sábado, 26 de maio de 2012

PALANQUE – USE SEU MEGAFONE (23)

AMIGOS NA ESCREVINHAÇÃO: CAMINHOS DA CATIRA E O SERTANEJO NUMA RÁDIO FM * (*Dois textos de amigos, um publicado no jornal e o outro proferido numa palestra. No fundo o mesmo tema, nossa assumida e benfazeja caipirice. Deixei ambos com um parágrafo cada, para diminuir espaços de publicação ).
 
DOCTO Nº 1 - OS CAMINHOS DA CATIRA – Tribuna do leitor, JC Bauru em 22/05/2012:
“Quando o famoso rei Artur, aquele da Távola Redonda, começou a moldar o que viria a ser o grande império inglês, se reunia com seus principais cavaleiros ao redor da mesa no grande salão do sir Ector para elaborar os planos das grandes cruzadas com as quais expandiria o domínio de seu reinado, passavam horas estudando os mapas reveladores da geografia por onde seu exército cruzaria, planícies e montanhas em relevos desconhecidos. Quando tudo era acordado para a partida, seus conselheiros, em passos miúdos e repetitivos, dançavam freneticamente ao redor da grande távola redonda. Era uma dança ritmada ao som de uma lira, isso servia para elevar o moral dos comandantes que dali partiam para sanguinárias batalhas em defesa do reino da Bretanha e do generoso e destemido rei . Entre tantas cruzadas, uma partiu para o oriente para libertar as terras de Israel e assim foram tomando gosto pela terra egípcia, que viria a ser no futuro dominado pela Inglaterra em toda a extensão do rio Nilo e assim essa mania de dançar batendo os pés ao redor de uma mesa foi difundida nas terras do Oriente Médio. Séculos depois, com a tomada da Península Ibérica, isso que já era uma dança organizada e popular entre os árabes e algumas tribos africanas foi incorporada pelos portugueses que com o descobrimento do Brasil trouxeram em sua bagagem cultural essa dança já bem modificada para entreter os portugueses que para cá vinham em missão expansionista, em favor do reino português e do rei das terras lusitanas. Quando os bandeirantes, partindo da Vila de São Paulo, passaram a avançar sertão adentro com as chamadas entradas e bandeiras, foram plantando vilas pelo interior paulista deixando nas posadas sementes de cultura e costumes, entre elas uma dança que, acompanhada da viola portuguesa, levava as pessoas a dançarem em grupo com número indefinido de participantes, agora com uma novidade, pois já se via entre eles negros e índios e isso agregava novos passos na coreografia. Mais tarde, com o surgimento das cidades interioranas nas margens do rio Tietê, os caipiras passaram a festejar dias santos e outras datas comemorativas como festas juninas, casamentos ou mesmo as colheitas bem sucedidas, com bailes e essa dança herdada dos bandeirantes que, ao longo dos anos, foram adaptando ao toque da viola aprimorando os passos, sempre buscando uma forma alegre e simples, como é o gosto do caipira do interior paulista. Isso foi passado de pai pra filho até nossos dias e hoje um grupo de pessoas que, por ser de origem rural, compartilha da mesma ideia que é preservar esse legado cultual e, se possível, passar o bastão a gerações futuras. Acho que somos os novos cavaleiros da távola redonda nessa cruzada em defesa da nossa cultura contra os grandes invasores com seus exércitos eletrônicos”, Lázaro Carneiro, diretor artístico do Clube da Viola de Bauru e aprendiz de catireiro.

