sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

MEMÓRIA ORAL (136)

MAS COMO É MESMO QUE NASCEU ESSE BLOCO?
A história eu conto como a história foi, parafraseando o título de um belo e velho livro. Relato aqui algo no qual fui me meter como um dos protagonistas num belo acontecimento em Bauru, a criação de um bloco carnavalesco, o “Bauru sem Tomate é MiXto” (com X mesmo). Muitos tinham esse desejo, participar de um irreverente bloco e o que faltava era alguém para colocá-la em prática. Oskar Sobrinho, professor de História como eu, num papo internético me convidou para participar de uma viagem de van pelo Nordeste no final do ano. Minha resposta: “Pode até ser. Não sei nem se estaremos vivos até lá. Por que não fazemos algo já, que tal um bloco de Carnaval?”. Oskar topou na hora e a ideia foi lançada despretensiosamente via facebook faltando pouco menos de 20 dias para o início dos festejos de Momo.

Em inserções diárias íamos instigando os amigos próximos e a receptividade foi crescendo. Decisões precisavam ser tomadas, aliás todas. O artista plástico Silvio Selva tinha iniciado anos atrás (exatos oito) uma letra de marchinha e ficou de retomar algo guardado lá do fundo do baú. A servidora municipal Rose Barrenha queria reviver algo onde havia atuado com intensidade, o projeto antimanicomial “Loucos por Alegria”, onde anos atrás descemos num numa turma num “louco” desfile. Tatiana Calmon espalhou a ideia por tudo quanto é lado e ela foi frutificando, multiplicando-se a cada novo toque. A professora Ana Bia, ao meu lado me instigava com ideias cariocas de blocos e nomes. Oskar tinha até um, com uma aranha de símbolo e eu fui logo escrachando, brincando e provocando com um outro que não saiu do papel, o “Viúvas do Batata”, dos que um dia confiaram  e depois se decepcionaram com o vereador do mesmo nome. Tudo ainda era uma grande brincadeira.

A cada dia gente nova despontavam nas discussões e diante de tanta fluidez de propósitos marcamos uma reunião para a casa do Oskar, no Geisel.  Mesmo com uma carne seca na moranga, somente eu, sua esposa e Rose Barrenha lá estivemos. Sugeri o nome versando sobre o famoso sanduíche bauru, logo aceito. Discutimos sobre o uso do Misto com X, possibilitando variadas interpretações. Era exatamente o que queríamos. Nos primeiros versos do Silvio, algo cai no gosto de todos, o “Bauru Bauru Bauru Cidade que me seduz/ As vezes falta água, as vezes falta luz”. A brincadeira estava estabelecida. Arte com marca do bloco, camisetas, músicos, carro de som, autorizações e os gastos todos, tudo alinhavado. Local definido, Calçadão da Batista de Carvalho, em pleno sábado de Carnaval e descida marcada para 12h, pico do comércio. Quando todos já se preparavam para bater asas, eis que surge Carlos Alexandre e sua namorada. Comem, propõem mudanças na letra e ficam encarregados da criação da página com o nome do bloco no facebook. Já em casa, disparo a ideia do nome, a banda do Alemão do Kananga e a marca sendo feita pelo Gonçalez. Começamos a sentir a boa receptividade, sempre crescente.

Contato o João do escritório local da CUT, ele compra a ideia e cede graciosamente o carro de som puxado a mão, onde propagaríamos o som. Tudo cresce quando Camila, colunista do Bom Dia e logo a seguir Rufino, o do Jornal da Cidade divulgam algo sobre a vontade coletiva de botar um crítico bloco na rua. Cada um a seu modo ia divulgando, mais pelos meios alternativos internéticos. A coisa só cresceu, tomando uma sempre crescente proporção, ou seja, não teríamos mais como voltar atrás. Insuflados por um número crescente de adesões no grupo lá no facebook, o nome começou a se firmar. Envio e-mail para o Secretário de Cultura de Bauru, Elson Reis com solicitação para apoio e consequente acompanhamento. Junto com o chargista Gonçalez bolamos como seria a estampa. Lembro-me de um velho conhecido, o Carlão da Silk Bauru e decidimos fazer inicialmente 50 camisetas, com tudo pronto em no máximo cinco dias. Faltavam menos de doze dias para a festa começar.

