terça-feira, 3 de novembro de 2015

MEMÓRIA ORAL (189)


CINCO HISTÓRIAS ESCRITAS ASSIM ASSIM DURANTE OUTUBRO PASSADO


1. CAMILA MAIO E O SONHO DO BOLSHOI NA CURVA NA ESQUINA
Uma das mais tristes notícias hoje e por todo o país são os tais cortes feitos pelas Prefeituras em programas que dão certo. A alegação única nesse período é de que a crise chegou e, dessa forma, gastos precisam ser contidos. A imensa maioria dos executivos quando diante da lista do que vai ser cortado, um dos primeiros são programas ligados à área cultural. O tais programas precisam provar mais e mais, a cada instante terem sido criados e mantidos baseados em propostas consistentes. Em Bauru, cito um deles e um resultado pra lá de bom, diria, excelente desde a criação, o da Cia Estável de Dança. Nessa semana mais uma prova de sua excelência e assim sendo, um dos tais “imexíveis” diante de tudo o que se vê sendo podado.

CAMILA MAIO PINTO MOURA é uma garota de 11 anos de idade e na semana passada foi destaque por toda a mídia local e regional. Hoje na sessão da Câmara mais um voto de aplauso para felicita-la, pois acaba se galgar um posto dos mais expressivos dentro do quadro da Cia Estável de Dança, criação do bailarino Sivaldo Camargo e incorporada pela administração municipal pouco menos de uma década atrás. Sivaldo conseguiu convencer os administradores da cidade que uma companhia de dança em Bauru daria frutos duradouros. Alguns acreditaram e os frutos pipocam por aí, o de Camila um dos mais grandiosos. A menina acaba de ingressar, após concurso em Joinville, como a primeira bailarina bauruense na famosa Escola do Teatro Bolshoi. O feito é para muita pompa e ela, nessa tenra idade chega lá, mas algo precisa ser salientado, ralou e muito, no seu caso desde os três anos. Sempre estudou junto à Cia ligada ao poder público, com três professores, Naia Muller, Michelle Alves e Sivaldo, o primeiro e o atual mestre. A mudança na vida da menina começa em breve, com a mãe ficando com ela em Santa Catariana e o pai ficando com a outra filha em Bauru, ou seja mais sacrifícios. Para quem já vivia sob intenso esforço e dedicação, nada de tão diferente. A diferença vem do que ela quer lá na frente, dançar na matriz do balé na Rússia. Na foto, uma só de seu rosto, a mesma que seu professor fez questão de nesses dias substitituir como sendo a sua no facebook. Enfim, somos todos Camila. Viva!!!
Foto de RUI ZILNET


2. O PALHAÇO PARAQUEDAS BATEU ASAS E VOOU PARA BEM LONGE
Depois de escrevinhar mais de 750 perfis aqui, com esse de hoje, ao saber de sua morte logo pela manhã, tinha a mais absoluta certeza de que já havia lhe prestado a devida homenagem, ou seja, já tinha escrito um perfil dele. Fui conferir (e isso leva tempo), pois nada está em ordem alfabética e não localizei. Mas como foi possível isso? Comigo acontece muito disso, alguns que acho que já escrevi e não o fiz, outros que já devo ter escrito mais de um perfil. Tento escrever de improviso algo do que sei desse senhor das ruas, um que deixa saudade pelo que produzia de barulho no Calçadão da Batista.

