sábado, 6 de setembro de 2008

UM COMENTÁRIO QUALQUER (19)

FAUSTO WOLFF FOI EMBORA
Essa morte pode até passar despercebida. Não para mim. Fausto Wolff, 68 anos é um ícone do jornalismo brasileiro. Morreu ontem, sexta, 5/09. Era um dos poucos aos quais ainda prestava reverencia (e continência, se preciso fosse). Fui colecionador de seus textos, publicados ultimamente no Caderno B, do JB RJ, todos de uma rara independência, tão em falta nos dias de hoje. Não se continha, expelia suas angústias (que também eram as minhas) na ponta da caneta. Um verdadeiro soco no estômago dos acomodados.

O conheci nas páginas d’O Pasquim, li quase todos os seus livros e o persegui por onde encontrava espaço para continuar publicando suas idéias. Desde que voltou para o JB, imprimi diariamente (de forma religiosa) as suas crônicas diárias. Elas são para mim uma constante fonte de inspiração. Reler aquilo tudo é algo mais do que necessário, pois assim não consigo me desgrudar das agruras desse país. Algo que muito nos aproximava era o sentimento mútuo em relação a Leonel Brizola. Esse raro político foi personagem constante de seus textos. Nos atuais, Lula foi duramente criticado, por não ter tido a coragem de fazer mais do que está fazendo e pelos desvios de parte da turma petista, em quem confiávamos tanto. Muitas dessas criticas eu retruco, com Fausto nunca tive coragem. Ele escrevia com um embasamento do fundo da alma.

Escrevi muito para ele e guardo aqui no meu mafuá, resposta para muitas de minhas missivas. Ultimamente repetia algo, que me feria por dentro, igual ao corte de uma afiada navalha. “Continue enviando cartas elogiosas aos meus textos para a direção do jornal, pois a coisa continua brava aqui dentro”. Quer algo mais doloroso que isso? Tenho tudo guardado. Fui um dos fiéis seguidores. Foi horrível o momento da dispensa dos amigos Aldir e Nani do jornal. Não consegui o conhecer pessoalmente, mas me considerava amigo, pois trocávamos emails regularmente e fazia constar meu nome, sempre que podia, em sua coluna.

Grifei a maioria de suas crônicas e para aqueles interessados em conhecer um pouco de sua verve, eis o que lhes apresento: “Morales não é participante do BBB para boiar em água de latrina” (24/05/08), “A pirataria é a única maneira de o filme ser visto coletivamente pelos que não entram em shoppings” (16/10/07), “Não há como negar, os EUA são os maiores fomentadores de guerras, os maiores carniceiros do planeta” (15/10/07), “É o dinheiro ou o homem que dá significado à existência? Ora, o que dá significado à existência é o homem, que deveria usar o dinheiro a seu favor e não permitir que seja usado contra ele” (04/10/07), “A maioria dos meios de comunicação é sócia do poder” (23/09/07), “O tempo passou e o pessoal da minha falsa geração começou a morrer e o pessoal da minha verdadeira geração continua chato” (21/09/07), “Rato não vira coelhinho do dia para a noite” (16/09/07), “Cuba é este cervo ferido que os EUA vêm torturando há quase 50 anos sem conseguir matar” (03/08/07), “Ninguém lhes deu atenção e ninguém fez nada porque ninguém dá ouvidos à gente humilde” (21/07/07), “Quando o que está em jogo é a felicidade do povo, uma traiçãozinha não conta” (26/05/07), “É isso que caracteriza os bizarro governo de esquerda-centro-direito-quero-meu-deixa-que-eu-chuto-e-não-tenho-nada-a-ver-com-isso” (04/04/07) e “Não há razões para governos se eles apenas protegem os ricos”.

