segunda-feira, 22 de agosto de 2022

RELATOS PORTENHOS / LATINOS (106)


algo de Bauru, uma só coisinha
BAURU E A REVISÃO DO ZONEAMENTO
Poderia brincar com a palavra "zoneamento", mas não é o momento. Se antes me utilizava de "zona" para designar bagunça, esbórnia, sendo a conhecida casa de tolerância do passado, não me sinto confortável em designar a "bagunça" como tratam a revisão urbana patrocinada pela Prefeitura e referendada pelos vereadores, como uma "zona", mas sim, como uma esbórnia, uma farra, diria mesmo, a concretização da vontade de uns poucos sobre os interesses da maioria. Escrevo isso antes de meu comentário sobre o que vejo em curso em Bauru, a tal da Reforma do seu Zoneamento Urbano, as regras a serem seguidas para a vida urbana palatável. Como até as pedras do reino mineral sabem, as decisões - não só aqui em Bauru, mas por todos os lugares - ocorrem, quase sempre, para favorecer uma minoria, a dos donos do dinheiro, do capital, dito e vistos como "Forças Vivas" ou mesmo, "Donos do Poder". Esses sempre fazem e acontecem e, pelo visto, continuarão a fazer e agir dessa forma e jeito. Se a prefeita fundamentalista de Bauru encaminha algo para a Câmara, entenda como a proposta é levada à votação. Que interesses são levados em consideração na hora do voto. Tentem entender como se dá hoje a composição ideológica e dos interesses representando os vereadores eleitos. Acreditam que, os interesses da maioria obterão alguma chance de ter algo aprovado? É dentro dessa realidade que teremos as reformas (sic) e aperfeiçoamento ocorrendo.

Hoje, mais do que sabido, existe uma forte pressão da especulação imobiliária agindo de forma descarada em tudo aqui por Bauru. Temos uma das última reservas garantidas por lei do cerrado, mas pouco a pouco, isso vai sendo destruído, tudo em nome de um tal de "progresso", que na verdade, todos sabemos, é o poder econômico ocupando seus espaços e dando lhufas para preservação ecológica ou algo dessa natureza, quando na mesa de discussão estão seus lucros. Existe clara uma pressão destes, os poderosos da cidade, no sentido não de sensibilizar o vereador a decidir seu voto, mas de impor sua vontade. Os meios são os mais conhecidos e não se faz necessário entrar em detalhes. O voto, nem sempre ocorre de forma a realmente fazer algo em prol de Bauru, mas para não contrariar os interesses dos graúdos. Diante de um vazio urbano ainda não preenchido, sempre querem a liberação de mais, não para ser ocupadas imediatamente, mas para impor seus projetos. De tudo o que vejo na mesa de discussão no momento, vejo pouco dos interesses da maioria da população, os mais pobres, os que vivem no risco, lutando desbragadamente para comer e sobreviver. Pouco é enxergado destes quando das decisões dessas reformas e revisões. Ou seja, sem pressão nada mudará. O grande negócio para realmente uma revisão sensível e adequada é PRESSÃO, mobilização social e permanecer demonstrando força, pois do contrário, mais uma vez, algo para "inglês ver". Se acham que exagero, vejam a representatividade popular existente de fato nos momentos de decisão. Derrota de lavada dos interesses do povo. Cansa a repetição dessa história de que, dessa vez algo diferente vai ocorrer, quando com o bolsonarismo em curso, o que vemos é exatamente o contrário e algo pior do que quando nas mãos dos coronéis locais. Agora são os dois juntos, os coronéis e o bolsonarismo. Vencer estes exisge muita organização.

algo de Buenos Aires, argentinos, quatro coisinhas
1.) "NEGA ANA" DUROU NOVE ANOS NUMA PAREDE NO CAMINITO
Para ser mais exato, em 26/08/2013, estávamos eu, Ana Bia e uma turma de seus ex-alunos no Congresso de Design, da UP - Universidade de Palermo, Buenos Aires, Argentina, quando Felipe Carvalho, designer e grafiteiro carioca, que havia levado material para eternizar algo seu nas paredes daquela cidade, após uma conversação com os donos de um restaurante, afastado duzentos metros do furdurço do Caminito, recebe a aprovação para pintar algo no lugar - com aceite do líder comunitário do lugar, negociação feita na nossa frente - e assim floresce a "Nega Ana". Ele ali retratou sua mestra, Ana Bia Andrade e assim escrevi naquele ano da saga ali realizada: https://mafuadohpa.blogspot.com/search....

