terça-feira, 19 de janeiro de 2010

UMA CARTA (42) e UMA ALFINETADA (64)

O VIZINHO NÃO É UMA FIGURA DISTANTE - carta publicada hoje, Tribuna Leitor, Jornal Cidade Bauru SP e no semanal O Alfinete, de Pirajuí, edição nº 566
O que aconteceu no Haiti, o país mais pobre e miserável de toda a América me fez lembrar da relação que mantemos com alguns vizinhos. Ouvi muita lamentação quando o presidente Lula se mostrou favorável a novos acordos econômicos com a Bolívia, em relação ao gás que importamos deles e ao Paraguai, com a energia elétrica que de uma certa forma compartilhamos de Itaipu. Em ambos os casos, ficou claro o relacionamento amistoso e de verdadeiro amigo, que o Brasil mantém com duas nações vizinhas, quase parede-meia. O entender a situação do outro, ajudar no sentido de que eles cresçam e melhorem é mais do que salutar, é imprescindível. Achei horroroso naquela oportunidade ler por aí que o Brasil deveria atuar de forma dura com ambos, como se fosse um déspota imperador. Agimos da forma mais acertada e a história mostra isso. Crescemos como nação humanitária e distante da força bruta.

Morei durante vários anos no núcleo Gasparini e vivenciei algo a me incomodar. Um dos vizinhos tinha uma casa caindo aos pedaços, nem luz e água estavam ligados. Uma pobreza que destoava dos demais, todos trabalhadores e com um mínimo de cuidado em suas edificações. Era impossível querer pintar a fachada de sua casa e não querer entender e ajudar o vizinho ao lado, em situação deplorável. Era o mínimo que todos poderiam fazer. Como trazer para sua casa o porta-malas do carro cheio de mantimentos e observar o outro, ali ao lado, quase sem nada para comer? Passado um certo tempo, com ajudas paliativas nada foi alterado, mas com o emprego formal de alguns, tudo mudou de figura. Na casa já eram vistas mudanças, uma reação e todos vivemos mais felizes.
O Brasil não se mostra indiferente aos seus vizinhos, como nós não devemos ser com os nossos. Existem aqueles que preferem retirá-los do seu campo de visão, pois assim o problema será esquecido, outros não. Os que se incomodam, arregaçam as mangas da camisa e as barras das calças e se mostram desde o início preocupados, propiciando uma ação transformadora, esses são valorosos. O caso do Haiti é crônico e foi sendo construído ao longo dos anos, com ditaduras que dilapidaram todo o seu patrimônio físico e moral. Chegaram ao fundo do poço e pouco foram os que o ajudaram de fato. Um país onde 75% da população está desempregada é um sinal alarmante de que tudo está falido. A ajuda ao Haiti não deve se militar a mantimentos e ajuda humanitária de mão de obra especializada em catástrofes (também muito importantes).

Olhemos nosso vizinho com outros olhos, o da transformação, o da revitalização e o da reconstrução também social e política. Enquanto o país for dominado por gangues, no poder e nos núcleos populares, nada avançará. O Haiti precisa é de uma revolução social, onde o povo acompanhe novamente o atendimento mínimo de suas necessidades básicas, principalmente no respeito ao cidadão. Tragédias como a ocorrida lá são horrorosas e de nada valerão toda ajuda que vier, de todas as partes do mundo, se algo não for feito para mudar o ritmo atual da vida haitiana. Nada de interferência estrangeira sem controle, mas que surjam lideranças populares a assumir um papel transformador naquele país (incentivemos isso). Aí sim, daríamos uma outra ajuda, mais palatável, para que o país se levante e dignifique o fato de ter sido o primeiro país a se ver livre da escravidão em toda a América. Haitianos construiram um bela história de luta e resistência ao longo dos séculos e isso precisa ser retomado. Estar ao lado da luta por isso é algo que qualquer vizinho consciente poderia fazer.

OBS.: Com a publicação dessa carta, duas coisas me vieram à mente. Escrevi essa carta no dia 15/01 e no dia 18/01, recebo do amigo Marcos Paulo, o seguinte texto, com um conteúdo um tanto parecido. Faço questão de publicar ao lado do meu:

"Quando aconteceu o furacão Katrina em 2005 que arrasou a cidade de New Orleans, o que George W. Bush, o presidente do país mais rico e poderoso do mundo, fez pelos flagelados? Nada. Pelo contrário, mandou para lá militares e policiais fortemente armados, para conter os distúrbios que estavam acontecendo. Pessoas (quase todos eles negros) sem água, comida, medicamentos e sem ter onde dormir, começaram a saquear lojas e mercados. Os militares e policiais atiraram neles. Obama, o presidente negro da "mudança", está fazendo a mesma coisa, está enviando para o Haiti dez mil soldados, armados. Não com alimentos medicamentos água cobertores, mas com fuzis e metralhadores. Para conter os distúrbios, que já começaram e garantir a proteção das mansões e dos negócios dos exploradores imperialistas no Haiti.