Saudade é pouco para o que sentirei do velho e bom Faustão (o verdadeiro). Quem mais hoje escreve títulos de crônicas como essas: “Os urubus esperam” (21/02/08), “Como vomitar um senador” (28/10/07), “Prenda a paz que a guerra eu garanto!” (15/10/07), “Outro dia eu falo o que eu queria falar” (03/09/07), “Pra não dizerem que eu não disse Basta” (15/08/07), “ Notinhas puxadas para o triste” (27/07/07), “Os cupins trabalham à sombra” (27/04/07), “Veja se ninguém está olhando e leia” (14/03/07), “É tudo adubo do mesmo saco!” (04/02/07), “PHD em patifaria” (03/01/06), “Trouxas do meu Brasil: precavei-vos!” (18/11/06) e “Leia sem rir que a coisa é séria” (24/07/06).
Insubstituível no ofício de escrever o que gosto de ler, sinto que o time está cada vez mais sofrendo perdas e as peças de reposição não estão à altura para irem ocupando essas vagas. Já se foram Brizola, Darcy Ribeiro, Milton Santos, Betinho, d. Hélder, Jorge Amado, Teotônio, Paulo Freire, Henfil, Faoro... Sinceridade, conto nos dedos de uma mão os que ainda restam e me dão força para não desistir da labuta diária. Entre eles cito, Mino Carta, cardeal Arns, Fidel, Casaldáliga, Aldir Blanc (só esse para assumir a lacuna do Fausto no JB) e quem mais mesmo? A morte do Faustão me estragou o fim de semana. Se gostar de homem é isso, não tenho receio nenhum em afirmar: Eu sempre gostei muito do Fausto Wolff. E vou sentir uma bruta saudade do bruto.

Henrique Perazzi de Aquino, sábado, 06/09/2008 (escrito de uma só talagada, após um almoço muito mal digerido).

9 comentários:

Anônimo disse...

Prezado Henrique Perazzi de Aquino

Acho que foi puro esquecimento. Mas vc se esqueceu de Oscar Niemeyer. Confere ?

Marco Antônio de Souza

Mafuá do HPA disse...

caro Marco Antonio Souza
É verdade, esqueci do Niemeyer.
Aliás, não só dele, mas também do Boff, do Chico, do frei Beto, do Veríssimo...
Esses ainda chacoalham minha roseira.
Abracitos diretos do mafuá
HPA

Anônimo disse...

Caro Henrique,

Fiquei sabendo da partida do Fausto Wolff pelo seu artigo. Engraçado como algumas expressam sentimentos tão próximos dos nossos que a sua perda é como se fosse de alguém que convivêssemos diariamente, partilhasse de nossas decepções e alegrias e a nossa tristeza nessa hora é como se fosse a despedida de um amigo querido.

Com certeza vai ficar um vazio na imprensa e na cultura brasileira, alguém a explanar com clareza a nossa indignação. Além disso, como vc. bem disse este mundo está cada vez mais pobre de caráter vai perdendo mais um ser que sempre colocou a dignidade em primeiro lugar e escrevia não somente com o coração, mas com todos os seus órgãos sendo expostos.Aliava o carinho para com seu povo e suas lutas à ira mortal aos reacionários, traidores e outros canalhas que minam nosso sonho. Muito bom teu artigo, caro Henrique, somente faltou citar entre os sobreviventes que nos dão força pela dignidade, o sempre jovem Chico Buarque.

Abraços,

Arthur Monteiro Jr

Anônimo disse...

Henrique

Nesta lista faltou também o Marcos, este sem dúvida o que mais chacoalha com nossas cabeças atualmente rs. Abracitos
Tatiana

Anônimo disse...

Tudo bom?
Li ontem seu texto sobre o Fausto no Buteco do Edu, realmente vai fazer muita falta.
RODRIGO FERRARI - LIVRARIA FOLHA SECA

Anônimo disse...

Henrique,
Assino em baixo do que voc� escreveu.
Adorava Fausto Wolff, sua maneira de ser, desabusada e sincera. Invejava, gostaria de ser como ele.
Por que os textos dele n�o s�o publicados em livro?
Bons est�o indo, o lixo vai ficando.
Para que permane�am?
Abra�os do
Ign�cio de Loyola Brand�o

Mafuá do HPA disse...

