quinta-feira, 13 de novembro de 2025

PALANQUE - USE SEU MEGAFONE (209)


LEITURA DO MOMENTO, NO UM POUCO POR DIA, HOJE A "PIAUÍ" ESTÁ NO FOCO DAS ATENÇÕES
Hoje o dia foi pegado, corrido e atribulado. Chego em casa quase agora. Primeiro vou até a geladeira constatar o que ainda me cxabe neste cabimento. Assentada a fome, adentro o quarto onde escrevinho e leio, bem ali defronte de mim um emarenhado de coisas aguardando a leitura. É nisso onde irei estar enfurnado até o final do dia. Não quero hoje mais nada na vida além de poder desfrutar deste mareavilhamento que é a leitura até quando bater o sono e mergulhar na cama. A TV vai continuar desligada, o rádio eu já ouvi hoje no carro mais do que deveria. Ainda vou inventar um jeito de ler enquanto dirijo. Seria o supra-sumo do aproveitamento do tempo. Ler e dirigir, ainda mais em muitos quilometros, como rodei hoje.

Não tenho por costume guardar as revistas compradas antes da leitura e de grifar todas com a caneta marca texto. Tenho duas Carta Capital me aguardando e hoje já vi a capa da edição que sai neste final de semana e chega aqui em casa no sábado à tarde. Não quero juntar três, pois acumulando, tenho que depois pegar um dia quase inteiro para colocar a leitura em dia. A distração desta noite de quinta se dará com a revista Piauí, com uma capa absurdamente interessante, mostrando a cabeça do Cristo Redentor e no alto dele um urubu, este espreitando a podridão provocada pela matança indiscriminada promovida pelo insano governador daquela cidade, que para mim, mesmo com tdas as adversidades, continua sendo a mais bonita de todas que já tive o prazer de pisar os pés.

Do Rio eu poderia passar um dia inteiro aqui escrevendo e sobre essa capa, se me fosse dada essa imagem como prova de redação num vestibular, creio eu, tiraria DEZ. Faria uma viagem na maionese diante dela. E logo no primeiro texto, o de abertura, um mapa charge do Cássio Loredano, que tive o prazer de conhecer pessoalmente no Rio, na livraria do meu amigo Rodrigo Ferrari, a Folha Seca. Ele retratou a Baia de Guanabara e ao invés do mar, já não tão azul, o substituiu pelo vermelho do sangue, respingando até pro texto e tudo o mais. A Piauí deste mês não tem muita coisa sobre o ocorrido lá no Rio além dessas duas abordagens, mas no mais, tem tudo o que gosto. Sento agora, janela aberta, vento batendo nas ventas e escolho para começar a devorar sua leitura, o HQ do Alan Sieber, "Sobre ratos e bêbados", juntando o Jaguar e um rato que foi morto na redação, depois se transformando no símbolo d'O Pasquim.

Nada é trivialidade no todo desta bopa revista. Existiram outras no mercado editorial brasileiro, de textões que, a gente ia devorando pouco a pouco, consumindo em drops, mas nessa nhaca onde o papel perdeu prestígio, ela resiste bravamente nas bancas de jornais. Já tivemos umas cinco ou seis revistas semanais, hoje restam duas, a indefectível Veja e a que leio, a Carta Capital. Nessa existem bons ensaios, ótimos artigos assinados, mas igual a Piuaí, hoje só ela mesmo. Seus textos mais longos, reportagens que duram meses para serem concluídas, me fazem lembrar do passado editorial que já tivemos. Textão com profundidade é raridade. Não tem sequer um jornalão produzindo reportagem com profundidade. Na Piauí ainda encontro algo assim e diante de um bom texto, deito e rolo, diria mesmo, orgasmo total.