Os militares brasileiros, que por cinco anos prestaram serviços em defesa dos interesses norte-americanos no Haiti, estão sendo tirados da jogada. Obama e seu "maravilhoso país democrático" estão assumindo o controle, diretamente, como diz sua porta voz direitosa Hillary Clinton. Para mais rapidamente exterminar os flagelados, negros como Obama. Para deixá-los morrer mais eficazmente pela fome sede e doenças e balas dos seus militares. Coisa que os brasileiros fizeram, muito precariamente. Precisou um grande terremoto acontecer para o mundo voltar os olhos para o Haiti, o problema é que as informações do país pelas lentes dos noticiários burgueses, a verdade do que acontece neste sofrido e dominado país não é mostrado, o verdadeiro tremor imperialista que causou e causa mais danos ao povo haitiano do que este terremoto fica oculto nos jornalões. Revolução e libertação do Haiti é palavra de ordem. Sempre".
Por fim, isso tudo me faz lembrar da professora Lúcia Skromov, uma brasileira batalhadora e que vive pelo Haiti. A conheci aqui em Bauru em março de 2006, quando participou de algo singular na cidade, o I OLA - Observatório Latino Americano - Intervenções políticas, culturais e midiáticas e as resistências na América Latina. Aquilo tudo foi algo realmente revolucionário na cidade e em breve conto aqui um pouco do que presenciei e ajudei a trazer para cá. Lúcia é a representante do comitê Pró-Haiti Brasil e tento dela um depoimento sobre sua passagem por aqui e sobre o Haiti de ontem e de hoje. A charge sobre o Haiti é do Latuff, que também esteve aqui no OLA. Novidades em breve.

5 comentários:

Anônimo disse...

Oi Henrique
Só pra ilustrar a sua matéria sobre o Haiti e mostrar como a burguesia haitiana funciona como a burguesia brasileira, dá uma olhada nesse vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=3Vz-4vg5eMM&feature=player_embedded
Nele o cônsul haitiano diz que o terremoto foi bom e que a culpa é das religiões afro-descendentes.
O cara deve patrocinar a Veja do Haiti, tamanho o despautério.
Abração
W.Leite

Anônimo disse...

O Haiti só tem uma salvação de voltar a ser uma nação DIGNA. É muito fácil, faça como Cuba, arrume alguém igual a Fidel Castro e Che Guerava, ou até um Chávez. Do contrário vai continuar cada vez pior e mais dependente.

Com as considerações cariocas

Paschoal

Unknown disse...

a respeito do ocorrido no Haiti, é interessante o texto que achei pela internet dizendo sobre testes de armamentos norte americanos: http://www.aporrea.org/tiburon/n148944.html

Anônimo disse...

EEUU reprime a haitianos en el aeropuerto de Puerto Príncipe (+ Video)
19 Enero 2010
Cuando todavía no es posible contar el número total de muertos provocados por el terremoto, las fuerzas de ocupación están reprimiendo las protestas populares en Haití con armas provistas de balas de goma y bombas de gas lacrimógenas.
Un equipo de la Televisión Cubana captó el momento en que las tropas de EEUU que han ocupado el Aeropuerto Internacional de Puerto Príncipe agredían a pobladores haitianos que buscaban trabajo y alimentos para poder sobrevivir.
Los soldados de Estados Unidos que controlan el aeropuerto internacional de Puerto Príncipe, el principal de Haití -y por tanto definen quién entra y quién sale-, finalmente han habilitado espacio para el arribo de aviones con ayuda humanitaria, tras las fuertes críticas recibidas por darle prioridad a sus vuelos militares.
Luego de que el terremoto derribó la torre de control del aeropuerto de Puerto Príncipe, personal del ejército estadounidense se hizo cargo de sus operaciones y, por tal, responsable de las prioridades en salidas y aterrizajes del intensísimo tráfico aéreo internacional que catapultó la tragedia.
La falta de coordinación hace que allí se acumulen los suministros enviados desde diversos puntos del planeta, y allí acuden centenares de pobladores en busca de trabajo o alimientos para ellos y sus familiares sobrevivientes.
Debido a la ocupación de EEUU del aeropuerto, se retrasó la entrega de alimentos, agua y equipos médicos el fin de semana pasado.
El ministro de Cooperación de Francia, Alain Joyandet, presentó una protesta formal ante el gobierno de Estados Unidos a través de la embajada en París. “Se trata de ayudar a Haití, no de ocuparlo”, sentenció.
Un funcionario de logística aérea del Programa Mundial de Alimentos (PMA) también se quejó de que las prioridades de los militares estadounidenses “son brindar seguridad al país”. “Las nuestras son alimentar. Tenemos que sincronizar esas prioridades”, retrucó.
Benoit Leduc, coordinador de emergencias de Médicos Sin Fronteras (MSF), dijo el lunes mediante una teleconferencia desde Haití que no se permitió el aterrizaje de tres aviones de carga de esa organización no gubernamental y de otros dos, también suyos, que trasladaban personal expatriado.
Por eso los cinco aparatos tuvieron que hacerlo en Santo Domingo, lo que retrasó 48 horas la entrega de los suministros.
Después de ese incidente, los militares estadounidenses accedieron a priorizar el aterrizaje de vuelos que transporten ayuda humanitaria.
http://www.youtube.com/watch?v=hi0SwcOR2SE

