sábado, 29 de agosto de 2020

MÚSICA (189)


ZÉ DA VIOLA SE FOI E A DOR TOMA CONTA DE TUDO
Recebo a notícia como um soco no estômago. Não sei nem como digerir tantas perdas e outros tantos fazendo de tudo e mais um pouco para continuar vivos.
Estou prostrado e sem palavras.
Todas as fotos são deste mafuento HPA.


Abaixo algo do que já escrevi dele por essas páginas facebookianas e no blog Mafuá do HPA:

1.) ZÉ DA VIOLA NOS DEIXOU... - Publicado em 20.06.2018
Ontem ciurculando e pagando contas pelo centro velho da cidade, rua Gustavo entre Ezequiel e 1º Agosto sou abordado por um cidadão me chamando pelo nome. Abro um baita sorriso, desses de boca a boca. Era seu ZÉ DA VIOLA, um violeiro e sanfoneiro que já comandou na aldeia bauruense casas noturnas aos estilo arrasta pé da maior responsa. Foi meu número 1 dos relatos que faço regularmente aqui, o Personagens Sem Carimbo - O Lado B de Bauru. Era lindo vê-lo nos shows cidade afora com a disposição de quem é grandioso, mas adora observar o que os colegas aprontam pela aí. Certa vez um garoto de uma orquestra lhe disse ser maestro. Ele me disse: "Tive que rir, pois estudei música a vida inteira e não cheguei nem perto disso". Triste foi vê-lo tempos atrás vendendo picolé pelas ruas da cidade, mas o fazia com a devida galhardia e dignidade, algo que nunca dele estiveram distantes. Grande figura humana, um que abrigou em seus forrós n ada menos que Toninho Ferraguti, hoje um músico universal, mas sendo de Botucatu, começou sanfonando com ele na periferia bauruense.
Pois bem, Zé da viola estava sumido e já comentava comigo mesmo: Por onde andará o Zé? O via muito lá pelos lados do Pingueta, mas desaparaceu misteriosamente. Estaria doente? Hoje elucidei a charada. O velho bardo não está mais morando em Bauru e sim, no Guarujá (pertinho do tal apartamento que os malvados enfiaram como sendo do Lula só para tirá-lo do pleito já ganho). Foi abrigado por uma sobrinha generosa e no sorriso diz estar feliz da vida. Me passa o mapa e diz para passar a notícia adiante. Está localizado bem defronte o Hospital Santo Amaro, ali ao lado a Amanda Cosméticos, da sobrinha e também ali perto o restaurante Nino's (três na cidade), da irmã Cecília, onde almoça e janta todos os dias. Mora na rua Rivaldo Fernandes 368, 3º andar, apartamento 31, jardim Tejereba (nome de um peixe). Passo a notícia adiante, como me pediu, pois pedido de Zé da Viola é para mim uma ordem. Esse é um daqueles que adoro reencontrar pelas ruas, bate papo alvissareiro garantido. Gente da melhor estirpe.

2.) Publicado em 07.10.2017: BARES ANTOLÓGICOS – LA PINGUETA é um bar com decoração toda feita com caixas de mercado e algo inusitado para os frequentadores. Nos intervalos da música ali apresentada, todos podem se servir de uma coleção ode LPs, os velhos e sempre útil vinil, escolher o que lhe aprouver e por pra tocar. Conseguir se encontrar com seu Zé da Viola, sempre sentadinho ali na entrada é a consagração, sendo ele uma instituição na cidade, violeiro pé no chão.

