quarta-feira, 2 de julho de 2008

MEMÓRIA ORAL (39)

MARA LÚCIA, 37 ANOS DEPOIS
O tempo passa, o tempo voa”, lembra o famoso refrão musical, porém, isso não foi suficiente para Bauru esquecer uma menina, assassinada aos 9 anos e hoje, passados exatos 37 anos de sua morte, seu nome continua no imaginário popular da cidade, pela crueldade do crime, como pelo fato do mesmo continuar sem solução após esse tempo todo. De tempos em tempos, a pergunta ressoa: Afinal, quem matou Mara Lúcia? Alguns dizem possuir a resposta, mas a grande maioria continua com essa indagação sem definição. Frequentemente o fato é comentado, citado e debatido. Reúno aqui algo que fui lendo nos últimos tempos sobre o caso Mara Lúcia, só para que a chama não se apague.

A imprensa de Bauru fez duas citações recentes. Na primeira, o jornal Bom Dia, na crônica semanal do “zelite” (como ele gosta de se intitular) Luciano Dias Pires, publicada às segundas-feiras, com o título de “Showrnalismo”, repercutindo o caso da Isabella Nardoni, a menina paulistana de 11 anos, jogada de um prédio, supostamente pelo pai e madrasta, quando de uma matéria sobre crimes não esclarecidos, em 02/05/2008, relata numa reminiscência de sua infância vivida na cidade: “Em novembro de 1970 eu tinha 14 anos e morava em Bauru. Uma menina de 10 anos desapareceu levada por um estranho quando brincava em frente sua casa. O corpo foi encontrado seis dias depois numa casa vazia próxima de onde ela morava. Meu pai, correspondente de jornal, cobriu todos os detalhes do crime. (...) Comoção na cidade. Manchetes em todos os jornais e busca frenética pelo culpado. Vários suspeitos são presos e depois liberados. (...) Nada fica provado... E até hoje aquele crime é um mistério”.

Na segunda, o Jornal da Cidade, também repercutindo o caso Isabella, estampa em 08/06/2008: “Após 37 anos, caso Mara Lúcia é citado”. No corpo da matéria está a citação: “Em Bauru, toda vez que se fala em crime sem solução, o caso Mara Lúcia Vieira vem à tona. A menina foi morta aos 9 anos após ser estuprada numa residência na rua professor José Ranieri, no centro. O crime aconteceu no dia 15 de novembro de 1970 e até agora não foi desvendado. Porém, mesmo que o autor seja encontrado, ele não poderá ser processado, porque o crime está prescrito. O túmulo da menina, no Cemitério da Saudade, é um dos mais visitados no Dia de Finados e também no transcorrer do ano. Há quem garanta que ela faz milagres”.

Encontrei algo inusitado e inesperado, no livro do cronista capixaba/carioca Carlinhos Oliveira, muito conhecido no Rio de Janeiro pelas crônicas diárias no Jornal do Brasil nos anos 70 e começo dos 80. Após sua morte, um livro diário de sua vida é publicado (Diário Selvagem – O Brasil na mira de um escritor atrevido e inconformista, ed. Record, 2005) e logo nas primeiras páginas, uma revelação de quando passou uns dias pela região de Bauru, recuperando-se de problemas de saúde numa fazenda em Lençóis Paulista. Circula por Bauru e comenta o caso mais discutido na cidade: “No bairro chique da cidade, numa casa desocupada, uma menina de 9 anos é violentada e estrangulada. O assassino se serve muitas vezes do cadáver... Prendem um inocente que sofre bastante antes que prevaleça o seu álibi. Finalmente as investigações conduzem a um rapaz de 28 anos, com antecedentes na área do atentado sexual. O juiz Giglio, jovem, vermelho, meio sardento, está reunindo provas. A prisão do inocente tornou arriscada a acusação pouco fundada ao indigitado assassino. Giglio disse que me deixará ler o processo. (...) Via a casa onde foi assassinada a pequena e me parece inconcebível que nenhum vizinho tivesse suspeitado de nada. A psicologia deste povo merece estudo”.

Intrigante e instigante. Nada como alguém de fora para tocar nas feridas expostas de uma cidade. Descubro o email do organizador do diário, o jornalista Jason Tércio. Ele me afirma não possuir nada além do que está ali publicado. “Quando retornou ao Rio, após a estadia em Lençóis, não tocou mais nesse assunto, pelo menos não fez mais nenhuma menção em nenhum dos seus muitos diários, todos vasculhados por mim”, diz Tércio. Ficaremos sem saber o que ele teria conversado (e se o fez novamente) com o tal juiz Giglio. “Ele se envolvia de corpo e alma em tudo o que fazia, emitindo opiniões sobre vários momentos polêmicos, como esse. Isso foi uma constante em sua vida”, conclui Tércio.