Começo a leitura por um texto desses, para mim arrebatadores. Antes de escolher por onde iniciarei a contenda, folheio e leio algumas legendas dos títulos. Na seção, "Vultos da Literatura", o "Estou desparecendo? - Os últimos dias de Dalton Trevisan", do jornalista curitibano Felippe Aníbal. Eu devoro tudo o encontro pela frente sobre Dalton Trevisan e isso aqui é para mim, motivo de parar tudo. Sintam o clima do primeiro parágrafo: "A agente literária Fabiana feversani posicionou seu notekook em uma mesinha ao lado da cama de Dalton Trevisan - e deu play no filme Amarcord, de Federico Fellini. Apesar de ser um dos prediletos do contista de 99 anos, ele logo se cansou, interrompendo a sessão. Nem prestou atenção à trilha musival de que tanto gosta, assinada por Nino Rota. Horas antes - naquele mesmo sábado, 7 de dezembro de 2024 -, com a saúde fragilizada, Trevisan havia recebido a visita de seu médico, João Carlos Folador. Diante da agente, o escritor comunicou ao médico, em tom sóbrio, uma decisão sobre a própria morte. "Ele disse: 'Não quero mais, tô cansado... Quero ter uma morte tranquila, quero ter uma morte em casa', conta Faversani".

Serão sete páginas pela frente e se possíveis, sem interrupções. Um texto dessa magnitude, sobre uma pessoa que admiro, algo como foram seus últimos dias, é para mim algo como uma droga, que injetada em minha veia, só volto ao normal quanto findar o texto. Leituras deste tipo me consomem. Quero ao terminá-las, divagar um pouco, escrever a respeito, saber mais, perco até o sono, que hoje sei virá mais cedo, pois o corpo todo dói. Volto das incursões pelas ruas cada vez mais cansado. Nada se dá como antes. Qualquer trabalhinho, como o de hoje, onde fui colher depoimentos de três ricos personagens para um trabalho sobre a história de Tibiriçá, são para mim, trabalhosos, desgastantes. Volto querendo uma chuveirada e se possível cama, mas diante do tanto de leitura já separada, temas destes muito envolventes, mergulho nisso e tento deixar o sonos para lá.

Eu poderia ter escrito isso que aqui hoje faço com qualquer outra revista ou mesmo um livro. Tenho alguns começados neste momento e ainda não me decidi em qual deles incidirei minha atenção no dia de hoje. Sei que o farei com algum e como todos, para mim, são uma delícia e como gostaria de ler todos ao mesmo tempo, até misturando tudo na cabeça, a história de um se fundindo com outras, a indecisão, me faz olhar para todos como faço diante de um bom bife, quando a fome me é arrebatadora. "Ler é melhor que sonhar, eu sei que o amor é uma coisa boa, mas...", li isso e me lembrei, creio que misturei as bolas, pois neste momento, com a luz fraca deste cômodo onde me encontro, não quero saber de mais nada. Ana me chama para ver algo na sala e vou retardando de me levantar, pois não quero interromper essa escrita e nem o que virá pela frente. É isso, quando estou em casa, estou sempre envolto dos pés à cabeça em algo deste tipo. Sabendo que esatou em casa, estarei fazendo algo assim. Eu já não apronto mais quase nada, meu negócio mesmo agora é a leitura. Quer coisa melhor?
HPA - Bauru SP, quinta, 13 de novembro de 2025, 21h05

GENTE, ACABO DE LER ISSO E COMO GOSTEI DEMAIS, COMPARTILHO E QUERIA QUE MUITOS PUDESSEM TOMAR CONHECIMENTO*
* Viajo uma vez por ano para Buenos Aires, gosto demais daquela cidade e principalmente da atenção que o buenarista dá aos pequenos mercadinhos, instalados em quase todas as esquinas da capital. Em sua maioria são comandados por "chinos". Aqui a história de um deles. Eu me vi ali diante dele, pois em cada vez que adentro um daqueles mercadinhos, fico a imaginar a história de cada um daqueles chinos por detrás do balcão.