3.) COISAS DESSA VIDA QUE NÃO TEM PREÇO - Publicado e, 23.10.2016:
Sair no sábado a noite para ouvir boa música no bar DONA PINGUETA, para ouvir dois belos músicos da terrinha, a cantora e tecladista Lu Bertoli e o baterista Paulo Saca, chegar lá ao lado de Ana Bia e se deparar, sentadinho na poltrona de entrada do lugar, como uma rara peça em exposição, um dos baluartes dessa cultura musical bauruense, o seu ZÉ DA VIOLA, é dessas coisas que dão alento à vida. Puxo o danado para nossa mesa e, além de ficarmos absortos com a musicalidade do lugar, tem o papo com esse lindo senhorzinho, algo que, deveríamos preservar em formol, para durar mais que uma vida inteira. São dessas pessoas a tornar uma cidade mais palatável, habitável e deglutível. Todos ao seu redor ganhamos com o bocadinho de proximidade ali conquistado. Seu Zé da Viola, para quem não sabe foi o primeiro a ser retratado, o nº 1, dos meus perfis aqui publicados, o "Personagens sem Carimbo - O Lado B de Bauru". Uma figura mais que lado B, ímpar por natureza.

4.) FIGURA DA MAIOR RESPONSA (ESCREVER DAS PESSOAS, MEU MAIOR PRAZER) - Publicado em 20.12.2014
Zé da Viola, o meu primeiro Lado B
Se me perguntam qual uma das figuras da maior responsa dessa cidade, assim sem pestanejar tenho uns nomes na ponta da língua e um deles é o do seu ZÉ DA VIOLA. Só para terem uma ideia de como gosto dele e de tudo o que possa representar, foi o meu Personagem Sem Carimbo - O Lado B de Bauru número 1 (UM). Tudo começou com ele. Hoje o reencontro por acaso lá no Restaurante do Rubon, na Castelo e ele aceita meu convite para almoçar junto ao grupo onde me encontrava. Adoro suas sacadas e prometi a ele registrá-las num documentário, que nem tenho ideia de como vou fazer para produzir, mas promessa é promessa e seu Zé merece ser registrado para a eternidade.
Veja a sapiência de sua tirada.
Um sujeito relativamente novo e ligado à área musical chegou perto dele e disse assim:
- Eu sou maestro.
Seu Zé olhou o gajo de cima embaixo e lascou assim na lata:
- Para ser um simples regente eu sei que o sujeito precisa estudar muito, conhecer muito de música e isso tudo demora no mínimo uns quinze anos. Olhando bem para ti, quero te dar os parabéns, pois vejo que você é um gênio, alguém fora do comum, superou todas as etapas e já é maestro. Parabéns.
Seu Zé é um encanto de pessoa e eu o adoro exatamente por causa dessa sinceridade a toda prova.

5.) CARTÃO DE BOAS FESTAS DO HPA - Publicado em 21.12.2011
CHEGA DE PAPAI NOEL, O NEGÓCIO É VOVÔ VIOLA

Nunca gostei desse negócio de Papai Noel. Esse barbudo, roupa vermelhada e calorenta não tem nada a ver com nosso tropical país. E além de tudo, sua figura denota compras e mais compras. Só isso. Fujo disso. Procuro vivenciar outra realidade nesses dias. E assim sendo tento ao meu jeito criar e dar vazão a um tipo bem bauruense para nos representar. No começo do mês encontrei o tipo ideal, o ZÉ DA VIOLA, um sujeito bonachão, de bem com a vida, cantante e tocador de viola, rico de saúde e pobre de bolso, roupas largas, folgadas pelo corpo e um vistoso rabo de cavalo nos cabelos, a denotar sua irreverência para tocar a vida, com galhardia e sapiência. Ele topou a brincadeira e aqui está o meu Papai Noel, ou seja, o VOVÔ VIOLA. Uma festa embalada por suas músicas e pelo seu astral é tudo o que peço para um final de ano auspicioso e cheio de alegria. ZÉ DA VIOLA representa o Brasil que gosto de viver, pois todos sabem da existência de vários Brasis, cada um com uma conotação. Eu quero mais é ser feliz “violando”.