A marchinha vai sendo definida em drops, aos poucos, mas seus versos mais significativos já estão consolidados e tudo é finalizado com um “Mas vou falar/ Amo Bauru/ Mas amo menos quando vence o IPTU”. Eu e Gonçalez tivemos que decidir o título na correria, “Faltou Água, Sobrou Buraco”. Ana antecipa o valor para quitar a silcagem das camisetas e a mana Helena corre por tudo quanto é canto vendendo algo que ainda não tínhamos para entregar. Mesmo conhecendo uma pá de músicos, quase todos ocupados nesse período definimos pelo nome do Alemão, o da Kananga. Ele nos faz um preço camarada e se encarrega de juntar músicos, alguns poucos que estão sem trabalhar nesse período. O Carnaval se aproxima, dias 4 e 5 viajo a serviço e vou acompanhando tudo via internet.  A Tati explode emoção em cada postagem e multiplicam-se os interessados em sair, ela com sua agitação, agitadora nata, foi decisiva para espalhar tudo e ir moderando os conflitos.

Chego da viagem na quarta, 13, passo na Secretaria de Cultura para acertar detalhes de um provável acompanhamento da Polícia Militar e recebo a notícia bombástica, uma tal de Associação dos Comerciantes do Calçadão haviam se reunido naquela manhã e decidiram não autorizar o desfile. Troco e-mails ásperos com funcionária da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, pois submeteram-se facilmente à negativa dos comerciantes. Argumento que isso gerará um confronto desnecessário, mas na resposta se mostram irredutíveis. No começo daquela noite fui presenciar o ensaio do bloco e ao chegar a surpresa. Ana e Rose haviam instigado a Tatiana a também comparecer.  Vejo alguma dificuldade no grupo em pegar o ritmo pretendido. Cheia de luz, Tatiana pega o microfone e canta divinamente a letra, como devia mesmo ser feita e eu de queixo caído pego minha câmera e gravo tudo. Todos ficam sabendo da negativa e algo começa a ser difundido via internet.

Amanheço na sexta pedindo ajuda para nosso advogado de plantão, Gilberto Truijo, que nunca havia saído num bloco carnavalesco e nesse diria que iria, proibido ou não. Disparo no blog toda a troca de correspondência com os órgãos da Prefeitura. Na internet o caso explode. Dou entrevista para o Franco Junior da Auri-Verde e a Maria Dalva, no noticiário da hora do almoço na 94FM diz textualmente ser o impedimento “algo perigoso, pois não é possível a Câmara aprovar leis que impedem o povo de circular em certas ruas”. Elson Reis liga e diz que está fazendo o possível e o impossível na liberação, mas num email a Secretária da Seplan é decisiva: Indeferido. Na Unesp Fm, entrevistado na hora do almoço Elson reafirma que tudo será sanado. A decisão coletiva foi a de descer, pois afinal, a praça e as ruas continuam sendo do povo e para o povo, mas Elson liga no final da tarde e confirma autorização e diz que as duas rainhas desceram conosco. As camisetas chegam e mais 30 pedidas, ligações pipocam por todos os lados.

Instalados numa espécie de QG aqui no mafuá, surge o estandarte quase pronto, trazido pelas mãos da Rose. Munidos com colas de tecidos todos se põe a colar as letras nos panos e a tarde rolou coordenada pela mana Helena, controlando o telefone e as entregas das camisetas. Um amigo, Paulo Proença me passa um email falando de Carnaval e lhe peço para montar a arte do folheto com a letra da marchinha. Corro para imprimir na Trena Copiadora e na volta, Oskar está em casa ajudando a desorganizar ainda mais a bagunça instalada. Teríamos uma entrevista para fazer à noite num outro grupo de apoio, o do Enxame Coletivo, do Artur Faleiros, que também havia criado outra página no facebook. Poucos quiseram ir, pois cada um tinha uma correria particular nos preparativos finais. Fomos eu, Oskar e Ana Bia, mas a TV deles falhou e a entrevista não foi ao ar.

