domingo, 16 de junho de 2013

MEMÓRIA ORAL (143)

A TURNÊ SOTEROPOLITANA PROPORCIONADA POR ERUNDINA
Salvador continua a mesma, com pequenas alterações. Na verdade, os que nela aportam vem cada um em busca de uma de suas peculiaridades. Sempre foi assim. Eu vim em busca de uma delas e junto de minha companheira, a professora universitária Ana Beatriz Pereira de Andrade, ela tão interessada em me apresentar o lado religioso, que já conhecia, pois foi seu trabalho de mestrado. Mergulhamos nele. Para realizar bem o intento fomos um busca de uma apropriada pessoa, especialista na realização do intento de circular com facilidade pelas entranhas da capital soteropolitana, uma taxista.

“Quem vem para cá e finge não ver ou passa desapercebido pelo lado místico daqui, acredito perder o que de melhor temos”.  Foi dessa forma que fomos recebidos por ERUNDINA MIRANDA, uma distinta senhora, católica de quatro costados, que na noite anterior havia permanecido até altas horas num forró patrocinado por sua paróquia. Separada, dormiu por lá junto de amigas e na manhã seguinte, 07/06, estava às 9h na porta do nosso hotel e pronta para iniciar uma turnê por algo pré-definido: conhecer alguns dos mais famosos Terreiros de Candomblé do Brasil.

Na ida para o primeiro destino, conversamos muito.  Primeiro sobre ela. “Conheci muita gente no táxi. Lá se vão seis anos de volante. Já vivenciei muita coisa por causa dessa profissão. Conheci o Chile, acompanhando um casal que conheci numa rodada aqui pela cidade. Morei em São Paulo por alguns anos, mas não suportei, voltei correndo. Passei sete anos trabalhando num frigorífico, depois comprei uma Kombi e ia me virando. Até o momento que minha irmã, possuidora de uma vaga no ponto defronte o hotel Villa Gallé arrumou outro emprego e eu fiquei no seu lugar. Tenho duas filhas, uma de 28 e outra de 18, essa me dando muita dor de cabeça”, diz, parando o carro para atender a um chamado dessa, querendo se encontrar com a mãe ainda na manhã daquele sábado. Ela lhe diz da impossibilidade, desfia algo do conhecimento de toda mãe, das dificuldades de relacionamento e prosseguimos.

Na primeira parada, no bairro da Cabula, distante uns 20 km do centro, a chegada por vielas que só mesmo alguém do local poderia decifrar. O Ilê Axé Opó Afonjá, Centro Cruz Santa do Axé do Opó Afonjá, fundado por Eugênia Ana dos Santos em 1910, teve o tombamento do terreiro realizado em 28/07/2000 pelo IPHAN, tem uma longa tradição de resistência e fortalecimento da religiosidade oriunda da África. Na entrada, um portão separando a vila do resto do bairro. O terreiro é murado e lá dentro, além dos salões dos cultos, residências espalhadas e até uma Escola Municipal e um pequeno museu retratando o que por lá já ocorreu.

Erundina fica descansando no carro, enquanto o casal vai pedir autorização para circular pelo lugar. Ana, por já ser iniciada, conversa de igual para igual com todos e todas. A autorização é concedida, mas fotos só externas, nunca dentro das casas de Santo.  Primeira sexta feira do mês – limpeza para Oxalá. O chão é todo de terra batida, a simplicidade predomina e quase todos de roupa branca. Circulamos por vários lugares e quando vamos conhecer o barracão, somos acompanhados por uma simpática ekedji, que faz questão de explicar e matar a minha curiosidade de leigo. Na despedida, um cumprimento de boa sorte e um convite para retornarmos em dia de festas.

Acordamos Erundina e seguimos pela caótica Salvador. Esse o único senão da atual capital baiana, o caos urbano muito bem representado no trânsito sempre congestionado. A taxista é versátil, tentando driblar os problemas, nos levando por atalhos, verdadeiros planos de fuga. E assim chegamos ao nosso segundo ponto do roteiro, a Casa Branca do Engenho Velho, Sociedade São Jorge do Engenho Velho ou Ilê Axé Iyá Nassô Oká, considerada a primeira casa de Candomblé aberta de Salvador. Constituída de uma área de aproximadamente 6.800 m2, com edificações, arvores e principais objetos sagrados preservados. É o primeiro monumento negro considerado Patrimônio Histórico do Brasil, desde 31/05/1884. Seu tombamento se deu pelo IPHAN em 14/08/1986. Também uma vila, desabrochando de uma estreita viela, onde dificilmente entra e sai um carro ao mesmo tempo. Erundina fica a descansar novamente no carro e subimos uma ladeira rodeada de casas, tendo na parte baixa um estilizado barco com oferendas dentro, num belo simbolismo religioso.

Uma neta da casa, também ekedji nos leva até uma autoridade no lugar. Graciosamente essa nos abre portas e mostra detalhes do barracão, onde cada pessoa fica posicionada no dia dos cultos, o simbolismo dos quadros nas paredes e fotos e nomes das mães de santo que já dirigiram o local. Incrustado numa região de um morro, as casinhas bem simples, foram todas construídas no entorno de vielas tortuosas. Um lugar cheio de paz e harmonia e algo de salutar em ambos os lugares é por representarem uma espécie de oásis de paz dentro da conturbada vida de uma metrópole nordestina. E como são simpáticas as senhoras responsáveis por esses lugares, sempre dispostas a mostrar, deixando claro que o preconceito com essa religião é sem sombras de dúvidas, algo irracional e feito desconhecendo ou passando por cima do que de fato lá ocorre.