6.) ZÉ DA VIOLA, EXCELENTE IDÉIA DE UM PAPAI NOEL ÀS AVESSAS - Publicado em 15.11.2011
José Domingues Mucheroni é músico da Velha Guarda bauruense, desses a empunhar um violão desde os áureos tempos dos famosos bailões pelos bairros da cidade. Comandou muitos palcos pela cidade, ficando conhecido pelo apelido, ZÉ DA VIOLA, que o acompanha desde então. E desde sempre tenta tocar a vida com o que ganha com a música, empreitada difícil e nem sempre prazerosa. Zé não desiste, deu muito murro em ponta de faca e mesmo nas adversidades nunca se separou do seu violão. Espírito aventureiro rodou o mundo, tocando por muitos lugares Brasil afora, mas quando o peso dos anos começou a dar sinais, voltou, retomou contatos e procura sempre estar em exposição, ou seja, tocando por aí. Sobrevive como pode e até sorvete nas ruas de Bauru já vendeu, mas o que gosta mesmo é descobrir novos lugares para tocar e dar suas aulas de violão, nunca abandonadas. Semana passada, domingo, 11/12, quando do show de um antigo pupilo no Jardim Botânico, Toninho Ferraguti foi agraciado com uma canja, uma inversão de papéis. No passado Ferragutti vinha tocar com ele em Bauru, hoje o consagrado músico reviveu o passado possibilitando que Zé estivesse ao seu lado no palco bauruense. Vê-lo sempre sorridente, de bem com a vida, camisa de manga, rabo de cavalo, malemolente pelas ruas da cidade é a certeza de que cumpriria um excelente papel nessas festas, como uma espécie de Papai Noel as avessas, ou seja, um com traje mais arejado, muito mais apropriado para os festejos calorentos de final de ano.

07.) Publicado em 29.06.2011 - Ontem ouço algo sobre esse blog a deixar esse mafuento escrevinhador todo orgulhoso. No retorno de uma ida ao Jardim Redentor dou carona para seu Zé da Viola, um músico desses completos, retratado aqui num recente Memória Oral, quando contei parte de sua vida. Viemos papeando até a cidade e ele me conta que o texto postado na internet foi por onde lhe encontraram, sendo repassadas duas notícias, uma triste e uma boa. Seu irmão, mais novo que ele, um excêntrico a viver solteiro e sozinho, meio que isolado do mundo, residente em São José dos Campos havia falecido e ninguém sabia do paradeiro do herdeiro (no caso ele, o Zé). Descobriram por lá o nome dele, mas não sabiam como encontrá-lo e numa pesquisa na internet deram de cara com o meu texto “Zé da Viola, um violeiro ao sabor do vento”, publicado em 28/02/2011 e lá num comentário os telefones para contato. Ligaram, deram a triste notícia e também que ele terá que ir rapidamente para aquela cidade, tudo para tomar conhecimento do que o irmão deixou para ele. Heranças que chegarão em muito boa hora, pois nosso Zé continua camelando a vender seus picolés de iogurte pelas ruas dos Altos da Cidade. Possibilidades blogueiras e os meus votos são para que seu Zé volte de lá com algo de concreto, com uma rechonchuda conta bancária, possibilitando uma vida menos atribulada.

08.) ZÉ DA VIOLA, UM VIOLEIRO AO SABOR DO VENTO - Publicado em 28.02.2011
Existe na cidade de Bauru, interior de São Paulo alguns baluartes quando o assunto é a música, ainda mais quando se fala de algo mais específico, como o bem tocar um violão de sete cordas, uma viola caipira ou um cavaco. Adentrando essa seara é impossível não tocar no nome de José Domingos Mucheroni, 72 anos, professor autodidata e uma excelência com o instrumento nas mãos. Zé da Viola, como prefere ser chamado, está em atividade há décadas e sua história é dessas a merecer ser passada adiante, pois além da singularidade, das idas e vindas, dos erros e acertos, demonstra mesmo na adversidade ser uma pessoa de bem com a vida, acreditando ser possível reverter tudo na próxima curva ali na esquina.