DOCTO Nº 2Vida Caipira da Unesp FM: A Busca pelo caipira bauruense, resumo da intervenção apresentada em 24/05/2012, dentro da Jornada Interdisciplinar da Unesp Bauru:
“Interessado em descobrir onde está o caipira bauruense e se está representado pela Rádio Unesp FM, analisei primeiro a bibliografia disponível sobre a cultura caipira (assim tive a chance de ler o excelente "Os Parceiros do Rio Bonito" do Antônio Cândido, reler "O Povo Brasileiro" do Darcy Ribeiro e mais outros sobre a viola caipira, a música caipira, diferenças entre sertanejo e caipira, etc.) e a produção e a mensagem do programa Vida Caipira. A cultura caipira, tipicamente paulista, espraiou-se pelas capitanias de Minas Gerais, Mato Grosso, Paraná e até nas regiões do Rio de Janeiro e Espírito Santo através das Entradas e Bandeiras. Na mídia, tudo começou com Cornélio Pires que pagou do próprio bolso que se prensasse discos com músicas e causos caipiras (já sucesso em apresentações que ele fazia pelo interior de São Paulo). Pagou do bolso porque o selo não apostou na ideia. Depois do sucesso, as editoras fizeram grupos caipiras para também ganhar com o lucro. Fruto do indígena, do escravo e dos colonos europeus, a cultura rústica é eco de uma longínqua cultura erudita. Os legítimos caipiras tentaram resistir à cultura dos imigrantes. Vencidos, incorporaram vários costumes de além-mar. O que sabemos como "moda-de-viola" representa um primeiro grupo de caipiras urbanos, ou suburbanos. O tema mais comum é a vida no campo, a religiosidade, a lida. Talvez com o sonho de retornar vitorioso à terra natal. Já a geração posterior, não vê motivos para adorar o campo e prefere o tema do amor. A essa música já chamamos sertanejo, fruto da indústria Cultural, visando lucro e retratando os "dramas passionais e desequilíbrios emocionais do homem urbano". Apesar do tema recorrente, as melodias muito parecidas, essa música está aberta a novas experimentações instrumentais. Há anos, os compositores de sertanejo estão entre os 4 com maior rendimento nas cinco regiões do país (dados do ECAD). O programa "Vida Caipira", com duração de 45 minutos, veiculado de segunda a sexta-feira às 6h na rádio Unesp FM, tem a programação de Sérgio Magson e locução de Walter Lisboa. À primeira vista, pareceu-me carecer de atualização, mesmo servindo para guardar as músicas que as outras rádios que tocam música sertaneja desprezam. O tom confessional do locutor, conversando com o ouvinte, comendo sílabas, usando e abusando do nosso erre retroflexo (o que caracteriza nosso sotaque caipira) é o AM no FM; para ser melhor, só deveria ser apresentado ao vivo. Fala longamente, sem pressa, repete diversas vezes o que diz, fala das efemérides e santos do dia e lê um texto do tipo "autoajuda" ou de cunho religioso, espiritual. Querendo provas da correção da minha análise, usei da minha amizade com o meu caipira predileto, o poeta Lázaro Carneiro. A sugestão dele foi ir até o centro de reuniões dos legítimos caipiras de Bauru: o ensaio dos catireiros, sempre às 20h das segundas-feiras, no clube da Vovó, no Bela Vista. Lá, conversei com várias pessoas (muitos com duplas caipiras formadas, com CD e até DVDs gravados). A média de idade era de 70 anos, pouco mais da metade homens. Havia um jovenzinho de 13 anos, aprendiz de cavaleiro, acompanhando o avô. Também presente, uma menina de 10 anos, bailarina, interessada nos passos da catira. Todos conheciam o programa e deram graças por sua existência. Reclamaram de alguns erros (quando, por exemplo, o computador põe uma fala do locutor chamando uma música e entra outra) e por seu apresentador não comparecer aos eventos caipiras da cidade, ou seja, ele acaba não sabendo dos eventos e não os divulga. Mas elogiaram a programação, a abertura dada a eles apresentarem suas composições próprias. Logo, pude concluir, nessa primeira fase da pesquisa, que o programa representa os caipiras da cidade. Pode ser melhorado, usar novas ferramentas de interação para ajudar na renovação do público, mas é um ponto de defesa da legítima música caipira na cidade Sem Limites”. Wellington Leite é jornalista formado pela Unesp Bauru e radialista na Unesp FM e Veritas FM, ambas de Bauru SP.

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