quarta-feira, 18 de julho de 2012

BEIRA DE ESTRADA (21)

ZUMILDE E A CASA SOBRE RODASpublicado Revista do Caminhoneiro edição nº 292, junho 2012, circulação nacional e tiragem de 100 mil exemplares.
Meu nome é Zumilde, tenho 78 anos, sou aposentada, viúva e moro numa grande cidade do interior de Santa Catarina. Minha casa fica na região central, local privilegiado e com um terreno de um quarteirão inteiro vazio, ocupado constantemente por parques e circos. Promotores de muita diversão, principalmente a dos moradores no seu entorno. Movimentação diária e entretenimento mais do que garantido durante a permanência daquela parafernália toda em funcionamento.
Minha maior distração é ficar no parapeito de minha janela a observar a movimentação da avenida aqui na frente. Tudo muda com o terreno tomado, minha atenção se volta para eles, pois além da convivência pacífica, faço amizades e vê-los morando em trailers e agora, algo mais moderno, verdadeiras casas instaladas na parte destinada às carrocerias de caminhões sempre me instigou. Minha maior curiosidade sempre foi essa, a de conhecer um lugar desses. Uma casa em cima de um caminhão é algo que só via em filmes, mas pouca possibilidade de conhecer pessoalmente.

Nos dois últimos que passaram por aqui, primeiro um parque e depois um circo, criei coragem e após as amizades feitas, pedi para conhecer a casa de uma dessas moradoras. Em cima de um caminhão eles instalaram uma imensa cozinha, avarandada e até com vasos pendurados nas beiradas. Esmero de dona Lúcia, a responsável pela comida de todos. Uma escada de metal para chegar lá no alto e no interior, uma cozinha com tudo no seu devido lugar. Armários e guarda louças, quase tudo embutido, para não cair nas viagens, me conta a já simpática amiga.
Vendo que minha curiosidade não tinha mais fim, conheço sua casa, também em cima de um caminhão, desses grandões, puxados por carreta. Ela é mãe do dono do parque e ali tem de tudo, sala e espaçoso quarto. Numa estante, vi até livros, protegidos com porta transparente em acrílico. Na mesa central um vaso cheio de flores. O forro, ela me explica, utilizou material para reduzir o calor e embutido do lado um ar-condicionado.
Queria ver mais e fui levada ao alojamento dos trabalhadores. Suas camas são embutidas nas paredes e tudo com seus espaços medidos. Homem nessa situação é mesmo desleixado, mas a linha dura é mantida por Lúcia, que fiscaliza diariamente se nada está fora do lugar. Uma pessoa é paga só para limpar diariamente todas as casas. Fiquei impressionada e consegui repetir a dose logo após a despedida deles e a chegada de um imponente circo. Lá, já com a coragem estabelecida, quem me possibilitou o passeio pelas instalações foi também uma mulher, a Guta, esposa do dono. Pouca coisa diferente. Fico sabendo que é mantido uma espécie de padrão entre eles, um copiando do outro o que deu mais certo.
Meu próximo passo é conseguir um passeio entre uma cidade e outra dentro de um desses brutamontes transformados em casa. Mas para isso terei que esperar o próximo a chegar por aqui e ver se consigo realizar mais esse sonho. E morar ali, como será isso? Mas aí já será demais para mim, né!
* OBS.: Com esse texto acredito ter encerrado minha participação na citada revista, pois após vencimento de um acordo entre as partes e não tendo havido um novo dentro de valores que considero mínimos para continuar escrevendo, preferi deixar de fazê-lo. Cumpri minha missão em 20 edições da revista, todas reproduzidas aqui. Nesse último, homenagem a uma vizinha aqui de casa, dona Zumilde, que assim como eu, admiramos esse tipo de morada a instalar-se aqui defronte nossas casas.

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