Outro livro menciona Mara Lúcia. “Santos Populares”, da autoria da historiadora bauruense Márcia Regina Nava Sobreira, revelando aspectos da religiosidade por aqui. Do livro destaco: “A menina morava na rua SaintMartin 14-5 e tinha dois irmãos. No dia 11/11/1970 a mãe da menina não conseguia encontrá-la para o banho. Um garoto de 11 anos da vizinhança informou à mãe, que a menina havia acompanhado um desconhecido. (...) Bauru na época era uma cidade de 120.229 habitantes, considerada calma e não violenta. (...) Os bauruenses nunca esqueceram o crime e ainda há especulações sobre o verdadeiro assassino. Na época, corria a boca pequena a versão de que a imprensa e a polícia estavam acobertando o nome do assassino, porque era filho de família riquíssima que os teria silenciado com dinheiro. (...) Ela tornou-se uma deidade, divulgada de geração emgeração”.

Márcia Nava confirma outra curiosidade, a de que o túmulo da menina é um dos mais visitados no maior cemitério da cidade. Estive lá e em conversa com uma zeladora do local foi me confidenciado: “É difícil o dia em que não aparece alguém por aqui pedindo informações sobres os túmulos famosos. Param, rezam quietos e se vão. De todos os túmulos que me pedem a localização, esse é um dos mais procurados”. Quanto as duas residências, emblemáticas dentro desse contexto, dizem muito sobre o que lá ocorreram. A da rua Saint Martin, onde a menina morava, hoje é um prédio em construção e a da rua José Ranieri, onde foi assassinada, ficaram de certa forma estigmatizadas e marcadas pelo tempo.

Passo por lá, fotografo os locais e fico instigado a perguntar se os vizinhos conhecem algo sobre aquele local. Não querendo criar problemas de consciência, me reservo no registro fotográfico. É constrangedor tocar nesse assunto, tanto para os velhos moradores, como para os familiares da menina. João Vieira, pai da menina é um antigo comerciante do ramo de livros usados. Suas lojas marcaram época na cidade, tanto pela diversidadede locais, como pelos momentos de bonança e de penúria. Hoje está localizado defronte a agência central do Bradesco, em duas pequenas portas, sobrevivendo do que sempre soube fazer, a venda de livros. Falar da filha continua tabu e não gosta de fazê-lo, pois o tempo passou, nada foi resolvido e as feridas nunca cicatrizam com as lembranças sendo renovadas a cada contato. Toca seu dia-a-dia, tentando se esquivar do assunto. Prefere falar do mercado de livros, que já esteve melhor e hoje, um tanto parado. “Reflexos desse país que não lê muito”, diz.

E por que reunir isso tudo? Curiosidade de quem foi lendo, revendo novas citações, com a intenção de reuni-las num único lugar. O resultado está aí, servindo para deixar registrado o que foi comentado sobre Mara Lúcia nos últimos tempos. Sem nenhuma outra pretensão, dou por encerrado minhas elucubrações, demonstrando que em certos casos, nem a passagem do tempo encobre ou faz esquecer algo marcante na vida de uma comunidade. A menina não foi mesmo esquecida, tanto que seu nome também está numa placa de rua, na vila Pelegrina, com apenas três quadras, servindo de ligação para dois bairros importantes da cidade. Parar ali e perguntar para os moradores se sabem quem é a pessoa da placa é outra história, com certeza, geradora de um bom tema para outro alongado texto. Fica para outra oportunidade.
Henrique Perazzi de Aquino, 01 e 02 de julho de 2008

20 comentários:

Ivy Wiens disse...

Oi, Henrique!!!! Sempre leio seus posts e acho maravilhosos! Como não sou de Bauru, aprendo muito com seus textos. Como sou relativamente nova (heheeh), também aprendo muito com a sua visão crítica e experiente!!!! Parabéns!!!!! O Vidágua tb aderiu à blogosfera! Lançamos, semana passada, um blog. Acessa e faça seus comentários (http://www.vidaguaefloresta.blogspot.com/). Nada como a voz da experiência!!!!! Beijão!

Anônimo disse...

