo um belo de um carneiro, eis que conheço um distinto senhor, com uma história pra lá de interessante. Daí, anotei tudo num papel e hoje transcrevo aqui o que lá consegui resumir, após falação de quase duas horas.

ROBERTO GONÇALVES, 74 anos é o dono da firma RCR Construção Civil, especializada em eletricidade e construção civil, localizado junto à sua residência no bairro José Regino, divisa com a Nova Bauru. Muito jovem, com vinte e poucos anos começou a trabalhar para a Telefônica e Telesp. Ali se especializou em eletricidade e convidado aceitou ir executar serviços no exterior. Rodou o mundo, desde vários países africanos, Portugal, Espanha, Indonésia, Argentina e Paraguai. Da África, conta algo engraçado, quando não consegue nem mais se lembrar do nome do país, mas muito do povo, onde por mais que tenha tentado, o único onde não consegui arrumar uma namorada. “Elas não me deram chance nenhuma”, conta. O trabalhos e as aventuras duraram bem uns trinta anos de sua vida. Após a aposentadoria montou seu próprio negócio e com sua experiência deu tudo muito certo. “Sofri e passei muita coisa boa na vida. Essa linha rural em volta de Bauru é tudo obra minha. Tenho obras que me orgulham, o pavilhão da UNIP, o shopping Boulevard, Magazine Luiza, a estrutura do Alameda e tantas outras. Só no Vale do Igapó fui eu que finquei os 1238 postes. Tenho muita história para contar”, relembra tomando um cerveja. Cresceu, já enricou, perdeu tudo e hoje faz e acontece novamente, sem perder o jeito matuto, de pessoa simples e sem luxo. Solteiro, após alguns relacionamentos, se diz assediado. Calmo, risonho, já chegou a ter 59 funcionários ao seu lado e hoje com 19, a maioria de fora de Bauru, toca seu barco. E relembra histórias das viagens todas que é uma beleza, ótima companhia para papos sem fim.

6.) JOSÉ SILVÉRIO E SEU ANTOLÓGICO BAR NA CONSTITUIÇÃO
Conhecer as pessoas nessa cidade é fácil, basta bater os olhos para se certificar de algo: “Esse eu conheço”. Mas na maioria das vezes conhecemos de vista, de cansar de ver pelas ruas da cidade, das inúmeras trombadas no dia a dia. Na maioria das vezes, passamos uns pelos outros e, como não temos amizade ou proximidade, nem um mero cumprimento. O contrário ocorre em viagens, lugares distantes. Nesses casos quando nos deparamos com alguém do lugar, surge logo a expressão: “Você também é de Bauru, né?”. Hoje escrevo de uma pessoa, dessas tantas que cruzamos muito pelas ruas e ao escrever dele, presto uma homenagem a tantos em idênticas condições, gente que a gente conhece sem conhecer.

JOSÉ SILVÉRIO SPINELLI completa 57 anos no dia de amanhã, 19/11, sendo uma pessoa cheia de boas histórias para dar e vender. Trabalhou por um bom tempo no Sindicato do Comércio Varejista, ainda nos tempos de Osvaldo Rasi e depois foi ser vendedor. Há 30 anos está à frente de um pequeno bar na quadra 3 da rua Constituição, centro da cidade, antes denominado de Cantinho Verde e hoje sem nome, junto de sua residência, onde mora junto com a irmã, a professora Vera Cristina e suas filhas. Muito querido por uma legião de gente de antanho, participa de eventos mil com amigos da Receita Federal, Cisne Calçados, Tânger e muitos outros do Calçadão da Batista. Muitos também se lembram dele dos seus tempos de goleiro, algo o qual se recorda com muita saudade, pois devido a problemas de coluna, pressão alta, glaucoma, sua saúde e mobilidade estão comprometidas. Vivencia o mal do século, o tal do comer demais e fazer nenhum exercício. Eternamente solteiro, vive em paz, toca seu bar como pode, com o pouco movimento desses tempos bicudos, tenta outra atividade, mas sabe das dificuldades de concretizar algo na situação atual. Humilde, generoso e muito bom de conversa, José Silvério é figura das mais conhecidas na região onde reside, aliás, desde que nasceu. Na sua quietude, um ser mais do que especial.

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