A excelência musical é fruto de um início enfronhado no meio musical. O pai, Ernestinho Mucheroni foi dos precursores da viola na cidade e o menino pegou gosto pela coisa logo cedo. “Meu pai era catireiro. Naquela época as festas nos sítios eram com fartura, não existia o dinheiro, mas muita comida e bebida, principalmente a cachaça e um pouco de vinho. O frango era feito com farofa e servido numa bacia, com a catira comendo solta a noite inteira. Os velhos ficavam ouvindo aquelas demoradas modas de viola, com até 25 versos, tudo com princípio, meio e fim, histórias contadas no ponto da viola. A catira era formada de 12 pares, 24 homens batendo os pés e mãos entre aquelas histórias. Vivi isso desde muito cedo na minha vida”, conta um alegre e despojado contador de histórias.

Nesse tempo já fazia suas estripulias, nunca abandonadas. “Eu pegava o violão de meu pai escondido e acabava quebrando as cordas. O velho ia pegar o instrumento na hora de ir tocar, guardado num saco tipo de farinha e via o estrago. Percebia meu interesse. Dava um trabalhão para ele, pois as cordas eram envolvidas em carretéis. Era sofrível. A viola desafinava, precisava tirar o craveiro de madeira, raspar numa pedra rústica para tocar. Fui aprendendo e depois vim a consertar violas. Ele até gostava, pois ao invés de estar na rua, seguia seu gosto”, continua. Sua lembrança vai mais longe e começa a lembrar dos melhores violeiros de Bauru. “Entre 1945 e 1950, por aí, o campeão era o Zico Martelinho, um vendedor de doce, vivia disso, depois vinham outros como o Zé Carvoeiro, que vendia carvão, o cabo Antoninho, da Força Pública, o Zé Oréfice, tio dos famosos Falsetis e meu pai, que era pedreiro e nas horas de folga violeiro.

Lembra também nunca ter freqüentado uma escola musical. “O único a me ensinar algo foi Carmelo Grillo, hoje com 94 anos e ainda dando aulas de violão. O resto aprendi tudo na convivência. Aos 14 anos meu pai comprou o meu primeiro violão, um Gianinni e comecei a tocar em casa, festinha de aniversário. Minha primeira dupla foi com minha irmã, a Aparecida. Nesse tempo fui para a capital e lá meu primeiro emprego, na SP Light, por volta dos 16 anos. Conheci amigos nas rádios, lembro bem do Grêmio Juvenil Tupi. Voltei para Bauru com 32 anos, casado e já com filho. Daí revi a turma que tocava por aqui, o Lali, Zé Vieira, Tiãozinho, Mário Carvalho e o Edivardo Viotto, mais conhecido como maestro Badê”, continua seu relato.

Zé da Viola é um inveterado contador de histórias, algumas muito engraçadas envolvendo os muitos personagens, todos musicais que atravessaram sua trajetória. “Uma vez fui tocar em Campo Grande, viagem longa, chegamos quase na hora e fui procurar o endereço, rua Cândido Mariano. Nada, um sufoco e momentos antes do baile começar conseguimos chegar e fui falar que havia perguntado por tudo quanto é lugar a rua, foi quando me disseram que estava nela fazia tempo, tava lá Marechal Rondon. Fomos a piada da noite. E outra, essa um causo, de um sujeito que ensaiou durante anos uma atração circense com um porco e um galo como violinista e cantor. Ofereceu em vários lugares e nada. Passado um tempo, situação difícil, quando um dono de circo foi comprar o número, foi obrigado a dizer que não podia mais, pois não tinha mais os dois, sendo obrigado a comer a atração, primeiro o cantor depois o violinista”, conta entre risos. Uma das melhores é a vivida com o maestro Brasil Loureiro, que contratou ele e um amigo para um conserto chique, onde teriam que ler as partituras e nem ele, nem o amigo sabiam: “Tocamos da nossa forma e no final, ele nos chamou, pagou R$ 70 para cada músico e para mim e o colega R$ 100 cada, mas disse que fomos diferentes, colocamos arranjos que não estavam previstos, afirmou ter gostado muito, percebeu tudo e nos mandou pra ‘pqp’, pediu para aprendermos música, pois não sabíamos nada da coisa escrita. E nunca aprendi. Não tenho mais jeito”, conclui.