Foi um inesquecível dia e como todo ano voltamos para o mesmo Congresso, era inevitável passar por lá e conferir se a Nega Ana ainda estava lá nas paredes. Por três anos seguidos o restaurante permaneceu aberto e a cada retorno, uma troca de mimos. Deixamos com eles camisas de times de futebol, de escolas de samba e de temas políticos. Estávamos integrados, mas o restaurante faliu e cada um por lá seguiu seu caminho. Perdemos o contato com eles. Uma pena, o que não nos impedia de retornar lá e a cada ano, ia postando novo texto de como estava a grafitagem na parede. Deixamos de fazer só nos três anos últimos anos, por causa da pandemia, quando deixamos de ir ao Congresso, este realizado de forma virtual.

Retornamos este ano e ao adentrar o Caminito, cruzamos aquela quadra movimentada, cheia de turistas, seguimos adiante, atravessamos a linha do trem, passamos pela garagem de uma das linhas urbanas de ônibus do local, com alguns todos felitados e na esquina seguinte, o local do antigo restaurante. O local permeneceu fechado por vários anos, mas neste estava novamente alugado e para uma bicicletaria. Foi uma alegria ver o local novamente cheio de vida, mas a parede estava encoberta e o grafite se foi, após ali permanecer por nove anos. Quando da visita deste ano, eu, Ana, Roberto Cespedes, da UP e Lucas Melara. Ali na esquina ficamos a reviver a história como de fato ela se deu. No mais, tudo no entorno estava exatamente igual, inclusive uma grafite do outro lado da rua, mais antiga.

Paramos para conversar com o novo inquilino do imóvel, Carlos. Este, três meses atrás chegou e diante do imóvel um tanto derrubado, além da limpeza, a pintura interna e de sua parte externa. No local uma loja de conserto de bicicletas. Carlos conta que, gostou da gravura, mas ela estava velha, daí a tirou e está juntando grana para colocar no lugar uma bicicleta voadora, com asas como um Ícaro, voando e sobrevoando o Caminito. Localizei as fotos de quando a parede foi pintada, mostrei a ele e me sugeriu do brasileiro pintar e colocar sua ideia da bicicleta na parede. A distância é o maior impedimento, pois sem consultar o amigo Felipe - que fez aqui em Bauru um belo Carnaval para a Coroa Imperial, também com grafites -, toparia na hora e daria seu jeito de, mesmo que fosse num canto, incluir na gravura a "Nega Ana".

Para o próximo ano, no retorno para o Congresso na UP, já penso num texto acadêmico sobre como se deu o trabalho para ter nas paredes de Buenos Aires um grafite com traço brasileiro e, mais que isso, como foram os nove anos ali naquela esquina. Já reuno material e antecipando o tema, quero traçar um painel dessas aproximações, inesperadas e duradouras, cheias de muito calor humano. Não será por causa disso que deixarei de a cada retorno passar por lá, pois aquela esquina traz boníssimas recordações para este casal, no caso, eu e Ana.

2.) EU E LUCAS, "ACHADOS E PERDIDOS" NAS CERCANIAS DO ESTÁDIO DO BOCA JUNIORS
Eu não apareço nas fotos, pois sou o registrador, o cara atrás do click e nem teria muitas a envolver o que escrevo. A história é boa e é o que vale nas viagens. Estávamos em quatro no meio do bairro La Boca, junto ao Caminito, Buenos Aires, Argentina, duas semanas atrás e num bar, argentinos tocando Bossa Nova, quase que exclusivamente para nós. Estávamos inebriados, eu, Ana Bia, Lucas Melara e o professor Roberto Cespedes, da UP - Universidade de Palermo.
 Circulamos juntos pelo bairro, com o argentino nos contando coisas do lugar e de sua cidade. Andamos, ouvimos e nos deliciamos, enfim, situação privilegiada. Primeiro encontrar com músicos conhecendo nossa e apreciando nossa música, depois um argentino circulando com a gente por um dos lugares mais aconchegantes e conhecidos de toda Argentina.

O tempo passou muito rápido e quando nos demos conta, ainda tínhamos umas últimas comprinhas para fazer e depois retornar ao apartamento Airbnb, no centro da cidade. Fizemos tudo e quando nos preparávamos para voltar, Roberto, muito solicito disse que nos levaria de volta. Aceitamos prontamente e fomos caminhando até o lugar onde achava ter deixado seu carro estacionado. Ele, quando chegou, não querendo deixar o veículo muito próximo do furdunço do bairro, escolheu deixá-lo perto do estádio azul do Boca Juniors. Assim o fez, nos encontramos e ruamos juntos. Foi uma tarde de muita conversa, aproveitamento total.