Henrique
Sempre leio tudo que vc me envia.
Mas dessa vez não posso deixar de comentar...
1970 foi uma época dificil para o nosso povo brasileiro, nós não conseguiamos ser donos de nós.
Foi uma época de medo, onde a coragem ficou a cargo de poucos que lutaram por nós e hoje mães ainda procuram por ossadas desses nossos sumidos heróis.
Acredito que juntamente com a vergonha militar que facilitava as aberrações existentes naquela época
a vergonha social crescia a olhos vistos ... e o império, financeiro dos poucos ditava junto com a ditadura militar
que um rico criminoso não era tão criminoso assim....
Que cega essa nossa justiça que não consegue ver um verme tão grande como o assassino de Mara Lúcia,
quão difícil é aceitar que em 37 anos nossa justiça ainda continua sem enxergar e aceita a prescrição de um crime tão brutal e nojento como aquele da menina que somente brincava em frente da sua casa e desapareceu com um estranho para morrer...
MARIA CÉLIA VIDAL

Anônimo disse...

HENRIQUE,
bom dia.
Se você desejar aprofundar o caso MARA LÚCIA, converse com o Prof. (Geografia) Celso Ventrice (na época capitão PM), que poderá dar informações além da midia...Sabe tudo do caso. Você como historiador, gostará de ouví-lo...
Abraços.
MURICY

Anônimo disse...

Caro
Henrique,

Fazia tempos que não lia um texto especulativo com tanta qualidade. Parabéns, me prendeu desde o começo, e olha que é um tipo de escrita que não me agrada muito,

Continue firme sempre trazendo matérias com a qualidade que lhe é peculiar,

Agradecido,

Ivan Meneses

Anônimo disse...

Oi Henrique,

Valeu!

Uma sugestão: buscar a escola onde ML estudava e encontrar os nomes que estudavam na mesma sala e ver quem encontra e entrevistar.



Beijos
ROSA MORCELLI, DE CUIABÁ

Anônimo disse...

ESCREVE SEMPRE DE BAURU.
QUER DIZER, MAIS DE BAURU, QUE ESSES TEXTOS DA CIDADE SÃO MUITO LEGAIS
MARCELO

Anônimo disse...

Fico triste em saber que Mara Lúcia ainda é alvo de especulações e comentários maldosos.
Tenho a mesma idade que Ela teria e se não me falha a memória estudava na mesma Escola.
Sinto até hoje que um crime nojento ainda não foi esclarecido .Fica aqui o meu pesar para a Família de Mara Lúcia, e também de pesar para a Mãe do assassino. Que Deus conforte a Todos.

Anônimo disse...

Olá Henrique!!!!!
Não poderia deixar de comentar sobre esse caso barbaro apesar de tão pouca idade na epoca lembro da tristeza que acometeram a todos, seus pais , irmãos,parentes e vizinhos .Morava em Bauru nessa época e era vizinha de Mara Lúcia quando o fato ocorreu .Algum tempo depois do ocorrido a familia dela mudou-se da rua e bairro e nunca + tive contato com seus familiares....Foi horrivel o fato da policia não ter encontrado o assassino dela e hoje tantos anos se passaram e ficou por isso mesmo...(Apenas Lembrança de uma crianças brincalhona , sorridente e carinhosa como foi Mara Lúcia)..
Abraços

Anônimo disse...

Olá Henrique!!!!!
Não poderia deixar de comentar sobre esse caso barbaro apesar de tão pouca idade na epoca lembro da tristeza que acometeram a todos, seus pais , irmãos,parentes e vizinhos .Morava em Bauru nessa época e era vizinha de Mara Lúcia quando o fato ocorreu .Algum tempo depois do ocorrido a familia dela mudou-se da rua e bairro e nunca + tive contato com seus familiares....Foi horrivel o fato da policia não ter encontrado o assassino dela e hoje tantos anos se passaram e ficou por isso mesmo...(Apenas Lembrança de uma crianças brincalhona , sorridente e carinhosa como foi Mara Lúcia)..
Abraços

Anônimo disse...

Henrique
Na época do crime eu tinha 17 anos e morava em Bauru. Atualmente moro em Londrina e apesar de estar longe de Bauru há mais de 30 anos nunca me esqueci dessa covardia e estupidez.
Com referência ao Prof Celso Ventrice citado em um dos comentários devo informar-lhe que já li a respeito do conhecimento desse a respeito do caso

Anônimo disse...

Eu nem era nascida qdo td isso aconteceu,mas sempre soube da história decór!
Minha mãe jamais me deixou brincar nem na calçada sem supervisão e eu me lembro de ouvir com detalhes td a história,sempre que eu queria sair sózinha...
Essa história me prova que existe crime perfeito sim,aos olhos dos homens,pq no ceu existe um juiz...

tania schil disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

nuncaeme esqueci desse caso hoje mesmo estive no cemiterio com minha filha de 19 anos e faz direito area crininal ela ficou triste por neste pais crimes que envolvem pessoas de dinheiro fiquem sem soluçao.sei que na epoca percival de souza esteve aqui qdo era jornalista investigativo enada resolveu.sei de uma pessoa que na epoca estava começando na policia e foi obrigado a ficar quieto porque o mostro era filho de pessoas ricas

CLAUDIO PRADILHA DE TOLEDO PIZA disse...

