sábado, 9 de janeiro de 2021

REGISTROS DO LADO B (27) e DOCUMENTOS DO FUNDO DO BAÚ (152)


NO 27º BATE PAPO LADO B, O MAFUENTO LHES TRAZ A REDATORA DIVA FERNANDES E A HISTÓRIA AGORA CONTADA DA CONTAMINAÇÃO PROVOCADA POR CHUMBO DA BATERIAS AJAX EM BAURU
Este projeto pessoal das conversas semanais, que intitulei de LADO B – A IMPORTÂNCIA DOS DESIMPORTANTES, deu um breque na semana passada e nesta continua sua sina semanal, a de trazer personagens e histórias reveladoras, dessas tantas pessoas que realmente fazem e acontecem, fugindo do trivial, muitas vezes batendo de frente, se mostrando de forma alternativa, enfrentando seus moinhos ao seu modo e jeito e sem estarem aparecendo regularmente na mídia massiva. É isso que me interessa, contar um bocadinho, ouvir essas pessoas e deixar aqui postado, registrado algo de suas histórias. Peguei gosto e hoje, ao chegar no 27º relato, a certeza de ter feito o certo. Quando lá atrás, iniciei ainda claudicante as gravações semanais, tinha em mente um registro que serviria para algo e hoje vejo, serve, sempre serve, pois algo do que aqui já foi exposto, não se encontra no trivial de uma imprensa a desprezar as histórias do povo, sua luta e resistência.

Trago hoje aqui a redatora autodidata DIVA FERNANDES, 58 anos, nascida na vizinha Espírito Santo do Turvo, com estudos básicos concluídos em Santa Cruz do Rio Pardo e há 30 anos morando em Bauru, onde se casou e tem um filho, hoje músico e incentivador de seu trabalho, Anderson Fernandes. Diva por algum tempo foi vizinha de uma família vivendo um drama, o de tantas famílias desta cidade, todas atingidas e nunca assistidas pela falência da Baterias Ajax, empresa que dominou o mercado e aqui atuou por aproximadamente 5 décadas. O maior problema não foi a falência em si, mas como ela se deu. Tudo após o ocorrido nos anos 80 com boa parte da cidade sendo infestada por uma contaminação de chumbo, proveniente de uma gradativa contaminação, ocorrida ano após anos, descuidos seguidos e culminando com o fechamento da empresa. Ela faliu e seus proprietários simplesmente não assumiram nada. Não pagaram as indenização e se fingiram de mortos com os afetados.

Diva conta essa história num livro, o primeiro que escreve e ela mesmo corrige, de forma primorosa, pois é este seu ofício, escrever e bem feito, dentro das normas vigentes. “MARCAS DO CHUMBO – A História do Menino David” é produção pessoal, sem patrocinadores e foi conseguido com suas economias – as suas e dos seus. Ela toca numa feria ainda aberta, nunca cicatrizada da história desta cidade, ainda mal contada e quando o feita até então, em drops, aos poucos, com matérias de jornais da época, um pronunciamento aqui e outro ali, nada até então reunido. Ela o faz num livro e ao retratar a história do David, que conheceu aos 7 anos e hoje, aos 28, a constatação, sua vida foi bloqueada, barrada e ele continuará sendo eternamente um menino, tudo devido aos efeitos da contaminação. Ao contar a história do David ela abre espaço para o entendimento do tudo, do que foi de fato a desgraça para muitas famílias e para a cidade, verdadeira tragédia ainda inconclusa.

Seu filho Anderson Fernandes, na apresentação do livro deixa claro a belezura que é quando quem tem a intenção de escrever algo encontra o seu tema. “Sou, também, um filho humano orgulhoso do sonho realizado: encontrar uma história que precisasse ser contada”. Diva encontrou a sua e dela não mais se afastou. Não mais a tirou da cabeça até ter seu sonho realizado. Deu no que deu, ela hoje apresenta para Bauru algo cheio de revelações, uma história muito triste, que tinha mesmo que ser contada, revelada, exposta até como chaga. Uma das tantas chagas bauruenses. No prefácio feito pelo frei José Fernandes Alves, prior provincial dos frades dominicanos no Brasil, ele relembra outras tragédias, uma nacional, a do Césio 137 em Goiânia e outra mundial, a de Chernobyl, na Ucrânia. 