Foi quando após irmos para o local onde supostamente ele se lembrava ter deixado seu carro, se deu conta de não mais encontrá-lo, ou melhor, não ter mais certeza do lugar exato onde o havia deixado. Começamos a dar voltas nas ruas no entorno do estádio, primeiro os quatro juntos e depois, separados. Ele e Ana sairam para um lado e eu e Lucas de outro. Num local, eu e Lucas nos deparamos com uma policial atendendo uma ocorrência, onde caminhonete havia sido arrombada e dela retirando alguns pertences. Começamos a nos preocupar e achar que o veículo teria sido roubado.

Intrépidos como dois gatos, desses vadios, que sabem o que fazem e circulam pelos telhados com a devida galhardia, não queríamos passar nada alarmente para Roberto e assim, vasculhamos mais ruas, com tudo já escurecendo. Pegamos um dos cantos do estádio e numa rua seguinte, quase toda residencial, demos de cara com o carro. Estávamos com o modelo, cor e placa. O achamos, daí mais um tempo para reencontrar os dois, que saíram para o lado oposto. Avisamos a policial e logo mais estávamos todos juntos e do carro que nos levou de volta para o centro.

Roberto, muito centrado, um gentleman no exato sentido da palavra, não bebe nada, daí ninguém pode querer alegar que a perda foi por causa do efeito de algo ingerido. Foi mesmo esquecimento, algo já ocorrido comigo e com quase todos nós. Quem já não se esqueceu de onde estacionou seu carro, ao menos uma vez na vida que levante a mão. Ele ficou desconsertado, mas entre risadas, eu e Lucas, lhe comunicamos estar nas tratativas finais para montar um negócio em Buenos Aires, uma empresa especializada em localizar "achados e perdidos" na grande metrópole. Eu e Lucas sim, tínhamos tomado uns vinhos a mais, o que não nos impediu de vasculhar os arredores de La Boca, lugar tranquilo e que nada difere, no emaranhado das relações humanas, com algo como a bauruense vila Falcão, ou mesmo a Cardia. Enfim, perambular pelas ruas de uma cidade, se perder e se dar por perdido deve fazer mesmo parte de toda viagem que se preze. Eu e Ana, em cada andança por aí, juntamos muitas iguais a essa, pois curiosos e querendo sair fora de roteiros pré-concebidos, estamos sempre, de livre espontânea vontade, adentrando lugares mais do que inesperados. Se nos pedem para não dobrar aquela esquina, daí é que a dobramos. Rodar a pé no entorno daquele estádio e em dia sem jogos é conhecer um pouco mais das entranhas divinais daquele lugar.

3.) "ONCE" DE BUENOS AIRES É A 25 DE MARÇO OU O SAARA BRASILEIROS
Em cada viagem que faço, tenho que ir já preparado, pois o bater perna pelas ruas é o princípio de tudo. Viajar para mim é gastar sola de sapato, se perder e conhecer lugares inauditos, destes que, na imensa maioria das vezes, passarei somente uma vez na vida. Em cada ano, viajando com Ana Bia para Buenos Aires, ela quer passar pelo ONCE, a versão buenarista da paulistana rua Vinte de Cinco de Março ou do bairro carioca do Saara. O Once, comércio atacadista e varejista popular, quase um bairro, reduto de antigos judeus, que com o passar do tempo, foram dali se afastando em busca de negócios mais lucrativos e hoje, muitos chineses. Quem me conta essa história é Adrian Jara, nosso guia no passeio deste ano. Num fim de manhã de sábado ele nos liga e diz se não queríamos o acompanhar ao Once. Ana topa na hora. Ela, eu e Lucas Melara embarcamos num Uber e em quinze minutos estamos no coração do comércio de rua na capital portenha.

Não que lá exista algo diferente do que vemos aqui pelo Brasil, pois juntando os dois lugares brasileiros aqui citados e este, o espírito é o mesmo. Neste, talvez o diferencial seja o que mais me chamou a atenção no passeio deste ano, o nigerianos. Eles estão em grande número por Buenos Aires e uma das atividades onde atuam não é o das lojas e sim, no das calçadas. Praticamente dominam, junto de peruanos e bolivianos o comércio dos que esticam um pano no chão e ali espalham seus produtos. 