CARLOS ALFREDO FOGAÇA nasceu em 1943, portanto, ao falecer hoje estava com 72 anos. Padeceu por esses dias até encontrar vaga para tentar cuidar de sua delibitada saúde. Por fim, após ajuda de amigos, dentre eles Kyn Jr, da ATB, ele consegue algo no Hospital Estadual, mas já é tarde e ele hoje se foi bem cedinho. O famoso palhaço PARAQUEDAS voou para longe. Que trajetória de vida teve esse senhor, verdadeiramente das e nas ruas bauruenses. Artista de circo desde a mais tenra idade, participou de algo além do seu personagem principal, o palhaço. Vivenciou o fim do Circo Teatro, que levava encenações variadas mundão afora. Quando lhe faltaram forças para continuar tocando o Circo Maíra e outros onde atuou e comandou, a necessidade o levou para tentar algo novo. Ia oferecer sua voz e com sua vestimenta de palhaço animava as lojas do centro da cidade. Quem não se recorda de vê-lo dançando com sua boneca de pixe ou nega maluca em frente de variadas lojas? Dançou até não mais poder. Quando encerrou de vez as apresentações, pois faltaram-lhe forças, padeceu um pouco mais, chegou a vender muito bilhete de loteria nesse período. Como todo bom artista, não tinha reserva suficiente para tocar a vida com dignidade. Chegou a doença e hoje o desfecho final. Paraquedas, aquele alegre e bonachão, barulhento, gozador, sempre alegre, cheio de gás, foi-se dessa para outra. Essa minha modesta homenagem para tão grande e magistral pessoa.

3. WALDO CIRO ESCREVE COMO PERO VAZ DE CAMINHA
Escrevinhadores são cheios de manias. Todas contornáveis. Tomar ciência dos jeitos, manias, preferências e gostos desses é pra lá de saboroso. Sou parado na 1º de Agosto por um distinto senhor de chapéu a me chamar pelo nome. Diz ter me reconhecido pelas fotos do jornal e também por gostar de ler meus escritos. Contaq do assunto de sua última missiva enviada para publicação no jornal, sobre o 5º Poder, que segundo ele é a corrupção, uma tomando conta de tudo e todos. É dessas pessoas que não conseguem ficar sem confabular com um papel diante de si. Saiba quem é lendo a seguir.

WALDO CIRO GERALDI, nasceu no longínquo 1929, portanto está com exatos 86 muito bem vividos anos de idade. Por 34 anos exerceu a função de Fiscal de Renda do Estado, ali no famoso prédio da Afonso Pena e quando a aposentadoria chegou continuou trabalhando por mais 11 anos como assessor de alguns prefeitos bauruenses, desde Izzo, Tidei e Tuga. Tidei de Lima, o mais bonachão deles, vendo-o escrever a todo instante, aquele que com sapiência sabia responder aquelas difíceis petições tascou-lhe um apelido que hoje ele me confessa: “Você é o verdadeiro Pero Vaz de Caminha”. Morando lá nos altos da rua Antonio Alves, com a esposa adoentada e saindo pouco de casa, ele o faz a pé e aposentou o carro há três anos quando lhe impediram a renovação da carta de motorista. Continua escrevendo, hoje só cartas para serem publicadas na Tribuna do Leitor do Jornal da Cidade e de um jeito só seu. Escreve e pede para amigos e considerados baterem, com ela impressa vai até a recepção e repassa o que terá que ser digitalizado por alguém do jornal. Gosta tanto de escrever que, quando ninguém o leva até o jornal, confessa, pega um táxi e faz a entrega dessa forma. Sobre sua idade brinca caminhando cheio de vitalidade pela 1º de Agosto: “São Pedro esqueceu de mim”. E esquecido ele segue firme.

4. FLORIPES MORA NO IGAPÓ E VEM MUITO PRA CIDADE DE ONIBUS CIRCULAR
Dia desses a Polícia Militar estourou um reduto onde bandidos estavam ocupando uma chácara lá no Vale do Igapó, de onde sairiam para barbarizar em alguns caixas eletrônicos ali perto, no Hospital da Unimed. Foi o bastante para lembrar de tanta gente que por lá mora e diante de tantas chácaras sendo alugadas para finalidades mil, nem sabem quem está a ocupar a casa ao lado das suas. Como conviver com isso? Primeiro que isso não é exclusividade de lá e dessa aqui hoje retratada, sei que isso não lhe mete medo, pois se medo tivéssemos não botaríamos mais a cara pra fora de casa. Essa bota e eu conto como.