MEUS CAROS
Foi um orgulho receber esse recado do escritor Ignácio Loyola Brandão, que respondeu ao texto que lhe enviei. Loyola escreve como ninguém e sofre ao nosso lado, retratando para o papel, a vida dos personagens de nossas ruas. Queria muito escrever como ele. Ele sim, um verdadeiro cronista do povo das ruas. Não conheço outro hoje, que ouve uma historinha na rua e sabe reproduzir para o papel, como nenhum outro. Ele também é do time dos que sofrem com a perdo do Wolff.
HENRIQUE, DIRETO DO MAFUÁ

Anônimo disse...

Que perda Henrique!
Fiquei sabendo por você. O homem estava doente?
Os últimos textos que eu li do Fausto Wolff foi na revista Bundas, que, por sinal, homenageou o velho Briza.
Assino embaixo da sua homenagem.
abs.
João Francisco Tidei de Lima

Anônimo disse...

Tributo a Fausto Wolf: Morri, mas não acabei...(alegoria)
psicografado por Raymundo Araujo 06/09/2008



Estranhamente recebi esta mensagem psicografada de Fausto Wolf, e aqui a transmito.

Uma frase publicada em sua coluna de hoje no JB, já póstuma, considero fundamental para compreender o velho lobo. "O Dissenso não é deslealdade"(JB-06/09/2008). Sua memória deve servir de ensinamento aos jornalistas "a favor", muito em moda hoje em dia. (Raymundo Araujo Filho).



Gente Boa

Morri. Infelizmente estas coisas acontecem, no estágio de desenvolvimento que está a espécie a que pertencemos, que trocou a geração espontânea, pela reprodução sexual. Paciência!

Alguns poderiam vir com esta história que eu morri muito jovem, e que poderia ter vivido muito mais. Concordo com a primeira, mas quanto à segunda, nada a fazer. É muito difícil viver saudavelmente, com o nível de conhecimento e revolta pela situação, como optei (ooops!), ou melhor, escolhi ter.

Alguns devem achar fácil viver, afinal contenta-se em ir de casa para o trabalho, fazer sua vida sem querer se envolver com ela, isto é, a vida da sociedade, da qual estamos inseridos e somos responsáveis, ao menos pelas crianças, jovens e idosos. O resto que se F*.

Fiz menos do que acho que seria capaz. Fiz o que pude, apenas. Mas, de uma coisa não abri mão, como concessão para conseguir mais. Preservei a minha integridade pessoal, para poder continuar a escrever sobre o que quis, como quis, e contra quem quis, sem rabo preso.

Paguei um preço, mas não perdi o respeito por mim, por isso o conquistei, até em meu próprio meio jornalístico (do qual não sou arroz de festa).

Sei que se abrirá a temporada de elogios à minha pessoa. Da pessoa afável (que não fui para todo o mundo). Do ótimo contista e romancista (pouco publicado, não recomendado em escolas e pouco incensado pelos editoriais comerciais). Do homem de esquerda íntegro e anticapitalista (mas implacável, e por isso ignorado, pela neo esquerda capitalista brasileira).

Vão dizer que previ o futuro, que interpretei o passado e que vivi o presente com maestria ("menas" verdade. Apenas me recusei a aceitar versões prontas, dos oráculos de plantão).

Serei estudado nas escolas de jornalismo e quetais, talvez apenas para aplacar a culpa da inteligência brasileira, por formar verdadeiros analfabetos políticos e das letras, afinal matéria prima, que bem lapidada, é essencial para a nossa profissão. Talvez até vire "cult", ou pelo menos o Natanael Jebão (que morre junto comigo).

Mas nada disso será importante para a minha memória (se é que deixo alguma) do que o respeito pelas minhas condutas, como prova que a indignação que tive pelas injustiças sociais e predação econômica das elites, além do repúdio ao jornalismo "a favor" ou "do Poder" terão deixado algumas sementes, principalmente na juventude.

Oxalá isso aconteça!

Adeus

Fausto Wolf, em mensagem psicografada para meu leitor desde que se entende por gente Raymundo Araujo Filho.

06-09-2008

ENVIADO POR PASCOAL MACARIELLO - RIO DE JANEIRO RJ