segunda-feira, 15 de junho de 2015

BEIRA DE ESTRADA (49)


A PROFESSORA QUE SOUBE REPRESENTAR LÁ OS DO LADO DE CÁ*

*Artigo publicado na revista AZ!, Nº 26, Junho 2015, 4º texto da Coluna do HPA, publicado exatamente nesse momento, alguns dias após o encerramento, não de uma greve que não deu certo, mas de uma feita num momento em que as forças se dissipam no ar:

“Professor é o tema do momento. Quero escrever de um deles, mais precisamente de uma delas. A história de Vera Lucia Silva Tamião é um exemplo a ser seguido e merece ter algo mais revelado. É o que faço aqui e agora. Ela, quando de sua aposentadoria era diretora numa das Escolas Estaduais de nossa cidade, a João Maringoni (ali entre o Beija Flor e o Mary Dota) e comprova algo cada vez mais difícil nos tempos atuais. Dizem ser praticamente impossível a pessoa assumir e galgar postos de comando e não estar plenamente sintonizada com os detentores dos interesses patronais. Nem sempre. Com competência, sapiência e trabalho mais do que afirmativo, com ampla e efetiva anuência dos mais interessados no quesito, no caso, os alunos e professores, isso ainda é possível. A comprovação, no caso de Vera, ocorre ao longo de sua vida, primeiro na sala de aula, depois dirigindo uma escola.

A Educação (com E maiúsculo) para ela nunca foi um negócio e sim, um meio de conscientização popular. Por décadas ela fez muito nos lugares por onde atuou, décadas de intenso fervor educacional e transformador. Corajosa como poucas, mesmo num cargo de direção (sob comando tucano), militava no sindicato da categoria, no caso a Apeoesp, lutando em prol de uma categoria vilipendiada por seguidos governos estaduais não a olhando com o devido mérito. Enfrentou muita cara feia ao optar pela defesa da categoria. Foi até o fim, luta recheada de altos e baixos, sempre altaneira, cabeça mais do que erguida.

Aposentada, continuou militando na Apeoesp, uma das fontes a lhe revigorar as energias. Lá busca forças para resistir num momento onde a saúde tenta lhe pregar uma peça. Vê-la defendendo a causa dos injustiçados professores é a garantia de que a categoria está bem representada. Impossível não se lembrar de como atuaram por anos a fio verdadeiros profissionais como Vera, quando me deparo com um diálogo ocorrido dia desses. Escrevendo sobre uma escola e uma diretora permanecendo no cargo por mais de duas décadas, quando a foram elogiar, uma profissional que havia trabalhado na escola fez questão de ressaltar em alto e bom som: “Da escola, todos os elogios, da diretora nem tanto”. Normal a anormalidade (sic) das direções estarem sintonizadas com os ditames vindos dos degraus superiores. Na imensa maioria das vezes e sem pestanejar, referendam e fazer ouvidos moucos para os clamores dos alunos e profissionais sob sua batuta. Mas como conseguir conciliar isso tudo, sem afetar as suscetibilidades e os eminentes riscos da vida profissional? Vera tem a resposta e eu a explico na qualidade de mero observador de alguns dos seus anos na ativa.

Primeiro o respaldo dos alunos. Ela os tinha. Difícil conquistar a confiança de quem já chega preparado para o confronto (a escola é palco de outras possibilidades). Impossível sem ocorrer uma integração entre a escola e sua comunidade, entrelaçada convivência. Depois conseguir manter quadro consciente, criativo, unido e a promover de fato essa integração. Baseado nesse alicerce, eis como ir buscar algo renovador, ciente desse peso quanto estiver reivindicando nas outras instâncias. Um complementa o outro. Dos fracos e resignados o mundo está cheio, mas valor mesmo é dado a quem resiste, põe a cara para bater e enfrenta corajosamente os tais ‘moinhos de vento’, que Cervantes nos ensinou também dos tempos nos bancos escolares.

Vera nunca teve vergonha de ser taxada de ‘quixotesca’, aliás, esse foi e continua sendo seu diferencial, diria, lema. O tempo passou, ela está em sua casa há mais de uma década, a mãe com Alzheimer, os filhos morando longe, ela ajudando o marido numa das mais movimentadas bancas de revistas da cidade, a do terminal rodoviário, umas dores que insistem em tentar domá-la, mas não a impedem de subir num ônibus e comparecer nas manifestações favoráveis à greve dos professores estaduais. “Tudo passa, tudo passará”, diz o refrão da velha música, não servindo para essa versátil senhora. Ela, exemplo vivo de que, para transformar desfavorável quadro não se pode permanecer na espera dos outros virem a fazer por ti algo que você mesma deve e pode fazer. Eis o motivo de Vera Tamião, muito mais por todos os outros na lida, continuar na luta, que um dia foi também a dela. “O tempo não para, não, não pára”, de Cazuza é mais sua cara. É aroeira em forma de gente. Os inquebrantáveis são imprescindíveis.”

Viva Vera Tamião!!!

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