ALGO DA 10ª SEMANA SENAC DE LEITURAPrimeiro li uma matéria no Jornal da Cidade e depois, passando em frente da unidade do SENAc ali na Nações, Primeiro de Agosto com Saint Martin, um outdoor, não resisti. Fui com amiga conferir a Feira de Troca de Livros. Levamos três cada e nenhum foi aceito. As regras do SENAC são um tanto diferenciadas para os amantes de leitura. Livro velho dificilmente é aceito por lá. Não tem conversa, não passa pelo crivo. Se acham que estou exagerando, basta conferir na banca de trocas se existe algum com alta quilometragem, ou seja, folha amarelada. Nenhum. E não é só isso. As regras são específicas para infantis, de qualquer gênero e romances. Nem biografia, algo muito lido hoje eles aceitam. Política, nem pensar. Nem livro de História, um tema dos mais intigantes para leitores de todas as faixas. Sendo romance, pode até ser um desses do tipo melação, tudo bem, mas tem que ser novinho, quase sem dobrinhas.
Eu não quero criticar o SENAC, pois gosto de suas atividades, mas num país onde a leitura padece de interessados e se propondo a fazer uma Banca de Trocas e um debate com escritores, leitores e interessados, creio, as regras precisam ser flexibilizadas. Lá no meu Mafuá, quem por lá aparece e quer levar um livro emprestado, eu até fico com uma dor por dentro, mas o deixo circular e entrego, mesmo tendo quase certeza que não voltará. E se não voltar, ótimo, circulou, enfim, esse o destino mais adequado para todo e qualquer livro. Dificultar é favorecer cada vez menos a leitura. Tudo bem, pode existir malandros - existem em todas as áreas -, aqueles que aparecem com livros em frangalhos e querendo levar em troca um novinho, cheirando tinta. Mesmo desses, dá pra sentir se suas intenções são mesmo a de ler e se assim for, até deixem levar o velhinho de volta e o novo junto. Ganha-se assim, com uma pequena lição, mais um incentivo para a propagação da leitura.
De tudo o que percebi da Feira de Trocas do SENAC, podem discordar de toda minha argumentação, mas algo chama a atenção: nenhum dos livros editados pelo SENAC podem ser disponibilizados na banca, pois nenhum se enquadra nas regras. Só acho que muita regra dificulta ao invés de facilitar. Portanto, se podemos facilitar, porque dificultar. Fica minha opinião. No mais, tudo por lá está muito bonito e logo mais, dentro dessa edição, dia 25, um ótimo bate papo com Itamar Vieira Junior, autor do renomado "Torto Arado".
OBS.: As regras são estabelecidas pela direção regional do SENAC São Paulo. A de Bauru só cumpre o estabelecido.
QUANDO COMPARO O QUE FIZERAM OS DE MINHA GERAÇÃO E A DOS NOSSOS FILHOS
Converso muito com meu dileto amigo Claudio Lago. Longos papos e nesta semana, o danado está avô pela segunda vez. Foi a deixa para falarmos de nossos filhos e nossa geração. Foi quando me disse: "Henrique, tenho dois filhos e acompanhei bem de perto o desenvolvimento deles. Ambos fizeram muitas festas em casa, reunindo seus amigos e hoje, quando já passaram da juventude, observo o que fizemos, eu, você e os de nossa geração e eles, nossos filhos. Não dá para comparar, nós éramos muito mais ousados, revolucionários, festeiros, rueiros e até mesmo bagunceiros. A geração de nossos filhos já foi bem diferente e essa que está vindo, já completamente diferente da deles. Olho e constato, nossa geração, anos 80/90 foi muito boa".
Venho refletindo sobre isso desde nossa conversa e tratei do assunto com diversas pessoas. De todos e todas, algo muito parecido: guardadas todas as devidas proporções, soubemos aproveitar e desfrutar do que tínhamos. Outros tempos, sem celular e essa interatividade tão instantânea, mas sabíamos nos comunicar com o que tínhamos em mãos. Não tenho nada a reclamar e quando observo como seu deu a evolução de meu filho - da qual não tenho nada a reclamar -, constato, fui mais ousado e fiz mais que ele. Esse fazer não era bucar sexo, mas se divertir, envolvimento com pessoas que, como eu queríamos ser, fazer e acontecer. Tudo bem, cada geração sempre é bem diferente da outra, entendo isso, mas que nós, os hoje sessentões, soubemos tirar melhor proveito da coisa, disso também não tenho a menor dúvida. Sem grandes aprofundamentos, só uma constatação.
