sábado, 23 de novembro de 2019

DROPS - HISTÓRIAS REALMENTE ACONTECIDAS (173) e CHARGES ESCOLHIDAS A DEDO (152)


O BRASIL QUE ESTÁ NAS PARADAS DE SUCESSO - HISTÓRIAS DE EMPREENDEDORES SEM CARTEIRA DE TRABALHO


1 - Fui dar aula numa escola rural, convidado por amigo para debater com seus alunos. Conheci um deles, trabalhando numa fábrica de roupas de banho. Sua função é dobrar essas peças, desde lençóis, aqueles com bordas de elástico e tudo o mais, acondicionando-os em embalagens plásticas. Me disse que tinha acabado de sair do trampo e ganha por peça, sem registro em carteira, algo em torno de R$ 0,05 a R$ 0,08 centavos no máximo por peça dobrada e devidamente colocada na embalagem. Tem dia que faz 400, noutros 600, já chegou no máximo, com produção de mais de dez horas dia a ganhar R$ 100 dia, cinco dias por semana, mas isso é o topo quase inalcançável. Não vê outra perspectiva para si ali onde mora. Com o que ganha sobrevive, sai para fazer suas festas, seus bebes com amigos e está quase sempre duro. Fiz as contas de um dia normal de trabalho, quando dobra e embala 400 peças auferindo no final do dia um total de R$ 20,00 e quando o patrão está de bom humor, lhe paga R$ 30,00. "Costureiras ganham um pouco mais, mas não tanto e ralam muito, muito mesmo, muito mais do que o senhor possa imaginar", me diz e acredito.

2 - Do mesmo aluno ouço outra. A dona do empreendedor negócio, lucrativo e muito, mas só para ela pois nem registro em carteira faz mais e não se acha mais necessário preocupações com algo dessa natureza, pois tem agora respaldo federal para agir contrária aos ditames da legislação. Pois bem, o funcionário estava no seu limite, trêmulo com sua situação, muito novo e sob enorme pressão de produção, sendo nem registrado. Sua mãe pegou suas dores e foi ter com o patrão. Chegando lá, ele uma pessoa teatral, o recebeu bem, cafés e rapapés, chorou ao contar de sua situação e do tanto que faz por todos os seus funcionários, todos eles abrigados ali sob suas protetoras asas e por fim, o que seriam deles sem alguém como ele para lhes dar o que comer, vestir. Quase choraram um no ombro do outro e na saída, a mãe do funcionário estava dando razão para o competente e nobre empresário, um a abrir mão de tudo, até de suas horas de lazer, para acompanhar as horas extras que cada funcionário faz. Saiu de lá e foi ter com o filho, pois não poderia por nada nesse mundo perder um emprego igual a esse, com patrão tão leal e sincero. Tem quem, ainda consiga convencer por esse viés e assim me foi dito em detalhes.

3 - Com o carro no estaleiro pego vários uberistas durante a semana e me vejo diante de muitos com pensamento conservador, outros nem tanto, até militante do PSTU encontrei. Em todos, a imensa maioria para ganhar algo razoável, produção diária a conseguir pagar suas contas se faz necessário ralar por dez a doze horas diárias. Teve gente que pediu a conta em emprego, sua profissão de décadas, pois os direitos foram retirados e estava sem garantia nenhuma daqui por diante. Optou pelo uber, mas mesmo ganhando um pouco mais, horário flexível, me afirmou ter chegado na conclusão que hoje trabalha num moto contínuo, rodando sem parar e sem poder parar, com muito menos tempo de lazer que antes, muito mais inseguro, com dinheiro no bolso todo dia, mas tudo de forma enganosa, pois suas perdas ao olhar para o passado são irreparáveis. Um deles se mostrou contra tudo o que vem da "maldita esquerda" (suas palavras), mas não consegue me explicar os reais motivos, dele engenheiro ali estar sem perspectivas e cada vez mais, com um futuro em ruínas. Culpa a crise e o governo anterior, sei o fará daqui há muitos anos quando o reencontrar, pois foi cegado e com os olhos vendados segue tentando, sem sacar que quem o colocou onde está é o lado que defende.