Ouvir Diva é dar voz para estes tantos que padeceram e continuam a padecer com o descaso e a morosidade de uma Justiça muito lenta. Essa história, de arrepiar, me foi notada quando li a matéria “A tragédia da Ajax vira livro – Escritora denuncia crime ambiental que deixou sequelas em muitos moradores, inclusive num bebê que tinha sete meses”, escrita pelo jornalista santa-cruzense Sérgio Fleury Moraes, diretor proprietário do semanário Debate, de Santa Cruz do Rio Pardo. Fui ler lá e as coisas também se entrelaçam. Diva estudou em Santa Cruz e busca divulgar seu livro por todos os lugares, faz contato com Sérgio, este se interessa e produz um contundente texto jornalístico. Leio, escrevo dele e daí o querer buscar algo mais, falar mais do assunto, ir a fundo. A procuro – não a conhecia -, nos tornamos amigos e cá ela está, aqui encontrando mais um espaço para divulgação de sua obra. Eis o link para leitura da matéria do Debate: https://www.debatenews.com.br/.../a-tragedia-da.../...

É com imenso prazer que a trago aqui para nos contar em uma hora, algo de sua história e de como se deu o interesse pelo tema, como desenvolveu a ideia, fincou a raiz do livro em sua mente e dele só se afastou quando tudo pronto. Vai ser uma bate papo e tanto. Dela escrevi ontem: “O livro da Diva é uma preciosidade. Ela é autodidata, escreve muito bem, como poucos e irradia simpatia e firmeza no que faz. Uma delícia conhecer gente assim, joias raras. Ela tem uma fala pausada, calma, tranquila, porém, tem dentro de si uma inquietude que a transforma. Lendo seu livro eu percebi isso. Ela nos arrebata. O tema por ela escolhido é contundente, forte, vibrante e empolgante. Falar disso aqui em Bauru é contar algo de uma história ainda oculta, algo que sempre muito me interessou. No bate papo desse sábado algo disso, uma conversa reveladora sobre um candente tema. Ela tem muito a nos contar...”

Eis aqui o link para assistirem à entrevista de uma hora na íntegra: https://www.facebook.com/henrique.perazzideaquino/videos/4166108663419111

COMENTÁRIO FINAL DESTE MAFUENTO HPA:

Temas como esse me arrebatam de cara. São dolorosos e demonstram bem a verdadeira face da imensa maioria dos que se dizem “forças vivas” nestas e em outras plagas. Em primeiro lugar, a insensibilidade, depois aliados quase todos ao lucro fácil, sem qualquer responsabilidade. O grande e único negócio é ganhar sempre muito dinheiro, custe o que custar e passando por cima de tudo e todos. Num momento do bate papo, ela diz sobre a responsabilidade que os responsáveis eleitos de um município deveria ter, para no mínimo, ter ciência de quem de fato quer abrir um negócio, oferecer empregos. Não se trata somente de uma contrapartida, mas ao permitir que essa pessoa tenha seu negócio legalizado, saber também quem é de fato essa pessoa e o que o conduz. Isto não é feito e até hoje, todas as portas são escancaradas para os ditos empresários e estes fazem e acontecem, numa impunidade beirando o surreal. No caso bauruense, o da Baterias Ajax, deu no que deu: MERDA. E quem paga o pato? Gente inocente como David. Estes, que nada tem a ver com o lucrativo negócio, estando no lugar errado no momento errado, pagam com suas vidas. E os malditos empresários saem ilesos, escapam pela tangente. O bate papo versa sobre uma história dentre tantas que ocorreram em Bauru, enfim, são mais de 30 mil casos e ao focar nela, falamos ao mesmo tempo de todas. Um papo difícil, necessário e elucidativo. Diva nos abre um luz com seu livro e a abordagem feita, o de ir mais a fundo, saber mais, divulgar mais, ir mais atrás das pessoas que pagam o preço da irresponsabilidade e encurralar os bestiais que nos rodeiam.

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