Das pessoas que já tocou, lembra com saudade de Nelson Gonçalves, que acompanhou em várias apresentações. Mais recentemente o acordeonista Toninho Ferragutti é outro, personagem de histórias variadas. “Por volta dos anos 80, o Toninho, que era de Botucatu tinha uma namorada aqui e quando vinha vê-la arrumávamos bailes para ele tocar conosco. A gente pegava uma sanfona de 80 baixos e dava pra ele, grandão, acostumado a uma de 120, a mão escapava, voltava pra cima, mas sempre muito habilidoso, não fugia do pau. Doutra feita fui com ele num estúdio e Toninho deixou todos de boca aberta, pois improvisou o Panela Velha só de olhar a partitura, com os pés nas costas. Três sanfoneiros não tinham conseguido e ele matou a pau. Pudera, treinava o dia inteiro. Ele é vegetariano e uma vez fomos almoçar na avenida Paulista, comemos e quando foi embora, entrei numa padaria e pedi um churrasquinho. É desses que ouve uma música um única vez e já sabe tudo o que tem que ser feito. Aqui em Bauru, o Sebastião Lima, chefe jurídico do Expresso de Prata, um colecionador de acordeons é seu seguidor maior, sabe de todos os festivais de sanfona e por onde o Toninho está no momento”, relata sobre Ferragutti, com quem esteve por duas vezes ano passado, a primeira no Templo Bar e depois no SESC Bauru.

Se deixar, ele fica a dedilhar o vilão durante o tempo todo e a relembrar histórias. “Caburé é o pai do Eraldo Bernardes, um outro que seguiu o viés artístico familiar. Ele chegava para o violinista e pedia, ajeita aí um tom para mim e aprontávamos com ele. No fim ele falava que agitamos mal, que tom era aquele e eu lhe dizia, nada disso, esse é o famoso Tom & Jerry. Tenho uma outra história, essa com o velho Carmelo e meu pai, pedreiro, que enrolou durante um bom tempo de fazer uma obra na casa dele. Certo dia o Carmelo o pegou de jeito e arrumou um ajudante ali mesmo, que ficou fazendo um buraco na rua, enquanto ele foi comprar o material. Nisso passou um bravo fiscal de Prefeitura e queria multar. Quem mandou fazer isso? O ajudante meio sem graça disse que tinha sido o seu Ernesto. O fiscal abaixou a crista e saiu de fininho. Carmelo conta essa até hoje, é que na época o prefeito da cidade era o Ernesto Monte e o tal fiscal achou que a ordem era do prefeito e não do seu Ernesto, meu pai”.

Diz ter muita saudade dos velhos tempos e dos amigos que se foram e também que “a vida do músico é cheia de percalços, uma correria de um lugar para outro, quando em ascensão não se tem qualidade de vida, é duro manter todos os compromissos de forma muito séria". Dos tropeços nem gosta de falar, preferindo sim, tocar em alguns dos outros. “Estudei comportamentos musicais e a deusa grega dos teclados é Euterpe e a dita cuja mexe com a cabeça de alguns músicos, deixando eles muito loucos. Os meio bestas, que tem um comportamento meio estranho nós falamos que são Namorados de Euterpe, a Feiticeira. Hoje o João Gilberto, o Yamandu Costa e o velho Hermeto são todos Namorados de Euterpe”, diz sorrindo. “Mas eu também aprontei algumas, veja o caso do Bagaço que gostava de algo diferente e cantava pra ele um verso modificado de Cartola, o “volto ao jardim/ na certeza que devo cheirar” e até um “até quem é de cheirar, cheirou...”, continua todo entusiasmado.