4 - Ainda dessa fábrica de colchas, ouvi mais uma, essa com alguém desistindo de trabalhar como camelo. Ela tinha uma saída, uma outra possibilidade na vida e a colocou em prática. Quem me contou a história foi a mesma pessoa dos relatos sobre o ganho baixo. Uma trans, 19 anos e tentando a vida ali na pequena fábrica, das poucas alternativas na cidade. Trabalhou por um tempo, até o momento em que descobriu uma outra vertente para sua vida. Nos poucos meses que ali atuou ganhava como os demais, no máximo R$ 50 a R$ 80 dia, ralando muito. Fez um e mais outro programa, até que um cliente de fora pegou gosto e voltou mais vezes, ela abriu os olhos e viu que, na prostituição podia ganhar num dia o que estava ganhando no mês. Criou coragem, enfrentou a reação da família e hoje está em Curitiba, até ajudando a família com o envio de valores todo mês. O rapaz que me contou a história, com um olhar muito desolado me diz: "Ela tinha uma possibilidade, se descobriu e não posso culpá-la de nada. Eu como não tenho um corpo bonito, não posso fazer o mesmo e só me resta continuar por aqui ganhando o que consigo com uma esforço imenso".

5 - Os entregadores são por demais sofredores, pois na inexistência de outros empregos, o que lhes resta no atual mercado é sair pelas cidades carregando essa corcova nas costas. Na maioria muitos jovens, tentando um primeiro emprego e sem muita escolaridade e condições de comprar um carro e adentrar o Uber, o fazem de bicicleta ou com motos alugadas, quando não da empresa onde trabalham. José está fora da curva, pois tem quase 50 anos, trabalhou na Ajax e ao me trazer um pedido, paramos por segundos no portão. Não consegue nem receber o atrasado da firma de baterias e diante de tanta necessidade, conseguiu que a pizzaria famosa na cidade, atendendo pedido de um conhecido do patrão, cedesse a moto e ele ali na lida até o último pedido do dia, alta madrugada. "Eu não posso trair a confiança em mim depositada, pois quando mais precisei me deixaram trabalhar e com a moto deles. Ganho pouco mais de um salário mínimo, mas é o que ainda consigo fazer na minha idade. Queria mesmo me aposentar, falta tão pouco, mas creio ganhando o que ganho não poderia nunca fazê-lo", me diz.

6 - Na Batista o garotão está a vender doces, guloseimas embaladas em sua casa com papel celofane. Com uma cesta ela circula pelos pontos mais movimentados da cidade e além de oferecer os doces, levanta um cartaz e nele dizeres apregoando ser ele um empreendedor. Tudo começou a mais de um ano e ao perguntar se algo melhorou de lá para cá, abaixa a cabeça e diz que não. "Eu devo estar fazendo algo errado, pois se outros conseguiram eu também preciso conseguir. Não sei onde estou errando, faço de tudo e sei que a culpa é minha, preciso rever o jeito de fazer, a maneira de abordar as pessoas, de convencer elas a acreditar em mim". diz. Ele até consegue vender os doces que traz diariamente para as ruas, mas isso não o torna nenhum empreendedor, mas somente um sobrevivente, alguém que não morrerá de fome, mas não chegará nunca a um patamar além disso, porém o fizeram entender que, ele está no caminho para se tornar um empresário fazendo o que faz. Ele insiste, persiste e quer vencer na vida, faz o que pode, instigado por uma regra capitalista, a de que todos poderão chegar lá, mesmo quem a formulou tendo a mais absoluta certeza de que isso não é possível. Vê-lo com sua cesta e sua placa nas ruas é de uma crueldade sem fim, mas ele não aceita perder e todo dia volta pras ruas em busca de uma luz no final do túnel.

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