São simpáticos, a maioria muito jovem e quase todos, mesmo com pouco tempo no país, falando muito bem o espanhol. Ficam na deles, mas quando inqueridos falam, mas o necessário. Desconfiados, conversam entre si na língua africana. Ana andava com a bolsa aberta e um deles chegou perto e a avisou do perigo. Fiquei a observá-los o tempo todo e com o maior carinho. São imensos, fortes e a maioria ajudandos seus familiares do outro lado do oceano.

No Once tem de tudo, nas calçadas desde óculos coloridos e muitas malhas, todas com logos de marcas famosas, tudo falsificado, igualzinho no que acontece no Brasil. Comprei cuecas, em duas lojas diferentes indicadas pelo amigo portenho, Adrian. Fico mais do que distraído nestes momentos e preciso sempre de alguém para ir me puxando, me empurrando para caminhar, pois empaco vendo algo e ali me fixo. Tirei poucas fotos, pois esse tipo de fotos necessita de algum tipo de autorização e isso demanda tempo. A mente registra o que não posso fotografar e se ali me deixassem passaria o dia todo envolvido com aquela babilônia.

Quando me perguntam se gosto mais dos centenários cafés ou dessas andanças pelas ruas, nem fico em dúvida, adoro os cafés, dão ótimas fotos, mas estar junto do povo não existe igual. Adrian compra uma espécie de chipa na rua e me oferece, diz ser originária do Paraguai. Provo e gosto do sabor, feito não se sabe como, mas isso não vem ao caso nestes momentos. O Once fica na continuação da avenida Corrientes, bem uns dois quilômetros depois das quadras onde estão os teatros e livrarias. Dá para ir a pé, pois tem comércio no percurso todo e muita coisa para distrair alguém curioso. Paramos no shopping Abasto e numa rua lateral, lembro de quando Alberto Fernandéz tomou posse e lá estive com jornalistas brasileiros. Um bar tosco, simples demais, mas muito aconchegante. Queria ali aportar, mas fui arrastado para continuar as andanças. Elas tiveram continuidade até o momento das portas irem se fechando, enfim era sábado e tudo tem fim, descanso semanal da companhia. Turista só descansa ao voltar pra sua casa.

4.) QUEREM FAZER COM CRISTINA KIRCHNER O MESMO QUE FIZERAM COM LULA, EVO MORALES, LUGO E RAFAEL CORREA
A frase dita hoje por Cristina Kirchner após tomar conhecimento da decisão dos juízes argentinos, todos amigos pessoais de Maurício Macri, o perverso neoliberal argentino é o resumo de tudo o que está em curso hoje na Argentina: "Estou diante de um pelotão de fuzilamento judicial e midiático". Sim, é exatamente isso. Ano que vem tem eleições na Argentina e a oposição está dividida, porém, Cristina possue algo em torno de 40% e representa perigo para os "donos do poder" locais. Se o governo de Alberto Fernández claudica, parcela significativa do povo confia no formato como Cristina administra e governa a Argentina. Ela não pega leve com a oposição, nem propõe acordo com estes, os enfrenta e isso é mais do que um perigo.

Aqui inventaram de tudo para manter Lula longe do pleito de 2018, desde aquele duplex até um pedalinho. Na Argentina são os hotéis da família Kirchner e com eles, a falácia de afirmar ser ali o ponto nevrálgico de lavagem de dinheiro. Afirmam, a tal da convicção, sem prova evidente. Pérfidos, a intenção é afastar Cristina, hoje reafirmado com prisão de 12 anos e sem direitos políticos pro resto da vida. A diferença é que lá, o bicho pega mais do que aqui e o povo peronista já está se mobilizando e indo pras ruas, como na manifestação diante sua casa. Tanto lá como cá, a única linguagem que todos os perversos conhecem é a da PRESSÃO advinda das ruas. Como permanecer quieto vendo tudo o que Macri fez, as contas no exterior, o desastre dos Correios, a crueldade da Gendarmeria, o lesa pátria comprovado por A + B e nada, uma Justiça indiferente. Já com Cristina, sem provas, assim como com Lula, Lugo, Evo, Rafael, a sentença de aprisionamento, o afastamento, julgamento mais do que comprometedor. O argentino não deve aceitar isso pacificamente, pois a democracia daquele país hoje foi jogada na lata do lixo.

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