A verve de humor o persegue e até os cabelos compridos, amarrados num laço, marca registrada dos últimos tempos é motivo para piadas. “Num baile, um senhor meio cego, chegou perto e veio com graça, me chamando de senhorita e pedindo para dançar com ele. Num outro momento, esse mais recente, eu vendendo meus iogurtes pela rua, sou chamado de longe, por um ô dona, dona, nem olhei, pois percebi que estavam me confundindo com uma mulher”, diz. Esse negócio da venda de iogurtes em saquinho pelas ruas é algo do seu atual momento, difícil, mas uma simples questão de sobrevivência tirada de letra quando perguntado sobre o assunto. “Muitos me vêem pelas ruas e se espantam. Vejo por outro lado, ganho meus R$ 40 a R$ 50 reais todo dia, uns mil por mês e digo que tudo foi recomendação do meu médico, que pediu para fazer longas caminhadas todo dia. É isso que faço, rodo uns 15 km por dia, das 10 às 18h ou das 14 às 20h, a empresa é boa, me dá até carro para trabalhar, esse de duas rodas que empurro pelas ruas. A caminhada 0800 é a gratuita, gastando sola de sapato e não ganhando nada, na minha ganho meus trocos. Prefiro levar tudo na brincadeira e digo que isso aqui não é um emprego, é um pesadelo”, conta com certo humor.

Essa sua vida atual, tentando continuar com suas aulas de violão e viola, que acredita terão reinício após o Carnaval, em dois endereços, ministradas em qualquer local e horário é o grande motivador de tudo. Não desiste e diz estar entrosado com alguns da nova geração, tendo já tocado com Binha, Sargento Pedro, Sebastião José Tomás, Marli da Escaleta, Guilherme e outros. “Minhas últimas apresentações foram no chorinho do Bar Aeroporto e na Praça Luiz Zuiani, no Projeto do JC. O que eu ganhei, gastei, foi assim a vida inteira. Se correr atrás ainda dá para viver de música, tanto que continuo compondo. Lembro de uma que fiz para o centenário de Bauru, o “Há gosto pra tudo”, juntando o mês do aniversário da cidade com a planta cujo chá serve para quase tudo. Quer ouvir? Os tempos são outros, mas eu resisto e se convidarem toco a noite toda”, continua um relato que, pela entonação de voz e animação, pode prosseguir também por tempo indeterminado. Zé da Viola é um resistente, procura rir de tudo e assim vai virando as páginas de uma atribulada e conturbada forma de tocar a vida.
Para finalizar ouçam essa, com Caburé e Zé da Viola: http://il.youtube.com/watch?v=qq-xJj-PW3w

TEM MAIS, MUITO MAIS, MAS NÃO CONSIGO FAZER MAIS NADA E VOU CHORAR SÓZINHO NUM CANTO... TCHAU!

No dia de hoje envio missiva de minha lavra e responsabilidade com solicitação de publicação na edição do Jornal da Cidade, Tribuna do Leitor. Veremos...

FALEMOS DE ZÉ DA VIOLA

Escrevo para o JC, especificamente para a Tribuna do Leitor, com solicitação para atendimento também no Caderno Cultura, que neste domingo, 30/08 bem que podia ostentar em sua capa, até com chamada na primeira página, algo sobre o grandioso músico ZÉ DA VIOLA, seu José Domingos Mucheroni, que do alto dos seus 82 dedicados à causa musical, resolveu nos deixar e tendo por detrás de si algo bem profundo e consistente sobre como se dá de fato as relações musicais nesta cidade. 