Tenho aqui no meu confinado Mafuá quase todos os discos do MPB4 e idem para os livros do Millôr Fernandes. Deste último, sei me faltam vários, pois ele foi uma verdadeira máquina escrevinhatória enquanto viveu. Escrevia mais do bem o gajo, assim cantavam divinalmente o quarteto, destes tantos que me enfeitiçaram décadas atrás. Lembro muito bem das apresentações musicais e teatrais do MPB4. Uma delas foi essa, que o SESC Bauru trouxe para cá. Eu me encantei com essa mistura, aquele repertório revolucionário, pois nos impulsionava para a resistência ao regime militar e o teatro, também libertador. A editora gaúcha L&PM produziu no final dos anos 70 uma coleção reunindo todo o teatro de Millôr e dentre estes, este fino livro, apenas 80 páginas, intercalando o texto e as músicas. Uma delas, escrita e recitada pelo Magro, merece não só a citação, pois remete a todos os que ousam dizer ou apontar o dedo para os poderosos. Evidentemente, quem age assim, procura problemas: "Vez por outra nasce no país,/ um monstro um aleijado./ Que vê tudo em redor/Como se via no passado./ Mas logo os pais, aflitos/ O levam para um atrologista./ Que o devolve à normalidade/ De viver sem vista". Eu devo parte de minha consciência política ao que vi e ouvi neste período de minha vida, os anos 70/80. Devo a eles o entendimento que tenho hoje sobre o de que de fato nos oprime e nos impede de ter asoberania tanto almejada.
O texto do Millôr é dividido em anos, de 1964 à 1979 e em cada, algo picante, produzindo não só humor, mas um entendimento, com frases e toques ao estilo millôrdiano. Reuni algumas:
- "O MPB4 escolheu o riso como base de apoio ao canto. (...) ...o riso é quase sempre reflexivo, até mesmo quando se faz intencionalmente anedótico. (...) ...um espelho retrovisor da memória nacional nos seus últimos quinze anos. (...) ...o texto ferve de teatralidade, tendo como personagem central o povo brasileiro em sua recente trajetória de manipulado. (diretor Benjamim Santos).
- "Um dia eu entrei no Teatro Santa Rosa. Fernanda Montenegro, lá no palco, dizia um negócio que nunca mais esqueci: 'Que futuro terrível será o do Brasil se, daqui a dez anos, lembrando os dias de hoje, nós dissermos com saudade: Bons tempos, hein?'" (1964 - Ruy).
- "O Brasil é um país feito por nós" (1965 - Ruy) e como resposta "Feito por nós, não. É o país do venha a nós" (1965 - Aquiles).
- "O Brasil continua um país tão livre que aqui até o ponto facultativo é obrigatório" (1967 - Ruy).
- "E, não tem como fugir. Vira pra cá, vira pra lá, de toda essa luta só ficou uma coisa, tamos na mão das multinacionais" (1972 - Miltinho).
- "Se deixarmos, isso aqui acaba como na Rússia. Lá a imprensa toda é comunista" (1974 - Ruy).
- "Tanta gente se sacrificou, lutou anos para salvar o país e o máximo que conseguiu foi salvar a própria conta bancária" (1976 - Ruy).
- "E os cariocas apeleidaram o metrô de Jaqueline" (1976 - Miltinho), com a resposta "O buraco mais caro do mundo" (1976 - Ruy) com isso mais; "Imitando os russos que, no princípio do século, chamavam a sua elite intelectual de inteligentsia, os brasileiros, em 1976, passam a chamar a sua elite política de Ignorantzia" (1976 - Magro).
- "O fato équer quem apostou no caos já está ganhando dinheiro" (1977 - Miltinho).
- "Não me interessam as inspirações já existentes. Quero um partido acima de todos os outros. O meu ideal é um partido alto" (1979 - Aquiles).
Millôr tem o domínio da técnica do espetáculo e para quem, agora lê ou teve a oportunidade de assistir este show, a certeza, de mais do que um toque. Estávamos munidos de algo dentro de cada um, que nos movia adiante. Sim, todos acreditávamos na possibilidade de mudança, de um outro mundo possível. Agora, passado tanto tempo e relendo este texto, sou obrigado a concordar, "bons tempos, hein?!". Sim, éramos mais unidos, coesos e hoje, muito mais fracionados, porém, a luta continua e quero nela estar enquanto viver.
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