domingo, 27 de maio de 2018

MÚSICA (160)


MANIFESTO DO HPA, TRÊS MUSICAS NA VITROLINHA E ALGO DO MOMENTO CAMINHONEIRO

Impedido de sair às ruas hoje, escrevo. O impedimento não é pela falta de combustível. A sua falta não de faz sentir em Bauru, onde até ontem à noite tudo estava normal. Nessa cidade tudo é normal até demais e isso irrita. O único senão de fuga da trivialidade é a manifestação dos motoqueiros. Esse povo quando reunido pode coisas que nem imagina. Por enquanto só protestam. Eu acompanho tudo à distância. Diabetes atacada, nova cirurgia e nem ir até a praça Rui Barbosa ver o lançamento da candidatura de Lula na cidade ou na feira dominical do Rolo e banca do amigo Carioca, onde bato cartão, me é permitido. Fechado entre quatro paredes, leio, escrevo e assisto TV. O formigamento pelo corpo é imenso, incomensurável. Jogos de futebol e documentários na TV, além de mudar a todo instante os canais em busca de notícias palatáveis sobre os últimos acontecimentos do país.

Tento juntar as ideias e o faço na medida do possível. Deitado tudo é mais complicado. O corpo fica molengão e reage pouco aos impulsos de seguir uma ordem ditada pelo cérebro. Já que está na posição horizontal, para fechar os olhos um pulo. Sou também cobrado para os afazeres domésticos e os faço aos trancos e barrancos, sob expresso ordenamento de outrem. Essa minha rotina. Nos intervalos, levanto para urinar e comer, daí sento alguns instantes diante da tela do computador e batuco um MANIFESTO. Algo que poucos terão o desfrute de ler, mas é o que me move neste momento. Tento juntar as ideias para não enlouquecer, o país de pernas para o ar e eu aqui trancado, sem poder de ação e não podendo participar, colocar o bloco na rua.

Ontem começo o dia ouvindo algo sugerido pelo facebook, onde alguém faz uma alusão que o momento atual faz sentido com a música de Raul Seixas, “O dia em que a Terra parou”. Eis a letra: “Essa noite eu tive um sonho de sonhador/ Maluco que sou, eu sonhei/ Com o dia em que a Terra parou/ com o dia em que a Terra parou./ Foi assim/ No dia em que todas as pessoas/ Do planeta inteiro/ Resolveram que ninguém ia sair de casa/ Como que se fosse combinado em todo o planeta/ Naquele dia, ninguém saiu de casa, ninguém ninguém./ O empregado não saiu pro seu trabalho/ Pois sabia que o patrão também não tava lá/ Dona de casa não saiu pra comprar pão/ Pois sabia que o padeiro também não tava lá/ E o guarda não saiu para prender/ Pois sabia que o ladrão, também não tava lá/ e o ladrão não saiu para roubar/ Pois sabia que não ia ter onde gastar./ No dia em que a Terra parou (Êêê)/ No dia em que a Terra parou (Ôôô)./ E nas Igrejas nem um sino a badalar/ Pois sabiam que os fiéis também não tavam lá/ E os fiéis não saíram pra rezar/ Pois sabiam que o padre também não tava lá/ E o aluno não saiu para estudar/ Pois sabia o professor também não tava lá/ E o professor não saiu pra lecionar/ Pois sabia que não tinha mais nada pra ensinar/ No dia em que a Terra parou (Ôôôô)/ No dia em que a Terra parou (Ôôô)./ O comandante não saiu para o quartel/ Pois sabia que o soldado também não tava lá/ E o soldado não saiu pra ir pra guerra
Pois sabia que o inimigo também não tava lá/ E o paciente não saiu pra se tratar/ Pois sabia que o doutor também não tava lá/ E o doutor não saiu pra medicar/ Pois sabia que não tinha mais doença pra curar./ No dia em que a Terra parou (Oh Yeeeah)/ No dia em que a Terra parou (Foi tudo)./ Essa noite eu tive um sonho de sonhador/ Maluco que sou, acordei/ No dia em que a Terra parou (Oh Yeeeah)/ No dia em que a Terra parou (Ôôô)”. Querendo ver e ouvir a voz do saudoso Raul cliquem no link a seguir: https://www.youtube.com/watch?v=yYtx_QnSRaQ.