Esse velho aroeira das artes locais teve uma vida inteira dedicada à música, dela viveu uns tempos, mas quando o tempo foi chegando, idade avançando não mais conseguiu tirar o sustento de seu violão e cantoria. Vendeu até picolés na rua, com uma maestria igual a coroa que ostentava junto aos cabelos compridos, um laço mantendo-os todos juntos. Zé é a prova da resistência dos de baixo, os que denomino de Lado B, os que labutam uma vida inteira e não se afastam de seus ideais, mesmo que isso lhe tragam enorme peso a ser carregado pro resto da vida. Zé da Viola persistiu, insistiu e resistiu até quando pode. Tempos atrás, já cansado de dar murro em ponta de faca aceitou convite de parentes próximos e foi viver no litoral paulista, cuidado por estes e assim, amparado seguiu até este triste momento, o de seu passamento.

Representa na sua magnitude os tantos músicos que tentam sobreviver de sua arte. Alguns o conseguem bem, mas a maioria mal e porcamente, pois não é mesmo tarefa das mais prazerosas sobreviver fazendo o que gosta e ao bel prazer. Esse Zé tinha estilo, garbo e maestria. Inesquecível o dia em que tempos atrás, me disse pessoalmente ter ouvido de um jovem, que se apresentava como maestro, esse ainda nos cueiros. Não se segurou e lhe disse na lata: "Para ser um simples regente eu sei que o sujeito precisa estudar muito, conhecer muito de música e isso tudo demora no mínimo uns quinze anos. Olhando bem para ti, quero te dar os parabéns, pois vejo que você é um gênio, alguém fora do comum, superou todas as etapas e já é maestro. Parabéns".

Ele tocava debaixo do viaduto da Duque, ali onde funcionou por décadas um famoso arrasta-pé, também conhecido como "risca faca", negócio administrado pelo seu jeito de tocar a vida, meio na flauta, quase sério, lugar de boa música, poucas desavenças e felicidade entre os frequentadores. Toninho Ferraguti ali começou e hoje encanta o universo. Sua trajetória sempre foi pelas rebarbas, mas admirado por todos. Sivaldo Carmargo, o nosso homem da dança me disse dele algo singular, dos tempos quando morava lá pelos lados do Redentor. "Ele não tinha aparelho de som em sua casa e vez ou outra batia palmas no meu portão. Sempre o mesmo motivo, me pedia se tinha tempo e podia por na vitrola algo que ele sabia eu tinha entre minha coleção de música, algo do Toninho. Tomávamos café juntos se deliciando com o som do Ferraguti. Depois, como chegou saia e creio, isso lhe recarregava", me contou.

Pergunte para todos os bons músicos desta aldeia bauruense quem foi esse Zé. Pode ligar para muitos deles e se possível, montem um textão lindo, desses que a gente faz questão de emoldurar e colocar na parede, pois com ele se vai um bocado de nossa história musical. Não tem como deixar de ficar prostrado, triste demais com essa perda, mais uma nesses pérfidos tempos. É que esse Zé não pode passar batido. As pessoas não podem continuar suas vidas sem ao menos saber um bocadinho do que esse senhor influenciou e fez pela música bauruense. Eu não me canso de repetir termos muita sorte, pois Bauru é privilegiada, com um cabedal musical pouco encontrado pela aí. Pode circular pelo estado todo e compare o que se vê por aí com o encontrado aqui. O cenário musical musical desta terra muito da "sem limites" é quase único e este Zé é espécie de hours concurs dentro deste universo.

Por todos os murros em ponta de faca que ele deu e outros tantos dão pra continuar fazendo o que gosta e sabem, creio que a capa do Cultura é mais que uma homenagem, não só pro Zé, mas pra tantos outros, com vivência parecida, mambembes e  bom vivants. Zé da Viola ria até das adversidades, que não eram poucas e assim construiu seu nome no panteão dos que realmente valiam a pena a gente conhecer nestas plagas. Quem não o conheceu, não sabe o que perdeu, pois representa muito mais do que tantos empoados que vejo ditando regra pelos nossos quatro cantos. Viva seu Zé da Viola, imortal e por mim reverenciado de joelhos. Neste eu botava fé.
Henrique Perazzi de Aquino, jornalista e professor de História.

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