Anônimo disse...

Eu não sei quase nada sobre o Haiti. Você sabe?
Só agora vamos ficar sabendo de alguma coisa.
Eduardo Galeano é o autor do famoso livro "As Veias Abertas da América Latina", uma ótima referência para os historiadores e estudantes de História...
Abraços.

SILVIO MAX
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Os pecados do Haiti


Publicado em 15 de Janeiro de 2010 por Eduardo Galeano





A democracia haitiana nasceu há muito pouco. No seu breve tempo de vida, esta criatura faminta e enferma não recebeu nada, além de bofetadas. Estava ainda recém nascida, nos dias de festa de 1991, quando foi assassinada pela quartelada do general Raul Cedras. Três anos mais tarde, ressuscitou. Depois de terem colocado e retirado tantos ditadores militares, os Estados Unidos pegaram e impuseram o presidente Jean-Bertrand Aristide, que havia sido o primeiro governante eleito por voto popular em toda a história do Haiti e que havia tido a louca aspiração de querer um país menos injusto.


O álibi demográfico


No final do ano passado quatro deputados alemães visitaram o Haiti. Assim que chegaram, a miséria do povo os atingiu frontalmente. Então o embaixador da Alemanha lhes explicou, em Porto Príncipe, qual é o problema: - Este é um país demasiadamente povoado - disse-. A mulher haitiana sempre quer e o homem haitiano sempre pode.


E riu. Os deputados se calaram. Essa noite, um deles, Winfried Wolf, consultou as cifras e comprovou que o Haiti é, com El Salvador, o país mais superpovoado das Américas, tanto quanto a Alemanha: tem quase a mesma quantidade de habitantes por quilometro quadrado. Em sua passagem pelo Haiti, o deputado Wolf não apenas foi atingido pela miséria: também ficou deslumbrado pela capacidade de expressar a beleza dos pintores populares. E chegou à conclusão de que o Haiti está superpovoado. .. de artistas.
Na realidade, o álibi demográfico é mais o menos recente. Até a alguns anos, as potências ocidentais falaram bem mais claro.


A tradição racista


Os Estados Unidos invadiram o Haiti em 1915 e governaram o país até 1934. Retiraram-se quando alcançaram seus dois objetivos: cobrar as dívidas do City Bank e revogar o artigo constitucional que proibia a venda de terras aos estrangeiros. Robert Lansing, então secretário de Estado, justificou a prolongada e feroz ocupação militar explicando que a raça negra é incapaz de se governar por si mesma, que possui "uma tendência inerente à vida selvagem e uma incapacidade física de civilização". Um dos responsáveis pela invasão, William Philips, havia elaborado anteriormente a sagaz idéia: "Esse é um povo inferior, incapaz de conservar a civilização que tinham deixado os franceses".


O Haiti havia sido a pérola da coroa, a colônia mais rica da França: uma grande plantação de açúcar, com força de trabalho escrava. No espírito das leis, Montesquieu o havia explicado sem travas na língua: "O açúcar seria demasiado caro se não trabalhassem os escravos para sua produção. Esses escravos são negros desde os pés até a cabeça e têm o nariz tão esmagado que é quase impossível ter deles alguma pena. Resulta impensável que Deus, que é um ser muito sábio, tenha posto uma alma e sobretudo uma alma boa num corpo inteiramente negro".


A humilhação imperdoável


Em 1803, os negros do Haiti ocasionaram uma tremenda derrota às tropas de Napoleão Bonaparte e a Europa não perdoou jamais essa humilhação infligida à raça branca. O Haiti foi o primeiro país livre das Américas. Os Estados Unidos haviam conquistado antes sua própria independência, porém conservava ainda meio milhão de escravos trabalhando nas plantações de algodão e de tabaco. Jefferson, que era senhor de escravos, dizia que todos os homens são iguais, mas também dizia que os negros foram, são e serão inferiores.





A história do assédio contra o Haiti, que em nossos dias tem dimensões de tragédia, é também una história do racismo na civilização ocidental.