Na próxima parada, adentramos o que pode ser considerado hoje uma comunidade. Vista de longe uma favela.  De perto casas bem construídas e num dos morros da cidade. A Fundação Pierre Verger fica na Ladeira América, no bairro Vasco da Gama.  Um pequeno casarão de dois andares, destoando das demais casas pelo extenso quintal. Recebidos por uma das funcionárias do lugar, somos conduzidos primeiro à biblioteca e depois para o quarto, onde ele dormia numa espécie de catre, sem nenhum conforto, tudo bagunçado, mas com uma única organização, a forma como armazenava suas fotos. Cada negativo num envelope, com uma reprodução da foto na frente.  Sua maior riqueza. Um viajante, antropólogo, fotógrafo, sem rumo e sem direção que encontrou em Salvador sua morada. Sem depender de financiamentos públicos, a FPV se mantém com atividades criadas pela idéia de seus idealizadores. Recebe visita de gente do mundo todo. No livro de visitas, seis norte-americanos haviam acabado de passar por ali e um suíço chegou junto conosco em busca de um Dicionário de Yorubá - Português. O encantamento do presenciado ali pode ter continuidade com o acesso do site http://www.pierreverger.org/fpv/index.php/br/.

Na última visita, já por volta das 12h, outra ladeira, dessa vez para chegar até a Sociedade São Jorge do Gantois, Terreiro do Gantois ou Ilê Iyá Omin Axé Iyá Massê, reduto casa da famosa Mãe Menininha.  Fica no Alto do Gantois, tortuosa rua, no bairro da Federação em área tombada pelo IPHAN em 2002. Tudo fechado, como nos demais, mas uma repetição do que já havia ocorrido nos demais, ao sermos anunciados surge do interior do local uma atenciosa ekedji, sorridente e nos abrindo as portas. Sentamos com ela no salão principal, junto das fotos espalhadas pelas paredes dos dirigentes anteriores e ficamos a ouvir histórias de religiosidade e de como foram conquistando a simpatia e o respeito do povo.

Saímos de lá, dentro do horário que havíamos programado e no retorno para o hotel uma passagem defronte o novíssimo estádio da Fonte Nova, tendo na sua frente o Dique do Tororó, onde ficam várias imagens dos Orixás. Verdadeira instituição baiana. Erundina, para não passar batido, nos deixa indicações e mais indicações de lugares outros, com o mesmo espírito e picardia, fato esse, segundo ela, a demonstrar que toda sua família possui, além do espírito baiano, a alegria dentro de si.  Ainda tomamos conhecimento de ser tia do ator Luís Miranda (mais famoso como o Moreno de Sob Nova Direção, programa exibido pela Rede Globo). Nossa guia, além do preço mais do que justo para a turnê, conquistou definitivamente dois amigos, saindo ambos maravilhados com sua eficiência e sapiência. De lá, ela voou para o encontro com a filha, que já havia ligado mais duas vezes.

4 comentários:

Anônimo disse...

Henrique

Belo relato e outra coisa, aqui a comprovação de que as Erundinas são mesmo de fibra e valorosas. Bela visão da Bahia e um roteiro que poucos turistas se enveredam a fazer.
Aurora

Anônimo disse...

HENRIQUE

O texto é bom, elucidativo, bom para diminuir os preconceituosos religiosos, que vem nessas religiões só coisa ruim. Quem vê ruindade na dos outros e não enxerga as suas, podem ser classificados como?

Só uma pergunta:

O que vem a ser ekedji?

um abraço de longe

Daniel Carbone

Anônimo disse...

prezado amigo,
a sua visão poética de Salvador, traz-nos uma imagem diferente da que sabemos e conhecemos ser Salvador. Claro que existem pessoas, como esta senhora que com sua presteza e profissionalismo, tenta descaracterizar a indolência da grande maioria de baianos, que vivem e trabalham no centro e na periferia da cidade.
Por mais poético que possas mostrar, não descaracteriza o que de fato é a cidade, que para muitos hospitaleira e fervilhante, mas que esconde a pobreza e a sujeira, o que quase sempre se tenta camuflar
Mas assim é SALVADOR, com sua influência africana e hábitos arraigados dos escravos, tradição que fazem questão de dizer que sua origem está preservada e com orgulho tentam manter.
A Bahia é muito boa, mas para os baianos, lamento não coadunar com sua opinião.
Com um abraço forte e dizendo que chego a sua cidade no dia 21 por volta das 6:30h local,
digo.....

Até lá

Paulo Humberto Loureiro - Rio de Janeiro RJ

Anônimo disse...

henrique amor da minha vida

erundina nossa amiga querida. foi super profissional na sua labuta. foi muito bom o passeio e recomendamos pra quem for a salvador. guerreira mulher como eu também sou. faz a vida. vive com felicidade. pra esclarecer ao daniel - ekedji é um cargo em candomblé e é o braço direito da iyá - a mãe de santo. somos iniciadas, mas não "rodamos com o orixá". beijos da ana bia