Hoje tenho 48 anos era criança e morava em Bauru quando isso aconteceu.
fiquei muitos dias sem sair de casa por conta deste crime bárbaro. Lembro-me da cidade toda torcendo pela menina Mara Lúcia, foi chocante o que esta coitada passou, horrível.
Ficou marcado em todos nós, ineficiência total dos policiais da época.

Anônimo disse...

Estudantes em ferias, filhos de Bauru que cursavam na epoca, medicina...Hoje, medicos, casados e idosos, tributando aos seus demonios, a barbaria praticada contra a menina Mara e todos os Bauruences de ontem, hoje e amanha.

Para sempre, Mara Vieira

Anônimo disse...

A VERDADE.
Filho de empresário Bauruense , descobre que Mara Lucia Vieira, e sua Irma”Bastarda” – “Fruto” de um relacionamento ilícito de seu pai, um tipografo rico na época, com a amante, mãe da menina, casada com o senhor Vieira, quem a registrou acreditando ser sua filha. O rapaz de 18 a 20 anos na época, inconformado com o sofrimento de sua mãe e o constrangimento perante a alta sociedade católica e moralista daquele tempo, toma uma decisão que marcaria a Cidade para sempre... Junto com um amigo da mesma idade, filho de Bauru vivo e forte ate hoje, decidem matar a menina a fim de vingar e, gerar sofrimento na esposa adultera de Vieira ; O Rapaz, conhecia Mara Lucia Vieira, que tinha o hábito de ir com a mãe ao trabalho na tipografia que uma vez abordada, confiou no rapaz e foi ate o local da sua própria execução o assassinato, onde já o esperava seu amigo o cúmplice. Com uma cordinha, utilizada para amarrar os feches de livros na tipografia do pai, enforcaram a criança que desmaiou e, antes de tirarem a vida definitivamente, a violentaram por horas .
As autoridades descobrem os assassinos, por conta da pista deixada no pescoço da menina, a cordinha, artefato de uso particular da tipografia, também, pelo fato da menina ter sido vista pelo o garoto testemunha, caminhando tranquila de mãos dadas com um rapaz, que conhecia e confiava.
Quem matou Mara Lucia Vieira?... Seu próprio irmão, por parte de pai e, todos que foram comprados para ficarem em silencio, inclusive o senhor Vieira.
Coincidentemente, uma pista sempre esteve no local do crime, apontando para o cúmplice deste crime, a placa da rua em que Mara foi assassinada...Ele esteve, participou e seu sobrenome perpetua o local, ironicamente,
Tenho 81 anos, e no meu bar na época, ouvi duas reuniões comprometedoras sobre este caso e fiquei calado, porque me matariam...

Débora disse...

Olá! Eu gostaria de saber se vc tem alguma informação sobre o caso cavalcante de 1971 , de Bauru tbm, em que esse Cavalcante assassinou um menino de 12 chamado Altamir Lisboa Ramos..
Eu gostaria mt que vc tivesse alguma informação , pq eu soube que ele era meu tio! Obgd

Unknown disse...

Esse Anônimo...vc gostaria de receber um processo em suas costas! Toma vergonha seu safado, escrever uma historia dessas....de pessoas que sempre foram integras .. Ainda mais depois do Sr Joao Vieira. Ter falecido! SOU Parente dela, e vou descobrir quem e vc...ou melhor...um bastardo que não tem o que fazer e fica inventando da vida dos outros!

Anônimo disse...

Essa foi a melhor resposta....eu acredito plenamente nas tuas palavras....meu deus do céu....c com pode um irmão agir assim,q deus abençoe a alma dessa criança inocente ��

Sr. Rafael disse...

Não deixa de ser interessante que o sr. relacione a "sociedade católica e moralista daquele tempo" com a decisão do suposto meio irmão da menina em atentar contra a vida e a pureza dela. Esse tipo de raciocínio é coisa de quem está imbuído de falsa consciência e de falsa indignação. A sacrossanta fé católica nos inspira morrer por Nosso Senhor Jesus Cristo e sua Santa Igreja, e não a matar em nome dela - isso a história prova com numerosos exemplos desde a Crucifixão de Jesus Redentor até hoje. Se houve uma coisa que faltou aos diretamente relacionados com o caso foi genuína fé e senso católico. Entretanto, novamente Deus escreveu certo por linhas tortas