domingo, 15 de julho de 2018

MEMÓRIA ORAL (226)


REENCONTROS NA FEIRA E A HISTÓRIA DE UM REENCONTRADO

Gosto muito de escrevinhar algo dos meus diletos amigos. A cada dia escolho um e o coloco no paredão. Hoje na feira matinal reencontro um desses, oriundo de Pompéia, ali do lado de Marília. Nos anos 80 trabalhamos juntos na Bradescor e dali nasceu uma amizade a perdurar para todo o sempre (toc toc toc). Hamilton Suaiden é o popular TURCO e alguns anos depois do episódio Bradesco, ele estudando Direito em Bauru (concluiu o curso e nunca advogou, mas é formado pela ITE) quis ser candidato a vereador e fizemos juntos um folheto de campanha escrito à mão e com uma ilustração da Graúna no rodapé. Inovamos e ele teve mais de 200 votos, algo muito legal para um recém chegado na cidade.

O Turco possui uma característica só dele, própria dos libaneses, do qual é oriundo. Ele é entrão, mas não aquele entrão chato que se mete em tudo, ele é um hábil vendedor, desses desavergonhados para a prática do negócio de saber passar adiante algo. Sabe oferecer e o faz com maestria. Sempre babei de vê-lo vender qualquer coisa que lhe pusessem nas mãos. Quando qualquer outro se mostra acanhado, ele é arrojado e vende de tudo. Durante mais de uma década foi um dos maiores vendedores de assinatura de revistas deste país. Aliás, conheceu o país inteiro vendendo revistas, de norte a sul e só voltou lá do Nordeste por pura opção pessoal, pois estava mais do que famoso e bem estabelecido. Após rodar o país inteiro bateu aquela saudade dos seus filhos, apeou da estrada e voltou para Bauru onde esses residem.


Suas histórias são todas cheias de ricos detalhes, desses do sujeito parar diante de quem as conte e babar na fronha. Impossível não se deixar levar com alguém tão rico em belas histórias. Posso não concordar com ele na totalidade de suas ideias (como de fato não concordo), mas não consigo também me manter distante da boa conversa toda vez que revejo pela aí. Desde quando voltou, matutou muito até encontrar algo para fazer da vida e mesmo sem nenhum experiência, abriu uma pastelaria na rua Primeiro de Agosto, quase esquina com a Treze de Maio e ali está sabendo sobreviver e reunir amigos, considerados, desocupados, desorientados e toda uma legião de novos e velhos clientes. O pastel é bom, melhorou com o tempo e o que o faz ir tocando o barco sempre pra frente é o seu jeito malemolente, algo diferenciado na forma de cativar as pessoas.

Eu passo em frente e já quero entrar para o bate papo. Sempre foi assim. Tenho inúmeros amigos dos tempos do banco, mas esse é realmente diferente, um que, pelo jeito ,sempre seremos uma espécie de unha e carne. Já tentei discutir como gajo, mas isso me dói muito e daí, reconsidero e tocamos o barco com as divergências todas. Turco é um dos poucos amigos que possuo, profundo conhecedor das quebradas do mundaréu do mundo da jogatina nesta cidade. Conhece todos os pontos de bilhar da cidade e os mais incrementados de carteado. Conhece também os ainda funcionando para o jogo da bocha. Histórias das mais interessantes rolam nesse meio de campo e para saber das últimas, mesmo ele estando um tanto desligado e destreinado, continua sabendo de tudo. Quando de suas viagens país afora trouxe consigo na algibeira o conhecimento dos lugares onde isso tudo rola solto no resto do país.


O gostoso quando ao seu lado é ir provocando e, a partir daí, ele vai sacando histórias do fundo do baú. Hoje estava na feira para comprar verduras para seus acepipes e quitutes na pastelaria, mas como sabe onde me encontrar e também não consegue vir na feira e deixar de botar os pés (e as mãos também) nos seus cantos mais sórdidos. Sentamos um bocadinho curto de tempo, proseamos na medida quase exata, em algo onde sempre na despedida, a nítida e certeira impressão de ter sobrado assunto e faltado tempo. Cada amigo em especial possui uma particularidade mais que especial, esse possui o dom de te atrair pelo jeitão simples de tocar sua vida, de enfrentar todos seus problemas, de entrar e sair das situações e só por causa disso, como não querer ouvir as últimas, penúltimas e todas as outras histórias de algibeira guardadas para ocasiões como essa.


Quer uma relevante história a envolver o Turco e sua pastelaria? Conto uma, dentre tantas, uma dignificante. Coração de ouro. Quem está trabalhando com ele, uma espécie de faz tudo na cozinha, mão de ouro, podendo demonstrar suas habilidades nos quitutes é o NETO, o ex-companheiro de todas as horas do saudoso Paulo Keller. Neto já fez de tudo após a passagem do Paulo, tento o buffet, mas bateu cabeça e quem lhe deu a possibilidade de continuar atuando pela aí foi o Turco. Esse conta das habilidades do contratado na cozinha e das delícias que saem de suas hábeis mãos. Como todos nós, Neto não é uma pessoa fácil (mas quem o é?). O gostoso dessa vida, diria até saboroso é ir descobrindo como foi possível reabilitar a mão nunca perdida de alguém distante da cozinha por um tempo, mas dessas nunca a perder o traquejo. Um sabe ir conduzindo o outro e assim, seguem juntos, cada um ajudando o outro no que pode. Noutro dia que passei por lá, uns salgados diferenciados expostos e ao perguntar, tomo conhecimento, tudo possível pela mão do Neto. E ele ali ao lado para receber o elogio.

Eu tenho amigos que suas histórias merecem um livro. Eis um deles. Esse digno representante da família Suaiden, apelidado de Turco por causa desse imenso nariz e o jeito de ser de toda uma raça, uma que aqui aportou alguns séculos atrás, conseguiu fazer deste país o mundo deles e seguem adiante construindo aos trancos e barrancos belas histórias de vida. Todos já tivemos momentos melhores, muito mais alvissareiros que os de hoje, mas se olharmos para trás, principalmente quando diante de gente da estirpe deste Turco, dá para se traçar um belo perfil de vida. Qualquer dia laço esse Turco e gravo parte de suas histórias, seus relatos de viagens, as indescritíveis andanças de um que, num certo momento de sua vida, criou coragem, saiu de sua zona de conforto, deixou seu mundo para trás e foi dar de cara com o mundo. E foi bem sucedido, o que rende conversas pra lá de saborosas. E gente com histórias saborosas na ponta da língua são merecedoras de toda a atenção do mundo.

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