Dormir, como fazê-lo? Ana ri até agora contando como levantei às 4h da manhã dizendo a ela, “estou tenso” e indo para o computador. Por volta das 6h30 fui entregar camisetas. Às 9h estava com o Lulinha na sede da CUT montando o som e trazendo-o para a Praça Rui Barbosa. Chegamos sozinhos por volta das 10h, depois vieram a Helena, depois o Silvio Selva, logo depois minha Tia Edi e o Rubens. Depois das 11h, o grupo foi crescendo e percebemos que o som não estava funcionando. Lulinha voou para trocar a bateria, voltando por volta das 11h30, quando a praça já começava a fervilhar. Quando Tatiana colocou sua saia amarela no meio da praça (por cima de um bermudão, viu!), o movimento só crescia. A garoa insistia em não parar de cair, mas isso não estava esmorecendo o grupo. Até padre Herman passou por lá para dar uma espiada, junto de Célio Losnak. Dino Magnoni e sua trupe vieram animados e Oslar Sobrinho, vestiu uma bóia ali no meio da praça e acabou se transformando no “Homem Bóia”, futuro herói das enchentes bauruenses. Roque veio com seus dois assessores, Silvio e Fabricio. Carminha Fortuna veio munida de uma máquina fotográfica e registrou cada detalhe, registro memorável e histórico. Outros fizeram o mesmo e com máquinas nas mãos coloriram a manhã de sábado. Uma pá de gente despontava por todos os lados. No carro de som, a gravação da marchinha bombava e Tatiana sobe no coreto e de lá propaga um algo mais da festa.

Quando passava das 12h30, os PMs vieram nos falar se iriamos demorar e decidimos descer. E descemos em algo maravilhoso, divinal, inenarrável, cheio de muita luz e brilho. Calamos a boca dos descontentes e dos que querem tudo sob o mando e tacão só deles. Mostramos para esses de quem são as ruas bauruenses. Não provocamos ninguém, só festamos e cantamos nosso hino em alto e bom som. O Kananga e seu grupo estavam afinados e em auadra quadra, bem no meio delas, sete no total, íamos parando e repetindo a cantoria da marchinha. Tudo foi muito rápido, muitos se associaram a nós e nem me lembro como foi a descida. Sei que chegamos, extenuados e querendo mais, A chuva mesmo caiu um pouco mais intensa quando havíamos chegado no canto da praça Machado de Mello. Deu tempo de cantar um Feliz Aniversário em ritmo de Carnaval para Rose Barrenha e por fim, um grupo foi terminar a festa no restaurante Convívio, sempre cantando até não mais poder. Acho que não passamos de umas cento e cinquenta pessoas, pouco mais, pouco menos, mas parecíamos zilhões, pois as repercussões do que fizemos continuam sendo publicadas aqui e ali até hoje, seis deias depois do cortejo ter descido a Batista.

Devo ter esquecido de citar muita gente (todos foram importantes e decisivos para o coletivo sucesso), mas isso aqui não é um texto definitivo, não é essa a intenção. Deve ser entendido com um daqueles livros que o Mário Quintana adorava ir colocando suas poesias, cheios de espaços em branco, pois dessa forma ia preenchendo com outras coisas. Façam isso, me ajudem a citar muitos outros que nos ajudaram, contribuindo para que essa festa coletiva tivesse esse sucessão danado. E não me digam que organizei nada, pois isso tudo só foi possível por causa de nossa desorganização coletiva, aliada a uma vontade coletiva de bailar num diferente Carnaval. Objetivo alcançado, em nome dos desorganizados todos, informo que nada sei se será possível isso tudo, junto e misturado, ocorrer novamente no ano que vem. Veremos. Quem sabe. Pode ser. Talvez. Depende. Mas que dá vontade, isso dá e muita!

OBS FINAL: Fotos eu tirei várias e muitas outras foram tiradas. Peço desculpas a todos pelos que não sairam aqui publicados, pois era impossível fazê-lo com todos. Elas estão por aí...

Um comentário:

Anônimo disse...

Como me disse o camarada Marcos depois que foi autorizado perdeu a graça kkk!!

Bruno Lopes