Por enquanto nem a Terra parou, muito menos o Brasil. A greve está arrefecendo seu ânimo, incentivada pela maior rede de TV, que se caga nas calças se a mesma perder o controle e parar de fato o país. Incutindo o medo, coercitivamente impondo multas e o cassetete comendo solto, todos abaixam a crina. Resistir não é muito o papel do pobre do brasileiro, dominado pela insanidade de uma elite que o subjuga há séculos sob o tacão ditado pelas ordens da Casa Grande. Não desmereço as lutas que já tivemos, mas não me parece ocorrer nesse momento algo a revolucionar este país. E como seria bom se isso pudesse de fato ocorrer. Fiquemos nas vontades não realizadas. Essa mais uma.

Tento iniciar o MANIFESTO ouvindo Raul. Seu som invade o apartamento de Ana e ela esboça querer acordar. Sou obrigado a baixar o som e desta forma, paro até com a música, que continua a tocar na memória deste mafuento e cordato cidadão. Meu manifesto é chinfrim diante da letra proposta por Raul esse sim uma verdadeira e revolucionária proposta, a de parar tudo. Se numa semana já falta tudo neste país, imagino parando tudo, das possibilidades disso para nossas vidas. Seria transformador e altaneiro viver algo assim. Quando ligo a TV e vejo as filas de brasileiros comprando gasolina a R$ 9 reais o litro eu vejo que nada vai parar. Ninguém vai botar fogo nos postos de combustíveis. O que querem é só chegar a vez deles e voltarem para suas casas com o tanque cheio, a batata comprada a R$ 10 reais o quilo e continuarem vendo pela TV o que acontece com os malucos belezas lá nas estradas botando a cara para bater. Faço o mesmo sentado na cama, inerte e como li ontem de uma senhora revoltada no mesmo facebook: “Vocês não fazem nada”. Respondi assim a ela: “Vocês o que cara pálida, ou a senhora também não faz parte desse contexto. Cobra dos outros e não sai de casa. Quer que os outros façam pela senhora o que deveria estar também fazendo”. Enfim, coisa bem brasileira da qual também faço parte.

O MANIFESTO vai sendo adiado diante do rádio ligado e na Unesp FM, na bela programação de música brasileira, eis que o programador João Flávio Lima coloca para nos embalar e sugerir algo, um Gonzaguinha num lindo samba de breque, o “A cidade contra o crime”. Eis a letra: “Estava dando uns bordejos pelaí/ Quando derepente a figura apareceu/ E dentre tantos me escolheu./ Mas o barulho da cidade está/ tão grande que eu não pude nem ouvir/ quando o pinta me rendeu./ Não se move aí, Ô meu/ Mas que pinóia, eu, o rei da paranoia/ que não largo a minha bóia/ mesmo quando estou a pé./ Como é que eu dou esse azarão/ Eu faço parte desse medo coletivo/ já não sei nem se confio na polícia ou no ladrão./ (A barra não tá mole não, ladrão já tem que andar/ Com plaqueta de identificação/ a dita anda dura mesmo com a abertura)./ O cara disse:/ Fica quieto Vai tirando toda a roupa/ De conforme o que está no meu direito/ E eu só via defeito/ A que eu vestia estava todo emburacada/ remendada,/ esfarrapada, bem puída no maltrato./ Vou tentar fazer um trato/ Pensei depressa aonde estava aquela quina/ que sobrou do meu trocado que hoje/ chamam de salário Trabalhador tu é otário/ E foi aí que eu notei que o pivete/ Tremia muito mais que eu tava, pela bola sete/ Olhei melhor pro salafrário/ Notei que a arma que o fulano segurava/ era meio que chegada a um cheiro de sabão/ Na rapidez meti a mão/ O trinta e oito se partiu em mil pedaços/ E o coitado do palhaço ficou meio em ação/ Aproveitei a confusão/ Mandei que ele desvestisse a roupinha/ Tá mais limpa que a minha inclusive a santinha/ Não esquece a sunguinha, heim Ô/ Ele chorava de bobeira me mostrando a carteira/ que continha a exploração de seu patrão/ Me livra dessa meu irmão que eu não tive opção/ A galinha comeu pipoca em cima da minha solução/ Tá caro tudo no meu lado já não sei o que é feijão/ mas acontece meu amigo que eu também tô a neném/ A concorrência oficial não tá deixando p'rá ninguém”. Querendo ver e ouvir a voz do saudoso Gonzaguinha (no vídeo ao lado de Roberto Ribeiro) cliquem a seguir: https://www.youtube.com/watch?v=2-ncYZFT5ik&start_radio=1&list=RDMM2-ncYZFT5ik.