"Ninguém consegue tirar a China dos subúrbios", jornalista Marcial Amiel, diário argentino Página 12, eidção de12 de novembro de 2025:
Diego está zangado, e isso transparece. Ele não está apenas elevando a voz, o que é incomum para ele. Seu espanhol, geralmente bastante fluente, vacila. Quando ele se exalta, fica mais truncado e menos parecido com a gíria dos subúrbios de Buenos Aires. Seu tom é engraçado, e me obriga a morder o lábio para não rir, porque não quero irritá-lo ainda mais, e porque concordo com quase tudo o que ele diz.
Do seu ponto de vista privilegiado no caixa, Diego ocupa o vértice de um triângulo que lhe permite fazer contato visual com o pai, que administra a delicatessen nos fundos, para quem ele ocasionalmente grita algo em mandarim, e com Jairo, o peruano que gerencia a seção de frutas e verduras. Dessa forma, ele tem tudo sob controle.
Diego chegou aqui ainda jovem, na década de noventa, durante a grande onda de imigração de seu país, incentivado pelos dois Carlos, pelo presidente Menem e pelo ministro Corach. Ele nem se lembra há quantos anos é dono da mercearia, à qual dedica quase todas as suas horas de vigília.
"Expulsar os chineses da Argentina? E como eles vão fazer isso?", pergunta ele em tom arrogante, fazendo um gesto amplo com a mão, como se quisesse abarcar tudo ao seu redor.
Na loja do Diego, os vizinhos daquele bairro suburbano também compram; alguns a crédito, e ele anota tudo em seu caderninho azul. Mas as crianças também aparecem por lá; elas não conseguem imaginar o bairro ou suas vidas sem o Diego, que até lhes empresta caixas vazias para sentarem na calçada. A música é negociada: uma cumbia, uma canção chinesa. Às vezes, os acordos se desfazem e tudo toca ao mesmo tempo — cumbia do lado de fora e pop chinês do lado de dentro.
Eles tomam umas cervejas lá à tarde, quando o dia termina, e também fazem confraternizações antes dos jogos, com churrasco se possível, quando o time do bairro joga em casa pelo campeonato B Metropolitana. O escudo do clube enfeita a persiana metálica do Diego. Uma vez, perguntei a ele sobre a lenda urbana das cores das persianas metálicas. Ele riu sem parar por uma semana inteira.
A calçada em frente ao estabelecimento é uma espécie de extensão do clube, um ponto de encontro, um lugar onde as coisas acontecem, incluindo algumas festas infantis organizadas por entidades sociais com as quais Diego colabora fornecendo produtos.
“Me passa uma gelada, Dieguito”, diz um deles enquanto passa e pega uma lata grande e gelada. “Você tem uma vida fácil”, responde o dono da loja, mas isso não o incomoda. Na verdade, outras coisas o incomodam.
Quando não há clientes para atender, mercadorias para repor ou corredores para limpar, Diego se torna um voraz consumidor de mídia. Ele lê diversos jornais, daqui, dali e de diferentes partes do mundo. Diego, que sempre se interessou por geopolítica, está muito preocupado com as consequências que a interferência de Trump pode ter sobre a Argentina.
“Não gostei”, disse-me ele quando Milei ganhou, enquanto me ajudava a guardar alguns pacotes de erva-mate. “Não gostei do que ele disse sobre o meu país. Ele fala de comunismo, diz que não vai negociar com comunistas. Em que ano esse cara está vivendo? Meu país é o mais avançado do mundo”, gabou-se. “Os Estados Unidos não conseguem mais fabricar nada”, refletiu ele, sorrindo, um ano depois, quando Trump iniciou sua guerra comercial. “Pura besteira”, arriscou.
Agora, com Milei quase dois anos como presidente e Trump um, Diego parou de rir, assim como parou de trazer alguns dos produtos mais caros e, proporcionalmente, muito mais lucrativos. Seu mau humor não se deve apenas ao seu fluxo de caixa , à sua situação pessoal ou ao espaço limitado.
Diego engasgou com o café da manhã ao saber que o governo argentino havia paralisado a construção de barragens hidrelétricas no sul da Patagônia e de uma nova instalação de radar em San Juan. “E agora? Quem vai financiar as barragens? Donald Trump? Quem vai construir toda a infraestrutura que este país precisa? A China, paciente, mas e se a China ficar brava e parar de comprar soja?”
Diego sabe perfeitamente que, após os ataques de 11 de setembro de 2001 e as medidas de segurança tomadas em resposta pelo governo de George Bush (h), a islamofobia cresceu nos EUA e essa comunidade sofreu muito.
Ele também sabe que na Alemanha nazista houve uma tarefa paciente, prolongada e sistemática de demonizar os judeus, o que acabou normalizando seu extermínio aos olhos de grande parte daquela sociedade.
Nos últimos dias, Diego tem observado cada cliente, cada fornecedor e cada vizinho com outros olhos. Ele se pergunta se eles se deixariam levar pela retórica da sinofobia, se se permitiriam acreditar que ele, sua família, sua comunidade, são o bode expiatório perfeito".

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