domingo, 15 de janeiro de 2017

MEMÓRIA ORAL (206)


PAULINHO VIVE DA FORÇA DA POMADA MILAGROSA E POR CAUSA DELA VIAJA O PAÍS – UM DOS CAIXEIROS VIAJANTES DO SÉCULO XXI

Ele é oriundo do interior do Pará, mas ganhou o Brasil quando descobriu anos atrás algo pelo qual poderia fazer a América. Cansado de pequenos ganhos e empregos que o amarravam a um mesmo local, quando surgiu diante de si as tais pomadas milagrosas, seus olhos brilharam e, em pouco tempo, Belém já era pequena para ele, o Pará idem e hoje conhece o país praticamente inteiro. Caixeiro viajante das tais pomadas, carrega para onde vai duas malas, uma com suas roupas e outra com as tais pomadas, dessas que curam desde unha encravada até levantar a moral dos que necessitam de uma ajuda para terem seus membros sexuais em ponto de bala.

Aliás, confesso, o conheci por causa da tal “Pomada Japonesa”, o carro chefe de sua banca montada nas mais variadas feiras e ruas brasileiras. Seu nome, simplesmente Paulinho, como se identifica quando perguntado. Sujeito simples, falante, audaz e versátil, pronto para novas aventuras, todas relacionadas ao seu ganha pão, as tais pomadas. Está em Bauru, interior de São Paulo, um dos pontos onde tem uma espécie de parada obrigatória em seus vários roteiros. “Tenho uma filha residindo aqui e volto sempre mais por causa dela. Já não me relaciono com a mãe dela, mas vir vê-la é algo pelo qual não abro mão”, diz.


Domingo de sol quente, ele tem sua banca montada na movimentada Feira do Rolo, junto à feira dominical mais famosa da cidade. Sou apresentado a ele por outro feirante, Carioca, o livreiro do local, que lhe cede um espaço junto à sua banca e não só isso, faz questão de ir apresentando aos seus clientes e amigos, como o fez comigo e com o professor universitário, José Laranjeira na manhã do dia 15/01. Ao nos ver batendo um animado papo sobre personagens do local, se achega e diz: “Precisam conhecer uma pessoa”. E assim somos apresentados.

Diante de sua banca aquela infinidade de produtos, a maioria embalados em latinhas de metal e com rótulos sem nenhuma informação grandiosa do que conteúdo, mas o suficiente para saber do que se trata. Tem para todos os gostos e preferências, desde a famosa arnica, remédios para hemorroidas, dores diversas, como intestinais e contusões, para gases, fricções variadas e quetais. Um colorido bonito de ser visto, de chamar a atenção. Somos tocados e lhe fazemos várias perguntas. Paulinho não se esquiva de nenhuma delas. Sabe na ponta da língua da boa resolutividade do que vende. Só abandona a conversa conosco para atender clientes ou gente passando e olhando de soslaio para os produtos expostos.

Algo mais nos interessa. Ele é paraense, seus pais moram em Sobral (“Meu pai tem 80 anos e faz uso da Pomada Japonesa. Nunca reclamou e continua dando muito bem conta do recado”, diz) e no meio da conversa vai contando dos lugares por onde já passou. Conhece tudo, o país inteiro, sem tirar nem por. As perguntas pipocam de acordo com a nossa curiosidade. Uma delas é como viaja e onde se hospeda. “Perto de casa vou de carro, mas para o resto do país, de ônibus, numa boa e fico em pequenos hotéis, preços baratos e casas de conhecidos, pois onde vou tem gente que já me conhece”.

Paulinho estabeleceu uma rede de fraternos e confiáveis amigos por onde circule. Carioca, o da banca bauruense um deles e dessa forma, hoje em dia, pleno século XXI, continua a exercer de forma primorosa o ofício de caixeiro viajante, algo que para muitos estava em plena extinção. Algo mais no instiga a saber, muito mais do que o efeito dos produtos vendidos, se tudo aquilo é mais do que suficiente para viver. Rindo responde da forma mais tranquila possível. “Vendo bem, sempre vendi. Trago coisas boas, com bons resultados e trabalho muito, de segunda a segunda. Não dou o endereço de meu fornecedor, pois quero todos comprando de mim e não tenho gente reclamando do que comprou de mim. Tudo produto natural, artesanal, tirado da natureza, coisa boa”.

Conta mais. “De uns tempos para cá estou querendo muito ir vender em terras argentinas. Outro dia no sul do país me deparei com turistas desse pais e vendi quase tudo que carregava para eles. Ficaram encantados e me disseram que venderia muito lá. Quero ir, vou me aproximando, vendo se não terei problemas na fronteira. Quero conhecer não só a Argentina, mas outros países”, continua. Algo a nos fazer a conversa ir se prolongando, cada hora tomando rumos diferentes, mas nada de comprar algo. A conversa flui e já estávamos ambos íntimos do ambulante, papos pessoais, relatando sobre detalhes de cada lugar, como seus roteiros de viagem. Boa parte do tempo passado na feira foi passado ali diante dele.

Ele também deve ter gostado, pois antes da despedida insiste em que aceitemos a tal pomada japonesa. Constrangidos queríamos recusar, mas a boa educação nos fez aceitar, não sem antes ouvir como se faz a aplicação da mesma e dos seus efeitos. Abrindo uma das latinhas, passando um dos seus dedo sob a pasta diz: “É simples, passe o dedo dessa forma, junte e aplique primeiro na ponta do danado e depois num segundo lugar, levante ele e passe na base, na raiz, entre o final do caule e o tronco principal. O faça alguns minutos antes de consumar o ato e continue o mesmo sem chamar muito a atenção. Não falha, o danado vai latejar, funcionar que é uma beleza”. Saímos de lá, ambos com uma latinha nos bolsos e maravilhados com essa forma ousada de tocar a vida. De uma coisa, ambos tivemos certeza, Paulinho conhece o país muito mais que nós dois. Talvez até juntando nossas viagens todas, não teremos o roteiro já percorrido pelo mesmo, um estradeiro e com uma invejável quilometragem rodada em seu velocímetro pessoal.

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