Tentei novamente iniciar o MANIFESTO, dessa vez ouvindo Gonzaguinha. A letra me consome e chego à conclusão de que tudo o que queria dizer já estava dito ali pelo poeta que tanto prezo. “Trabalhador tu é otário”, afirma num certo momento, pois diante de tudo o que fazem sob seus costados, continua impávido e conformado. Reagir como se é triturado no seu dia a dia e ao ligar a TV, lhe vendem a ideia de que o lado do patrão, do rico, do todo poderoso é que é o certo e o dele, bem, o dele, não vale para muita coisa. Abro o youtube para conferir as letras das duas músicas e lá algo que havia pesquisado dia desses quando estava a pesquisar sobre a participação de Brasil e Argentina nas Copas do Mundo. Horácio Fontova (um cantante que vi cantar ao vivo quando em Buenos Aires em 2008 num comício de Hugo Chavez) canta magistralmente “Los Argentinos”, em algo muito próximo de uma possível “Os Brasileiros”. Eis a letra, mas a leia imaginando que estivesse também versando sobre os brasileiros: “Los argentinos somos vivos porque/ somos mucho mas piolas que los demás/ Por eso es que en todo el mundo admiran/ nuestra contundente superioridad./ Somos tan lindos y tan importantes/ y tan fascinante nuestra sobriedade/ que en ningún sitio pueden olvidarse/ de nuestra humildad./ Los europeos buenos consejeros/ siempre buenas ondas nos quieren tirar/ rusos y yanquis que nos quieren tanto/ siempre se pelean por nuestra amistad./ En cambio los latino-americanos/ subdesarrollados no podrán jamás/ ser tan hermosos como nuestra pura/ estirpe nacional./ Por eso a los argentinos/ nos quieren en todas partes/ porque somos el baluarte/ de toda la humanidad./ Por eso es que en la Argentina/ invierten de todas partes/ porque imperialismo aparte/ nos quieren homenagear./ No creas nunca que los argentinos/ somos mas cretinos que el peor rufián/ y que además seamos pobres tipos/ con flor de complejo de inferioridad./ Hay gente fea, mala y envidiosa/ que con sus calumnias nos quiere ensuciar/ porque bien sabe que grande que es nuestra sensibiliad./ Si estamos lejos del terruño amado/ y un tango escuchamos nos hace llorar/ porque inmediatamente recordamos/ lo felices que eramos viviendo allá./ Donde violar las leyes era fácil/ y evadir impuestos un deporte mas/ donde coimear era casi tan bueno/ como especular./ Por eso a los argentinos/ nos quieren en todas partes/ porque somos el baluarte/ de toda la humanidad./ Por eso los argentinos/ siempre fuimos tan unidos/ porque somos los mas vivos/ mas vivos que no se qué”. Querendo ver e ouvir a voz do Fontova, cliquem a seguir: https://www.youtube.com/watch?v=jB8uSnm1YCo&list=RDMM2-ncYZFT5ik&index=4.
Eis hoje o palco dos acontecimentos.

Os argentinos são tão vivos, como Fontova canta que, são igualmente enganados da forma mais vil possível por um desgoverno tão cruel e insano como o nosso, ambos neoliberais, criminosos e com quadrilhas a comandar o butim contra os cofres públicos. Aqui uma greve de caminhoneiros, lá uma paradeira contra os aumentos abusivos de luz e gás. Em ambos os países, nas manchetes algo surreal: “nunca tanta gente tem se iniciado nos primeiros delitos”. E o que seria isso? Denomino de desespero de causa. Quando todas as portas se fecham, dá-lhe conseguir de alguma forma algo para comer e dar aos seus. Ambos países são loucos por futebol e a Copa do Mundo se aproxima, mas tanto lá como cá, o desinteresse grassa e aquilo que movia a todos, hoje move lentamente, pois algo mais nos aflige. Estamos a perder tudo o que nos resta de sobriedade e impossível ser feliz dessa forma. Ainda sento para tentar dar início ao meu MANIFESTO, mas ele já não me faz mais sentido hoje. Não conseguirei nada além de escrever besteiras, reafirmar algo já dito e redito. Tento escapulir sem Ana notar, saída sorrateira para ir na banca mais próxima buscar a edição de Carta Capital, minha revista semanal com a manchete, “Os caminhões do Apocalipse”, mas o jornaleiro me diz que ela não veio hoje. Motivo: a greve dos caminhoneiros. Resignado, deito, leio, escrevo e vejo TV.

Tenham todas e todos, na medida do possível, um ótimo domingo

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