FLORIPES BATISTA RODRIGUES é um simpatíssima senhora, com mais de 70 anos, mas na ponta dos cacos. Com um baita de um franco sorriso no rosto, outro dia me encontrou lendo num ponto de ônibus e me perguntou: “O senhor lê bastante né?”. Ponto, ficamos amigos, pessoais e internéticos. Na viagem do circular do Shopping para o centro me contou sua história. Mora no Vale do Igapó, ela e a companhia dos seus que sempre estão por lá, amigos, parentes e vizinhos. Trabalhou uma vida quase inteira na Lotérica Pé Quente, rua 1º de Agosto e ali tornou-se um dos rostos mais conhecidos do centro velho de Bauru. Sempre por detrás do balcão de vidro, atendia a tudo e todos com aquela atenção que lhe é peculiar. Bilheteira e recebedora de contas por bom tempo. Vem sempre de circular para a cidade, sabe todos os horários, cinco para ir, cinco para voltar. Naquele dia quando a conheci, vejam só, veio de carro, pois queria comprar tinta para melhorar o aspecto do lugar onde mora, mas deixou-o numa sombra no centro, num lugar seguro e foi fazer outras coisas pelos bairros. Vem de duas a três vezes por semana à cidade, quase sempre de circular, pois faz ginástica na Marathon sempre na parte da manhã, depois volta e com a devida calma prepara seu almoço. Nos finais de semana não pensem que fica plantada diante da TV. Longe disso, movimenta sua vida trabalhando em buffets e festas. Floripes sabe tocar a vida após a aposentadoria e só por isso, uma pessoa a merecer o reconhecimento de tudo e todos.

5. PAULOVICH DEIXOU SUA ARTE SACRA REGISTRADA NA CIDADE
Meses atrás escrevi aqui mesmo no facebook sobre aquela igreja, hoje fechada localizada na entrada do Jardim da Grama, logo após os trilhos, chegando na Nova Esperança e das pinturas que tempos atrás enfeitavam aquelas paredes. Quando a igreja foi transferida para outro local, o prédio foi alugado para outra, evangélica e as paredes imediatamente rebocadas. Nesse local nada mais restou, mas em outras sim. Queria muito lembrar o nome do pintor e só agora revirando velhos papéis e escritos localizei (a memória não anda lá muito boa). Eis algo de sua história.

ALBERTO PAULOVICH foi nosso mais famoso pintor de igrejas. Pintor é modo de dizer, pois não pintava paredes, mas executava nelas verdadeiras obras de arte. Filho de pais iugoslavos, nasceu na vizinha Pirajuí em 1916, numa fazenda onde seu pai era administrador. Ali teve o primeiro contato com a arte, graças ao seu tio, Francisco Paulovich, que fugindo das guerras na Europa, pintor decorador de paredes, se junta aos seus por aqui. Vendo o tio pintar na cidade a matriz de São Sebastião pega gosto e nunca mais abandona o ofício. Trabalhou em casas comerciais, fotógrafo em atelier, até que em 1945, pinta sua primeira igreja, a de Araxá MG. Depois vieram Irapuã, Ibitinga, Mineiros do Tietê, Bauru e tantas outras. Também é autor de numerosas telas em óleo e guache, totalizando mais de 60 quadros, a maioria utilizando-se de areia. Tinha por hábito não fumar, não ingerir bebidas alcoólicas, só beber água de chuva e andar muito de bicicleta. Nunca ia ao médico, dizendo que quando fosse seria para pegar o seu atestado de óbito, o que de fato se deu em 15/10/1989, aos 73 anos. Morou seus últimos anos em Bauru, onde continua residindo a maioria dos seus familiares. O então vereador Lelo, em 1990 conseguiu aprovar uma rua com seu nome lá no Mary Dota. Até hoje em muitas de nossas igrejas, algo dele ainda nas paredes.

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